Caros colegas e caro Prof. Vasco Pereira da Silva,
O tema que vou apresentar é relativo a responsabilidade
civil administrativa, último capítulo do nosso programa,que infelizmente não tivemos oportunidade de debater: Cá se fazem, cá
se pagam – da responsabilidade administrativa e das garantias dos particulares.Devido
ao tempo ser escasso, não conseguirei analisar com detalhe a segunda parte, ou
seja, as garantias dos particulares, pois caso o fizesse não seria de
qualidade. Sendo assim, se o tempo assim mo permitir, farei a análise
posteriormente. Peço desde já muitíssimas desculpas ao Sr. Prof por não conseguir
terminar a minha tarefa administrativista e a todos vocês que terão de
esperar pelo final da "história".
No direito português contemporâneo o tema da responsabilidade
civil da Administração Pública voltou a ganhar grande actualidade em virtude
não só de a Constituição lhe dedicar um artigo específico – o artigo 22º - e
autónomo dos funcionários e dos agentes – o artigo 271º -, como também devido a
Reforma do Contencioso Administrativo de 2002-2003 e a preparação, desde 2001,
e posterior publicação, em finais de 2007, do RCEEP.
A função principal do instituto da responsabilidade civil é,
em qualquer caso e em ambos os ramos do direito civil e administrativo,
ressarcir ou indemnizar os prejuízos que, segundo o curso normal dos
acontecimentos, não deveria ter ocorrido, ou seja, colocar o lesado na situação
em que se encontraria caso tudo se tivesse passado como seria de esperar de
acordo com o que é habitual acontecer.
Sendo assim, a diferença de regimes resulta, assim, não tantos
dos fins a atingir ou da consequência jurídica- a obrigação a indemnizar -, mas
dos pressupostos legais respetivos: de um lado, o exercício, por via unilateral
ou contratual, da função administrativa; do outro, actuações regidas pelos princípios
da livre iniciativa e da liberdade contratual, as quais, quando realizadas por
entidades administrativas, são consideradas idênticas àquelas.
A responsabilidade
civil administrativa, segundo o prof. Freitas do Amaral traduz-se na
obrigação jurídica que recai sobre qualquer pessoa coletiva pública de indemnizar
os danos que tiver causado aos particulares, seja no exercício da função
pública como seja no exercício da função privada, caso estejam em causa
especiais poderes de autoridade ou não.
O qualitativo civil da responsabilidade não remete para o
direito privado, ou seja, não faz referência a um certo ramo do Direito:
trata-se apenas de esclarecer que a responsabilidade em causa não é política,
criminal, contraordenacional ou disciplinar. O prof. Vieira de Andrade afirma
que o abandono da “irresponsabilidade pública, responsabilidade privada” operou
uma mudança fundamental: hoje a responsabilidade deixa de ser “civil” por ser
encarada da perspetiva da atividade administrativa- a responsabilidade já não é
civil do lado ativo mas tão-só do lado passivo.
Geralmente fala-se em responsabilidade civil do Estado e das
demais pessoas coletivas de direito público, mas a administração pública em
sentido orgânico também compreende pessoas coletivas de direito privado,
sujeitas a um regime de direito administrativo no âmbito da sua atividade de
gestão pública.
Às pessoas coletivas de direito privado integrante da
administração pública aplica-se, na medida em que exerçam a função
administrativa, o regime da responsabilidade civil administrativa.
♦ Classificações de
responsabilidade civil administrativa
Há pois, Dois regimes de responsabilidade civil da
Administração consagrados no nosso direito positivo catual – o regime de
responsabilidade por atos de gestão privada e o regime por atos de gestão
pública: o primeiro consta do Código civil e o segundo (aquele que constitui a
norma para as entidades públicas e que, por conseguinte é mais significativo),
consta do RCEEP, no tocante a responsabilidade extracontratual, e do CCP,
relativamente a responsabilidade emergente da violação de contratos públicos. Sendo
assim, cada uma das modalidades de responsabilidade civil está sujeita a um
regime jurídico próprio.
Vou identificar e definir de modo breve em que é cada um dos
regimes consiste
I
A)Responsabilidade civil
pré contratual e contratual emergentes de contratos sujeitos ao direito
privado:
A responsabilidade contratual ou
obrigacional é resultado da violação de um direito de crédito ou obrigação em sentido
técnico; não se trata exclusivamente da violação de contratos, daí que seja
mais correto chamar-lhe responsabilidade negocial ou obrigacional. Antunes Varela diz que a expressão responsabilidade
obrigacional é equívoca, por não fazer a distinção entre o dever de prestar, tendente
ao cumprimento da obrigação, e o dever de indemnizar, correspondente ao seu não
cumprimento, além de não ser inteiramente líquida a aplicabilidade de todo o
regime da responsabilidade proveniente do não cumprimento das obrigações
negociais à violação das obrigações provenientes de outra fonte.
A responsabilidade pré-contratual será
aquela que emerge da violação de deveres anteriores a própria celebração do
contrato, nomeadamente os deveres de conduta decorrentes do princípio de Boa-fé
negocial (227º- Culpa in contrahendo).Os danos em causa decorrem da violação do
interesse contratual negativo – o interesse preterido em virtude de não chegar
a haver contrato ou de o contrato se der como não válido.
O regime geral acabado de descrever
vale sobretudo para a contratação por parte das empresas públicas não sujeitas
a CCP e para os contratos celebrados por entidades públicas a que não seja aplicável
o mesmo Código (art.4º, nº2 b) a d) do CCP)
A única especialidade é que nos casos
em apreço caberá a Administração demonstrar que a violação do contrato que lhe
é imputada foi, ela própria, uma consequência da violação das obrigações por
parte do indivíduo que tenha atuado como titular do órgão administrativo,
funcionário, agente ou representante da mesma Administração para com esta
última.
B) A
responsabilidade civil extracontratual por atos de gestão privada
Esta está regulada nos artigos 500º e 501º do Código Civil em que
é necessário que sejam responsáveis os indivíduos que agiram ao serviço da
pessoa coletiva (incluindo os titulares dos seus órgãos). Quer isto dizer que a
lei parte da responsabilidade da pessoa coletiva pública, considerando esta
solidariamente obrigada a indeminização sempre que aqueles, tendo atuado ao seu
serviço, sejam responsáveisa nos termos gerais.
II
A)Responsabilidade
civil por ato de gestão pública: responsabilidade extracontratual
Esta é a mais frequente,
na prática, das modalidades de responsabilidade civil extracontratual.
Trata-se de uma
responsabilidade subjetiva por isso baseada na culpa, em que só é relevante
caso se verifiquem os mesmos cinco pressupostos que se verificam para a responsabilidade
extracontratual: facto voluntário, uma conduta de carácter ilícito, a culpa do
agente, um dano sofrido numa esfera jurídica podendo ser patrimonial ou não, e
por fim, um nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo de tal modo
que se possa concluir que o facto foi causa do dano. Contudo este regime possui
as suas especificidades próprias: pelos danos causados a particulares por
factos funcionais (facto praticado no exercício das funções do seu autor e por
causa desse exercício) respondam sempre, em qualquer caso, a Administração, são
igualmente uma solução generalizada, por constituir um imperativo de justiça;
nos casos de dolo ou culpa grave a Administração goze do direito de regresso
(de exercício obrigatório), contra o autor do facto danoso. A lei
Administrativa exclui esse mesmo direito em caso de mera culpa, protegendo os
servidores da Administração Pública contra o risco de pequenas faltas
desculpáveis e não os desincentivarem de buscarem, com abertura e alguma
audácia, as soluções mais eficientes e eficazes para o interesse público.
Esta modalidade de responsabilidade tem um
duplo fundamento subjetivo e objetivo: de um ponto de vista subjetivo, a
vinculação da Administração Pública aos direitos fundamentais presentes no art.º
18 nº1 CRP e o respeito pelas posições jurídicas subjetivas dos particulares
266º n1 CRP. De um ponto de vista objetivo também se encontra presente o princípio
da legalidade.
Da combinação entre
ambos decorre a proibição de provocação ilegal de danos na esfera jurídica dos
particulares, ou como sucedâneo, a sua reintegração mediante indemnização.
B)Responsabilidade civil por ato de gestão pública: responsabilidade
extracontratual pelo risco
Não tem carácter excecional,
e é definida por uma cláusula geral: “O Estado e as demais pessoas coletivas
administrativas respondem pelos danos causados por atividades, coisas ou serviços
administrativos perigosos...” tal como se encontra no Art.º 11º n1 RRCEC
A formulação do artigo
citado parece pressupor a teoria do risco de autoridade. Mas ao regime legal
estão subjacentes ainda que de forma negativa, as teorias da criação de risco e
de risco-proveito.
A primeira porque a
responsabilidade pelo risco é excluída ou modificada se houver culpa do lesado
ou de terceiro, ou seja, se existirem outras fontes de risco, podendo ser
possível que haja redução ou até exclusão da responsabilidade, mas neste caso
esta tem de ser a única causa do dano.
A segunda porque a
responsabilidade pelo risco é apenas das pessoas coletivas administrativas e
não dos seus titulares de órgãos ou agentes, uma vez que o risco é criado em benefício
exclusivo do interesse público prosseguido pelas primeiras e não dos interesses
particulares dos segundos.
Não é todo e qualquer
facto que pode gerar responsabilidade pelo risco: é necessário que esse facto
resulte de uma atividade, do funcionamento de um serviço especialmente
perigoso.
O conceito de
especialmente perigoso exprime uma potencialidade de lesão de bens que
normalmente não se verifica na vida social. Ex: danos causados por manobras,
exercícios ou treinos com armas de fogo por parte das Forças Armadas ou das
forças policiais.
A natureza especial do
perigo não deve ser averiguada em abstrato mas tendo em conta os concretos
funcionamento dos serviços, coisa ou atividade em causa.
A responsabilidade
administrativa pelo risco pode ser excluída ou modificada em 3 situações:
-Caso fortuito ou de
força maior;
-Quando a criação ou o
aumento do risco que conduziu ao dano tenha sido provocado por uma
circunstância inevitável;
-Culpa do lesado, como
já referi.
Dependerá então da
verificação quanto a outrem dos pressupostos da responsabilidade civil
objetiva.
Relativamente a responsabilidade
de terceiro esta pode excluir ou reduzir a responsabilidade da Administração,
devendo, no último caso, apurar-se em que proporção o risco criado e o facto de
terceiro concorreram para a produção do dano.
Quando a
responsabilidade pelo risco coexista com a responsabilidade de terceiro, a administração
responde solidariamente com terceiro sem prejuízo do exercício de regresso.
C)Responsabilidade
civil por ato de gestão pública: responsabilidade por facto lícito
Por vezes, a lei
permite que, no exercício da função administrativa e em benefício do interesse
público, a administração sacrifique posições jurídicas dos particulares.
A lei determina que a
administração seja responsável pelos danos provocados, independentemente de
ilicitude ou risco especial.
Decorre do princípio da
justa distribuição de encargos públicos: segundo este princípio os prejuízos
resultantes do exercício de uma atividade que visa a prossecução do interesse coletivo
devem ser suportados pela coletividade que dela beneficia e não exclusivamente
pelo lesado.
Este princípio
fundamenta-se no princípio de Estado de Direito democrático e no princípio da
igualdade.
Existem duas
modalidades de responsabilidade civil por facto lícito:
a)Responsabilidade pelo
sacrifício de bens pessoais e danos causados em estado necessidade – art.º 16º
do RCEEP.
Este artigo refere-se à
responsabilidade pelo sacrifício em termos excessivamente amplos: por
interpretação conforme à CRP, as pretensões indemnizatórias pelo sacrifício de
direitos patrimoniais privados devem ser excluídas do seu âmbito e enquadradas
em termos substancialmente diversos dos neles previstos.
O artigo fica, então,
apenas reduzido à responsabilidade pelo sacrifício de bens pessoais, como nos
diz o artigo 26 nº1 CRP e por danos causados em estado necessidade.
Pressupõe 4 requisitos:
-Facto voluntário: pode
ser um ato administrativo ou um ato material; a exclusão dos regulamentos do
conceito de ato voluntário prende-se com a sua impossibilidade natural para
produzir danos ressarcíeis no âmbito desta modalidade de responsabilidade civil
em virtude do carácter necessariamente especial do dano.
-Licitude
-Dano: nem todos os
danos são suscetíveis de ser ressarcíeis. Tem que se tratar de um dano em bens
pessoais, ou de um dano em bens patrimoniais se tiver sido causado em estado
necessidade. Pode ainda tratar-se de um encargo ou dano especial e anormal. É
especial o encargo ou dano causado a pessoas individualmente identificadas; é
anormal o encargo ou dano que ultrapassa o risco normal da vida social.
-Nexo de causalidade
b)Responsabilidade civil
pela legitima não reconstituição da situação actual hipotética – art.º 45, 49,
102 nº5, 166 e 178º do CPTA.
Existe ainda a
responsabilidade pelo não restabelecimento legítimo de posições jurídicas
violadas.
Os particulares lesados
nas suas posições jurídicas subjetivas por condutas administrativas têm direito
à eliminação daquelas condutas e a que seja reconstituída na sua esfera jurídica
a situação que existiria se aquelas condutas não tivessem ocorrido.
Esta indemnização é um
sucedâneo do restabelecimento das posições subjetivas violadas e não visa, por
isso, ressarcir o lesado de todos os danos provocados pela conduta ilegal da
administração.
É apenas necessário que
se verifiquem os pressupostos das pretensões ao restabelecimento de posições jurídicas
subjetivas violadas e que se verifique uma situação em que é legítima a sua não
satisfação pela administração.
Diferente destas
situações são aquelas em que a administração responde pelo não restabelecimento
ilegítimo de posições jurídicas subjetivas violadas: neste caso, as condutas
administrativas são ilegais e a responsabilidade civil a que dêem lugar é delitual
e não por facto lícito.
Tem a análise como base o manual: DIOGO FREITAS DO AMARAL, «Curso de Direito Administrativo», volume II, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2011.
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