quarta-feira, 1 de maio de 2013

Hipótese Nº3

Na presente hipótese prática, podemos distinguir as seguintes actuações administrativas: 
1. O despacho do Presidente da Câmara ordenando aos serviços municipais que procedam à demolição preventiva e provisória do troço do aqueduto e transportem todas as pedras resultantes dessa operação para um local situado no sopé da colina onde se encontra instalado o aterro municipal para depósito de lixos industriais; 
2. A deliberação da acerca da ratificação do despacho presidencial e a respectiva ratificação;
3. A deliberação da CM acerca da revogação da anterior deliberação camarária de ratificação do despacho do Presidente e a respectiva revogação;
4. A impugnação do Presidente da Câmara da deliberação camarária acerca da revogação da anterior deliberação camarária de ratificação do despacho do Presidente junto do Tribunal Administrativo competente.

Em relação ao despacho presidencial, importa dizer quanto à competência do Presidente que, à partida, este não dispõe de competência para ordenar a demolição de construções que ameacem ruína ou constituam perigo para a saúde ou segurança das pessoas, uma vez que esta competência pertence à CM, nos termos do art.º 64/5 alínea c) da LAL (Lei nº 169/99 de 18 de Setembro). Contudo, não sendo possível à CM deliberar, uma vez que é necessário estar presente a maioria do número legal dos seus membros, nos termos do art.º 89/1 da LAL relativo ao quórum e sendo essa impossibilidade agravada pelo facto de um vereador estar hospitalizado e dois vereadores estarem no Brasil, não podendo ser convocada uma reunião extraordinária e ainda dado o perigo iminente de ruína que determina a urgência de uma actuação, o Presidente pode assumir essa competência ao abrigo do art.º 68/3 da LAL que estatui que “sempre que o exijam circunstâncias excepcionais e urgentes e não seja possível reunir extraordinariamente a câmara, o presidente pode praticar quaisquer actos da competência desta, mas tais actos ficam sujeitos a ratificação, na primeira reunião realizada após a sua prática, sob pena de anulabilidade”. 
Contudo, não podem deixar de se levantar questões materiais relativamente ao despacho do Presidente, uma vez que parece estar em causa uma violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que haveria medidas menos gravosas do interesse público, que implica a preservação de monumentos históricos, para impedir a ruína do aqueduto, como por exemplo, assegurar a sua manutenção. Deste modo, pode falar-se também numa violação do direito conferido no art.º 66/2 alínea c) da CRP que impõe ao Estado o dever de preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico e, se há um dever, há como correlato um direito subjectivo. Assim sendo, o despacho seria nulo por força do art.º 133/2 alínea d) do CPA. No entanto, ainda que não se considere que há a violação de um direito subjectivo, o acto seria anulável nos termos do art.º 135º do CPA porque há uma invalidade material, nomeadamente a violação do princípio da proporcionalidade. 
No que respeita à deliberação da CM sobre a ratificação do despacho presidencial, a CM exerceu uma competência sua, por força do que decorre do art.º 68/3 da LAL. Contudo, se entendermos conforme já enunciado que o despacho é nulo por violação do art.º 66/2 alínea c), por força do art.º 133/2 alínea d), não pode haver lugar à ratificação, tal como estatui o art.º 137/1 CPA. No entanto, se entendermos que o acto é apenas anulável por violação do princípio da proporcionalidade, o art.º 137/1 CPA não se aplica. No que toca ao quórum que corresponde à maioria legal do número de membros (art.º 89/1 LAL) este está preenchido, já que se encontra presentes três membros (o Presidente e dois vereadores) e a CM é composta por cinco membros. A deliberação foi tomada com os votos do Presidente e de um vereador, e com o voto contrário de outro vereador. Deste modo, está preenchida a maioria absoluta exigida no art.º 25º CPA. 
Quanto à segunda deliberação sobre a revogação da ratificação, importa referir que a revogação é um acto secundário (incide sobre um acto anterior – neste caso a ratificação do despacho presidencial) que tem como efeito afastar os efeitos do acto anterior. Nos termos do art.º 138º, a iniciativa é dos órgãos competentes ou dos particulares interessados.
O fundamento da revogação pode ser a conveniência/mérito (há uma forma melhor de realizar os interesses administrativos) ou a ilegalidade. O fundamento apresentado pela CM de não ter sido previamente ouvido pelo Presidente o parecer obrigatório da Direcção-Geral do Património constitui um fundamento de ilegalidade, tal como a falta de fundamentação do acto revogado (que viola o art.º 124º do CPA que estatui o dever de fundamentação). Já o fundamento de as pedras resultantes da demolição haverem sido armazenadas num local pouco conveniente dada a proximidade de um aterro de lixos industriais relativamente ao qual não existe a certeza de que se irá manter estanque, é um fundamento com base na conveniência/mérito. Esta distinção é relevante quanto aos efeitos, porque se é revogação por mérito só produz efeitos para o futuro (= revogação ab-rogatória (escola de Lisboa); revogação (escola de Coimbra)) – 145/1 CPA – mas, se é revogação por ilegalidade é retroactiva (= revogação anulatória (escola de Lisboa); anulação administrativa (escola de Coimbra)) – 145/2 CPA. A revogação tem limites por estar em causa a ponderação de valores contraditórios, nomeadamente a legalidade/conveniência e a protecção da confiança dos particulares. Assim, nos termos do art.º 140º que regula a revogabilidade dos actos válidos, estes são livremente revogáveis, com as excepções aí presentes, nomeadamente quando forem constitutivos de direitos ou interesses legalmente protegidos. Não se verificando nenhuma das hipóteses do art.º 140/2 não é possível revogar a ratificação se entendermos que esta é constitutiva de direitos. Assim o será se adoptarmos a noção ampla de acto constitutivo de direitos que seá qualquer acto que atribua uma posição substantiva de vantagem, não sendo necessário que crie um efeito novo, ao contrário do que defende Robin de Andrade. 
Ainda assim, mesmo que se entenda que não é possível revogar a ratificação por ser constitutiva de direitos, a ponderação não deve ser tão rígida como o legislador estabeleceu nos arts.º 140º e 141º, porque os valores constitucionais devem prevalecer sobre esta rigidez, ou seja, a Administração pode pôr em causa o princípio da estabilidade em situações especiais como, por exemplo, o ambiente ou o ordenamento do território, mas isso não exclui o dever de indemnização em caso de ponderação diferente, como consequência do princípio do Estado de Direito. 
A competência revogatória pertence nos termos do art.º 142º aos autores, superiores hierárquicos, órgão delegante ou subdelegante e órgãos tutelares. A CM inclui-se na categoria dos autores que abrange tanto quem de facto praticou o acto (quer seja ou não competente – teoria da efectividade defendida pelo Professor Freitas do Amaral) como o órgão competente. Este regime aplica-se aos actos de ratificação, reforma e conversão por força do art.º 137º do CPA.
O quórum de deliberação está preenchido nos termos do art.º 89/1, porque estão presentes todos os membros, bem como a maioria absoluta prescrita pelo art.º 25º do CPA, uma vez que há três votos a favor e dois contra. Contudo, há uma violação do art.º 19º do CPA. Neste artigo, a lei estabelece uma proibição absoluta de tratar de assuntos não incluídos na ordem de trabalhos quando se trate de reunião extraordinária; quando se trate de reunião ordinária, essa proibição pode ser ultrapassada por voto favorável de um mínimo de 2/3 dos membros do órgão. Mesmo sendo uma reunião ordinária, não se pode dizer que esta proibição foi ultrapassada, dado que não foi tomada qualquer diligência prévia e, por isso, o acto é anulável nos termos do art.º 135º.
Por último, quanto à actuação do Presidente da Câmara que impugna a deliberação camarária acerca da revogação da ratificação do despacho presidencial junto do Tribunal Administrativo competente, o Presidente tem competência para tal nos termos do art.º 136º do CPA.

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