«Falar em “caso julgado”dos actos administrativos ou pretender construir um “caso decidido”, à imagem e semelhança daquele, parece ser mais uma demonstração da infância difícil do Direito Administrativo, (…) em que se equiparavam actos a sentenças e se“confundiam” as funções estaduais.»(1)
Imaginemos um Capitão. Tem uma
farda azul com botões dourados e dá as suas ordens erguendo a sua voz sobre
todos aqueles que estão abaixo de si. Assim viveu a sua vida, no alto mar,
dando ordens, e fazendo cumprir as mesmas. Contudo no leito da sua morte
profere as seguintes palavras: “Eu nunca fui Capitão, era sem abrigo, estava
com frio e vesti um casaco que encontrei. Subi a bordo e convenci todos de que
era algo que não era.” e assim parte deste mundo. E agora? E todos os actos administrativos
que em vida efetuou. Nenhum produziu efeitos jurídicos? então e os terceiros de
boa fé? Saem de tudo isto prejudicados sem nada terem feito? A resposta é não.
A Ordem Jurídica vai salvaguardar estes efeitos.
No entanto esta resposta negativa
originou inúmeras teorias para explicar o fenómeno da intocabilidade de um acto
que é de facto inválido. A que salta mais à vista talvez por ser tão curiosa é
a do Professor Marcello Caetano. Este, no quadro de uma lógica positivista de
equiparação do acto administrativo à sentença, diz que os estes têm um efeito
de caso decidido. Ou seja, tenta aproximar a Administração da Justiça. Na
prática isto significaria que qualquer acto inválido, uma vez decorridos os prazos
para que houvesse recurso contencioso, se tornaria válido.
Esta posição não é aceite por
todos visto que esta situação não só é injustificada como hoje não corresponde
à validade do direito português. Significaria que se teria de dar um “milagre
das rosas” por assim dizer. Professores como Vasco Pereira da Silva mantêm que
não existem razões para falar em “efeito de caso decidido”. No entanto, não se
pode também dizer que não há efeito de estabilidade nas actuações
administrativas. Os particulares têm de poder contar com a validade destas. O
raciocínio do professor Marcello Caetano tentava justificar este fenómeno. O
caso julgado remete para a segurança jurídica. Isto significa que a questão
nunca mais pode ser levada a juízo. Ninguém pode portanto dizer que a sentença
torna a acção justa ou injusta. É por questões de estabilidade que não se pode
discutir a questão ad eternum.
Todavia no Direito Administrativo
o passar de um ano torna o acto intocável mas não o torna válido. De facto o artigo
38º do CPTA tem consequências de matéria substantiva, ou seja, afasta-se a
teoria do caso substantivo. O efeito estabilidade é um simples efeito de
natureza processual. Uma coisa é a existência de um momento dentro do qual a
anulação pode ser invocada. Outra coisa é considerar que o simples decurso do
tempo convalida um acto quando na verdade isto é impossível. Com o passar do
tempo o acto continua a ser inválido mas intocável.
Concluindo, no caso do nosso
querido capitão, as suas acções em vida nunca poderiam ser impugnadas. Istp por
uma questão de salvaguarda de interesses de terceiros. No entanto, ao contrário
do caso julgado, que não é nem deixa de ser justo depois da sentença declarada,
um acto administrativo inválido nunca deixa de o ser.
(1)
PREREIRA DA SILVA, Vasco in “O Contencioso Administrativo no divã da
Psicanálise”.
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