sexta-feira, 17 de maio de 2013

CÁ SE FAZEM, CÁ SE PAGAM - PARTE I


Caros colegas e caro Prof. Vasco Pereira da Silva,
O tema que vou apresentar é relativo a responsabilidade civil administrativa, último capítulo do nosso programa,que infelizmente não tivemos oportunidade de debater: Cá se fazem, cá se pagam – da responsabilidade administrativa e das garantias dos particulares.Devido ao tempo ser escasso, não conseguirei analisar com detalhe a segunda parte, ou seja, as garantias dos particulares, pois caso o fizesse não seria de qualidade. Sendo assim, se o tempo assim mo permitir, farei a análise posteriormente. Peço desde já muitíssimas desculpas ao Sr. Prof por não conseguir terminar a minha tarefa administrativista e a todos vocês que terão de esperar pelo final da "história".
No direito português contemporâneo o tema da responsabilidade civil da Administração Pública voltou a ganhar grande actualidade  em virtude não só de a Constituição lhe dedicar um artigo específico – o artigo 22º - e autónomo dos funcionários e dos agentes – o artigo 271º -, como também devido a Reforma do Contencioso Administrativo de 2002-2003 e a preparação, desde 2001, e posterior publicação, em finais de 2007, do RCEEP.
A função principal do instituto da responsabilidade civil é, em qualquer caso e em ambos os ramos do direito civil e administrativo, ressarcir ou indemnizar os prejuízos que, segundo o curso normal dos acontecimentos, não deveria ter ocorrido, ou seja, colocar o lesado na situação em que se encontraria caso tudo se tivesse passado como seria de esperar de acordo com o que é habitual acontecer.
Sendo assim, a diferença de regimes resulta, assim, não tantos dos fins a atingir ou da consequência jurídica- a obrigação a indemnizar -, mas dos pressupostos legais respetivos: de um lado, o exercício, por via unilateral ou contratual, da função administrativa; do outro, actuações regidas pelos princípios da livre iniciativa e da liberdade contratual, as quais, quando realizadas por entidades administrativas, são consideradas idênticas àquelas.
A responsabilidade civil administrativa, segundo o prof. Freitas do Amaral traduz-se na obrigação jurídica que recai sobre qualquer pessoa coletiva pública de indemnizar os danos que tiver causado aos particulares, seja no exercício da função pública como seja no exercício da função privada, caso estejam em causa especiais poderes de autoridade ou não.
O qualitativo civil da responsabilidade não remete para o direito privado, ou seja, não faz referência a um certo ramo do Direito: trata-se apenas de esclarecer que a responsabilidade em causa não é política, criminal, contraordenacional ou disciplinar. O prof. Vieira de Andrade afirma que o abandono da “irresponsabilidade pública, responsabilidade privada” operou uma mudança fundamental: hoje a responsabilidade deixa de ser “civil” por ser encarada da perspetiva da atividade administrativa- a responsabilidade já não é civil do lado ativo mas tão-só do lado passivo.
Geralmente fala-se em responsabilidade civil do Estado e das demais pessoas coletivas de direito público, mas a administração pública em sentido orgânico também compreende pessoas coletivas de direito privado, sujeitas a um regime de direito administrativo no âmbito da sua atividade de gestão pública.
Às pessoas coletivas de direito privado integrante da administração pública aplica-se, na medida em que exerçam a função administrativa, o regime da responsabilidade civil administrativa.
♦ Classificações de responsabilidade civil administrativa
Há pois, Dois regimes de responsabilidade civil da Administração consagrados no nosso direito positivo catual – o regime de responsabilidade por atos de gestão privada e o regime por atos de gestão pública: o primeiro consta do Código civil e o segundo (aquele que constitui a norma para as entidades públicas e que, por conseguinte é mais significativo), consta do RCEEP, no tocante a responsabilidade extracontratual, e do CCP, relativamente a responsabilidade emergente da violação de contratos públicos. Sendo assim, cada uma das modalidades de responsabilidade civil está sujeita a um regime jurídico próprio.

Vou identificar e definir de modo breve em que é cada um dos regimes consiste
I
A)Responsabilidade civil pré contratual e contratual emergentes de contratos sujeitos ao direito privado:
A responsabilidade contratual ou obrigacional é resultado da violação de um direito de crédito ou obrigação em sentido técnico; não se trata exclusivamente da violação de contratos, daí que seja mais correto chamar-lhe responsabilidade negocial ou obrigacional. Antunes Varela diz que a expressão responsabilidade obrigacional é equívoca, por não fazer a distinção entre o dever de prestar, tendente ao cumprimento da obrigação, e o dever de indemnizar, correspondente ao seu não cumprimento, além de não ser inteiramente líquida a aplicabilidade de todo o regime da responsabilidade proveniente do não cumprimento das obrigações negociais à violação das obrigações provenientes de outra fonte.
A responsabilidade pré-contratual será aquela que emerge da violação de deveres anteriores a própria celebração do contrato, nomeadamente os deveres de conduta decorrentes do princípio de Boa-fé negocial (227º- Culpa in contrahendo).Os danos em causa decorrem da violação do interesse contratual negativo – o interesse preterido em virtude de não chegar a haver contrato ou de o contrato se der como não válido.
O regime geral acabado de descrever vale sobretudo para a contratação por parte das empresas públicas não sujeitas a CCP e para os contratos celebrados por entidades públicas a que não seja aplicável o mesmo Código (art.4º, nº2 b) a d) do CCP)
A única especialidade é que nos casos em apreço caberá a Administração demonstrar que a violação do contrato que lhe é imputada foi, ela própria, uma consequência da violação das obrigações por parte do indivíduo que tenha atuado como titular do órgão administrativo, funcionário, agente ou representante da mesma Administração para com esta última.
B) A responsabilidade civil extracontratual por atos de gestão privada
Esta está regulada nos artigos 500º e 501º do Código Civil em que é necessário que sejam responsáveis os indivíduos que agiram ao serviço da pessoa coletiva (incluindo os titulares dos seus órgãos). Quer isto dizer que a lei parte da responsabilidade da pessoa coletiva pública, considerando esta solidariamente obrigada a indeminização sempre que aqueles, tendo atuado ao seu serviço, sejam responsáveisa nos termos gerais.
II
A)Responsabilidade civil por ato de gestão pública: responsabilidade extracontratual 
Esta é a mais frequente, na prática, das modalidades de responsabilidade civil extracontratual.
Trata-se de uma responsabilidade subjetiva por isso baseada na culpa, em que só é relevante caso se verifiquem os mesmos cinco pressupostos que se verificam para a responsabilidade extracontratual: facto voluntário, uma conduta de carácter ilícito, a culpa do agente, um dano sofrido numa esfera jurídica podendo ser patrimonial ou não, e por fim, um nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo de tal modo que se possa concluir que o facto foi causa do dano. Contudo este regime possui as suas especificidades próprias: pelos danos causados a particulares por factos funcionais (facto praticado no exercício das funções do seu autor e por causa desse exercício) respondam sempre, em qualquer caso, a Administração, são igualmente uma solução generalizada, por constituir um imperativo de justiça; nos casos de dolo ou culpa grave a Administração goze do direito de regresso (de exercício obrigatório), contra o autor do facto danoso. A lei Administrativa exclui esse mesmo direito em caso de mera culpa, protegendo os servidores da Administração Pública contra o risco de pequenas faltas desculpáveis e não os desincentivarem de buscarem, com abertura e alguma audácia, as soluções mais eficientes e eficazes para o interesse público.
 Esta modalidade de responsabilidade tem um duplo fundamento subjetivo e objetivo: de um ponto de vista subjetivo, a vinculação da Administração Pública aos direitos fundamentais presentes no art.º 18 nº1 CRP e o respeito pelas posições jurídicas subjetivas dos particulares 266º n1 CRP. De um ponto de vista objetivo também se encontra presente o princípio da legalidade.
Da combinação entre ambos decorre a proibição de provocação ilegal de danos na esfera jurídica dos particulares, ou como sucedâneo, a sua reintegração mediante indemnização.

B)Responsabilidade civil por ato de gestão pública: responsabilidade extracontratual pelo risco
Não tem carácter excecional, e é definida por uma cláusula geral: “O Estado e as demais pessoas coletivas administrativas respondem pelos danos causados por atividades, coisas ou serviços administrativos perigosos...” tal como se encontra no Art.º 11º n1 RRCEC
A formulação do artigo citado parece pressupor a teoria do risco de autoridade. Mas ao regime legal estão subjacentes ainda que de forma negativa, as teorias da criação de risco e de risco-proveito.

A primeira porque a responsabilidade pelo risco é excluída ou modificada se houver culpa do lesado ou de terceiro, ou seja, se existirem outras fontes de risco, podendo ser possível que haja redução ou até exclusão da responsabilidade, mas neste caso esta tem de ser a única causa do dano.
A segunda porque a responsabilidade pelo risco é apenas das pessoas coletivas administrativas e não dos seus titulares de órgãos ou agentes, uma vez que o risco é criado em benefício exclusivo do interesse público prosseguido pelas primeiras e não dos interesses particulares dos segundos.

Não é todo e qualquer facto que pode gerar responsabilidade pelo risco: é necessário que esse facto resulte de uma atividade, do funcionamento de um serviço especialmente perigoso.
O conceito de especialmente perigoso exprime uma potencialidade de lesão de bens que normalmente não se verifica na vida social. Ex: danos causados por manobras, exercícios ou treinos com armas de fogo por parte das Forças Armadas ou das forças policiais.
A natureza especial do perigo não deve ser averiguada em abstrato mas tendo em conta os concretos funcionamento dos serviços, coisa ou atividade em causa.
A responsabilidade administrativa pelo risco pode ser excluída ou modificada em 3 situações:
-Caso fortuito ou de força maior;
-Quando a criação ou o aumento do risco que conduziu ao dano tenha sido provocado por uma circunstância inevitável;
-Culpa do lesado, como já referi.
Dependerá então da verificação quanto a outrem dos pressupostos da responsabilidade civil objetiva.

Relativamente a responsabilidade de terceiro esta pode excluir ou reduzir a responsabilidade da Administração, devendo, no último caso, apurar-se em que proporção o risco criado e o facto de terceiro concorreram para a produção do dano.
Quando a responsabilidade pelo risco coexista com a responsabilidade de terceiro, a administração responde solidariamente com terceiro sem prejuízo do exercício de regresso.

C)Responsabilidade civil por ato de gestão pública: responsabilidade por facto lícito
Por vezes, a lei permite que, no exercício da função administrativa e em benefício do interesse público, a administração sacrifique posições jurídicas dos particulares.
A lei determina que a administração seja responsável pelos danos provocados, independentemente de ilicitude ou risco especial.
Decorre do princípio da justa distribuição de encargos públicos: segundo este princípio os prejuízos resultantes do exercício de uma atividade que visa a prossecução do interesse coletivo devem ser suportados pela coletividade que dela beneficia e não exclusivamente pelo lesado.
Este princípio fundamenta-se no princípio de Estado de Direito democrático e no princípio da igualdade.

Existem duas modalidades de responsabilidade civil por facto lícito:
a)Responsabilidade pelo sacrifício de bens pessoais e danos causados em estado necessidade – art.º 16º do RCEEP.
Este artigo refere-se à responsabilidade pelo sacrifício em termos excessivamente amplos: por interpretação conforme à CRP, as pretensões indemnizatórias pelo sacrifício de direitos patrimoniais privados devem ser excluídas do seu âmbito e enquadradas em termos substancialmente diversos dos neles previstos.
O artigo fica, então, apenas reduzido à responsabilidade pelo sacrifício de bens pessoais, como nos diz o artigo 26 nº1 CRP e por danos causados em estado necessidade.
Pressupõe 4 requisitos:
-Facto voluntário: pode ser um ato administrativo ou um ato material; a exclusão dos regulamentos do conceito de ato voluntário prende-se com a sua impossibilidade natural para produzir danos ressarcíeis no âmbito desta modalidade de responsabilidade civil em virtude do carácter necessariamente especial do dano.
-Licitude
-Dano: nem todos os danos são suscetíveis de ser ressarcíeis. Tem que se tratar de um dano em bens pessoais, ou de um dano em bens patrimoniais se tiver sido causado em estado necessidade. Pode ainda tratar-se de um encargo ou dano especial e anormal. É especial o encargo ou dano causado a pessoas individualmente identificadas; é anormal o encargo ou dano que ultrapassa o risco normal da vida social.
-Nexo de causalidade

b)Responsabilidade civil pela legitima não reconstituição da situação actual hipotética – art.º 45, 49, 102 nº5, 166 e 178º do CPTA.
Existe ainda a responsabilidade pelo não restabelecimento legítimo de posições jurídicas violadas.
Os particulares lesados nas suas posições jurídicas subjetivas por condutas administrativas têm direito à eliminação daquelas condutas e a que seja reconstituída na sua esfera jurídica a situação que existiria se aquelas condutas não tivessem ocorrido.
Esta indemnização é um sucedâneo do restabelecimento das posições subjetivas violadas e não visa, por isso, ressarcir o lesado de todos os danos provocados pela conduta ilegal da administração.
É apenas necessário que se verifiquem os pressupostos das pretensões ao restabelecimento de posições jurídicas subjetivas violadas e que se verifique uma situação em que é legítima a sua não satisfação pela administração.
Diferente destas situações são aquelas em que a administração responde pelo não restabelecimento ilegítimo de posições jurídicas subjetivas violadas: neste caso, as condutas administrativas são ilegais e a responsabilidade civil a que dêem lugar é delitual e não por facto lícito.

Tem a análise como base o manual: DIOGO FREITAS DO AMARAL, «Curso de Direito Administrativo», volume II, 2ª edição,  Almedina, Coimbra, 2011.

Maria Luísa Castelo Branco, 140110056

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