sexta-feira, 17 de maio de 2013

Responsabilidade na formação de contratos públicos em tempos de crise



Numa altura de grave contenção financeira e orçamental, em que o país vive sob assistência, tendo por conseguinte perdido parte da sua soberania, tal um enfermo imobilizado na sua cama de hospital que apenas consegue alimentar-se com o soro administrado pela enfermeira Troika, (soro este que teremos de devolver acrescido de juros), cabe-nos reflectir sobre a responsabilidade das entidades públicas pela não celebração dos contratos públicos, tendo-se já encetado um procedimento pré-contratual.

Num texto dos Cadernos de Justiça Administrativa[1], a professora Maria João Estorninho interroga-se quanto à necessidade de alteração dos critérios para a determinação da indemnização decorrente dessa responsabilidade, face à mudança de paradigma.

A alteração de 2008 da Lei nº67/2007 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas estabelece no seu art.7º nº2 vem "conceder indemnização às pessoas lesadas por violação de norma ocorrida no âmbito de procedimento de formação dos contratos referidos no artigo 100º do CPTA". A autora começa por assinalar que esta restrição do universo dos contratos abrangidos por este regime, não parece fazer sentido, devendo antes ser interpretado no quadro de um princípio geral de responsabilidade das entidades públicas pelos danos causados no âmbito de procedimentos de formação dos seus contratos. Mas acrescenta que o CCP previu expressamente casos de indemnização de danos causados nos procedimentos de formação de contratos públicos.

No procedimento pré-contratual é necessário distinguir três momentos: a fase pré-adjudicatória, a fase pós-adjudicatória e fase posterior à outorga do contrato e ter em conta que à medida que o procedimento avança, se geram na esfera dos contratantes, uma expectativa maior e por isso digno de maior tutela.

A professora Estorninho sublinha que, nas últimas décadas, os factos considerados passíveis de gerar tal responsabilidade eram muito alargados, podendo resultar de actos lícitos ou ilícitos, indemnizando-se quer danos emergentes, como também lucros cessantes. Porém, a autora salienta  que ao longo dos anos "vários obstáculos se foram colocando à pura e simples afirmação do princípio da reparação integral dos prejuízos causados pelo acto ilícito". Acrescenta, por isso, que se passou a distinguir 3 situações:
 
 -  Indemnização zero: manifesto que, mesmo sem o ilícito cometido, nunca viria a ser escolhida a proposta preterida

 -  Indemnização total: por ser manifesta que, e se não fosse a decisão ilícita proferida, deveria vir a ser adjudicada a proposta do concorrente excluído ou preterido

 -  Indemnização em valor intermédio: indemnizando-se a perde de oportunidade

O art.79º do CCP prevê várias causas de não adjudicação, nomeadamente o da alínea d) que trata da alteração das “circunstâncias supervenientes (...) relativas aos pressupostos da decisão de contratar” em que, não existe apenas uma faculdade de não contratar, mas nasce um dever da Administração de desistir de contratar. Esta causa da alteração de circunstâncias terá um papel realmente preponderante, num contexto económico-financeiro como o actual, quer nas fases pré-adjudicatórias, quer para os contratos já celebrados. Para estes, o CCP também prevê a possibilidade de resolver o contrato por alteração de circunstâncias (art.335º), tal como por motivos de interesse público (art.334º).

A professora conclui, dizendo que, em tempos de crise, existe uma necessidade premente de repensar os critérios de determinação da medida da indemnização pois considera que as soluções mais generosas do passado "se revelaram totalmente inadequadas". Remata com um argumento de peso, que tem sido muito utilizado pelo Tribunal Constitucional na análise dos últimos orçamentos de Estado: o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos. Nesta alinha afina que "se as razões de interesse público, que justificam a desistência de contratar da entidade adjudicaste, se prendem, não propriamente com novas opções, mas antes com situações de dificuldades financeiras públicas, dir-se-ia que o mesmo princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos obriga a soluções precisamente de sentido inverso".



Rafael Sousa Uva
140108001

[1] Maria João Estorninho, "Responsabilidade das entidades públicas na formação dos contratos: tópicos de reflexão, em tempos de crise...." in Cadernos de Justiça Administrativa nº88 Julho/Agosto 2011

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