segunda-feira, 6 de maio de 2013

Caso prático 4

 O indeferimento da Câmara Municipal ao requerimento (de obtenção de licenciamento para instalação de uma fábrica de produtos tóxicos, destinados à produção de tintas) é - enquanto acto administrativo - de seguida analisado, no que toca à reclamação de António, o requerente.

a) Quanto à incompetência do Presidente da Câmara para despachar o assunto, tem razão António, na medida em que é à Câmara Municipal, nos termos do artigo 64º/5, al. a) da LAL que compete "conceder licenças nos casos e nos termos estabelecidos por lei, designadamente para construção (...), assim como para estabelecimentos (...) tóxicos". Trata-se, portanto, de um vício de competência, que no entendimento tradicional (ilógico e insuficiente, segundo Gonçalves Pereira e Vasco Pereira da Silva), corresponde a um vício de incompetência relativa. Não correspondendo a nenhum tipo previsto pelo art. 133º CPA, a sanção deste vício corresponde a uma anulabilidade, pelo art. 135º, podendo pelo 137º/3 ser ratificado pela Câmara Municipal, se para tal não houver impedimento.

b) O procedimento administrativo é composto por quatro fases : iniciativa, instrução, audiência e decisão. A audiência dos interessados, prevista pelo artigo 100º e seguintes do CPA, numa lógica racional e de dimensão essencial do Estado de Direito, garante aos interessados na decisão do acto administrativo em causa o direito a serem ouvidos no procedimento, antes de ser tomada a decisão final. Não estando num caso de inexistência e dispensa da audiência dos interessados (art. 103º CPA), a falta da mesma constitui um vício de procedimento, que corresponde a um vício tradicional de forma, enquanto vício no modo de produção do acto administrativo. Nos termos do número 1 do artigo 133º do CPA, faltando ao procedimento um elemento essencial, o acto é nulo.

c) Relativamente à existência de erro manifesto na decisão, cabe em primeiro lugar realçar que o Prof. VPS, ao contrário do Prof. Freitas do Amaral, não distingue a ilegalidade da ilicitude e dos vícios da vontade. Está tudo dentro de uma noção ampla de ilegalidade (= contrariedade à lei). Em segundo lugar, a análise acerca do "erro" na decisão feito pela Administração toca ao órgão competente e ao Tribunal, se for caso disso, mas nunca ao particular. O particular pode recorrer da decisão, não se conformando por considerar ter havido uma ilegalidade, mas não pode censurar a análise político-económico-social que é feita em qualquer acto administrativo, pertencendo esta a uma margem de discricionariedade existente na decisão de qualquer acto administrativo (em bom rigor, existente em qualquer forma de actuação administrativa). Não nos dando a hipótese informações suficientes, remeto esta questão para a análise do dever de fundamentação, artigo 124º CPA, com uma ressalva: o artigo 125º/2 esclarece que fundamentos obscuros, contraditórios ou insuficientes equivalem à falta de fundamentação, que se exige expressa e sucinta (125º/1). Parece-me que se trata aqui de uma fundamentação insuficiente, confusa e até contraditória, podendo nesse sentido, ser alegada a nulidade do acto, nos termos do artigo 133º/1 CPA.

d) Argumenta António que o Despacho está eivado de i) desvio de poder, ii) vício de forma e iii) violação de lei.
   i) o desvio de poder, ilegalidade material na perspectiva tradicional, traduz um desrespeito pelo fim legal, ou uma interferência no mesmo (prosseguir um fim público diferente ou prosseguir um fim privado, e.g. caso da enfermeira Maria da Conceição na maternidade Alfredo da Costa). Não me parece haver fundamento para tal.
   ii) o vício de forma, como vício externo, traduz-se na falta de adopção da forma legalmente exigida. Ora, o artigo 122º CPA, número 1, exige forma escrita, se outra não for a prevista. Também não há qualquer ilegalidade por aqui.
   iii) a violação de lei, correspondendo a outra ilegalidade material segundo o quadro tradicional, diz respeito a uma violação das regras de conteúdo do acto. Aqui, poder-se-ia falar na violação do princípio da legalidade (art. 3º CPA), da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos (4º), da justiça (6º), da boa fé (6º-A) e até da colaboração com os particulares (7º). O acto seria nulo pelo 133º/2, al. d) CPA.

e) O deferimento tácito vem regulado no artigo 108º CPA, de modo a garantir o consagrado no artigo 10º CPA : desburocratização e eficiência da Administração Pública. Não fixando a lei prazo especial, corresponde a 90 dias o prazo para o deferimento tácito, a contar da formulação do pedido. A situação de licenciamente de obras particulares vem prevista na alínea a) do número 3 deste artigo 108º. Assim, tendo o Presidente da Câmara emanado o despacho 6 meses (180 dias) após a entrada do pedido, haveria já um deferimento tácito, e - consequentemente - haveria já uma licença concedida.

f) A violação do princípio da imparcialidade e da igualdade, previstos nos artigos 13º e 266º/2 da Constituição, e nos artigos 5º e 6º do CPA, corresponde à violação de um direito fundamental, sendo que um acto viole tais princípios é nulo pelo artigo 133º/2, al. d) CPA. Acontece que não há na hipótese dados suficientes que nos permitam concluir num ou noutro sentido. Não me parece que tenha havido violação da igualdade, nem da imparcialidade, visto que o principal argumento invocado para o indeferimento (não obstante, como já referi, a fundamentação ser obscura) foi o da não criação de postos de trabalho. Ora, tratando-se uma decisão político-económico-social correcta ou não, o facto é que a mesma não é violadora dos princípios da igualdade e da imparcialidade, ainda que padeça de vários outros vícios, nomeadamente de competência, de procedimento e de conteúdo.

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