domingo, 5 de maio de 2013

Resolução da hipótese prática 4


Tomando em consideração o despacho do Presidente da Câmara, que é um acto administrativo nos termos do artigo 120º CPA, vamos analisar um a um os argumentos utilizados por António para defender a sua invalidade.
Invalidade consiste, seguindo a visão ampla de Vasco Pereira da Silva, no mesmo que ilegalidade, ou seja, contrariedade à lei, violação do princípio da legalidade.
Freitas do Amaral discorda defendendo que no conceito de invalidade cabe a ilicitude (desrespeito por um direito subjectivo; podem ser convalidados), os vícios da vontade (vontade da Administração não se formou de um modo adequado) e a ilegalidade em sentido estrito (não podem ser convalidados).
Outros autores, como o professor Rui Manchete, defendem que a invalidade é grave que a ilegalidade e, por isso, a primeira corresponde a actos nulos e a segunda a actos anuláveis.
Aqui vamos adoptar a visão de Vasco Pereira da Silva.

Argumentos de António
1º - O PC é incompetente para despachar este assunto
Estamos perante uma possível violação de uma regra de competência. Usando a terminologia clássica, estaríamos a ser confrontados com um vício de incompetência relativa, ou seja, o órgão pratica um acto da competência de outro.
Será que procede este argumento?
A realidade é que nos termos do artigo 64º nº5 alínea a) da LAL, a competência para atribuir licenças de construção de estabelecimentos tóxicos é da CM e não do PC. No entanto, nada obsta a que a CM tenha delegado no PC esta competência, na medida em que tal não é proibido pelo nº1 do artigo 65º da LAL.
Portanto, se tiver havido delegação e esta delegação tiver seguido as regras dos artigos 35º e seguintes CPA e do artigo 65º LAL, o despacho do presidente é válido e o argumento de António não tem qualquer valor.
Se não tiver havido delegação, o acto é inválido.
Então qual será a sanção adoptada neste caso? Será o acto nulo ou anulável? O artigo 133º CPA é uma cláusula aberta e contém uma enumeração não taxativa e muito ampla dos actos nulos. Isto significa que, para saber se este acto é abrangido por este artigo, temos que fazer um juízo de gravidade. Dado que o que está em causa é que um órgão pratica a competência de outro órgão da mesma pessoa colectiva, seguindo as mesmas atribuições, e sendo que é comum haver delegação desta competência no PC, parece razoável considerar que o acto é anulável porque não é abrangido pelo artigo 133º.
Assim sendo o acto produz efeitos até ser anulado por uma revogação anulatória ou por uma decisão judicial, tendo qualquer uma delas eficácia retroactiva. O regime dos actos anuláveis está disposto nos artigos 135º e seguintes CPA. Isto significa que, nos termos do artigo 141º nº1, a anulação está sujeita a um prazo que vai de 3 meses a 1 ano. Para além disso, segundo o artigo 137º nº3, a CM pode ratificar o acto do PC. Esta ratificação também tem efeitos retroactivos (artigo 137º nº4).

2º - A decisão não foi precedida da audiência prévia
A audiência dos interessados, para além de corresponder a uma etapa do procedimento administrativo, é também um direito dos particulares. Deste modo estamos perante uma suposta violação de uma regra procedimental.
Na visão clássica este é um vício de forma.
Posto isto, é de dizer que a audiência dos interessados é regulada pelos artigos 100º e seguintes. É também de referir que só existe este vício se a situação não corresponder a uma das excepções do artigo 103º, todavia não temos informação suficiente na hipótese que nos permita resolver esta problema.
Assumindo que a questão não é abrangida pelo artigo referido, estamos então perante um acto inválido. Qual será a sanção?
Neste caso o acto seria nulo, nos termos do artigo 133º CPA, na medida em que lhe falta um elemento essencial e porque corresponde à violação de um direito fundamental (artigo 133º nº alínea d)).
Sendo nulo, o acto não tem apetência para produzir efeitos jurídicos e a nulidade pode ser declarada a qualquer altura por qualquer órgão administrativo ou tribunal administrativo, que é o único com competência para declarar a nulidade (artigo 134º nº 1 e 2). António tem igualmente direito de resistência ao despacho nos termos do artigo 21º CRP.

3º - Existe “erro manifesto” na decisão
? Referência à doutrina de Diogo Freitas do Amaral sobre os vícios da vontade. Neste caso estaria em causa o erro, o que significa que a Administração, ou seja, o PC, formulou a sua vontade com base em factos errados.
Quando há um erro, ou qualquer outro vício da vontade, a Administração não forma a sua vontade de uma maneira esclarecida e livre, o que fundamenta, na opinião de Freitas do Amaral, a invalidade mas não a ilegalidade. Este autor considera que não se violou a lei, que não há uma ofensa à lei, mas falta um requisito para que o acto seja válido.
Quanto ao caso de António teria que se provar que os factos que serviram de base ao PC estavam errados para que este pudesse alegar a invalidade do acto e impugná-lo com este fundamento.
Freitas do Amaral considera que um acto administrativo que sofre do vício de erro é um acto anulável, portanto regue o regime dos artigos 135º e seguintes CPA.
4º - O despacho está eivado de desvio de poder, de vício de forma e de violação de lei e 6º - Viola o princípio da imparcialidade e da igualdade
Começando pelo vício de forma, tradicionalmente este abrangia tanto o procedimento como a forma propriamente dita, o que o Professor Vasco Pereira da Silva considera ilógico.
Dito isto, há efectivamente um problema de forma na medida em que os actos que conferem direitos aos particulares têm que ser alvarás do PC e não despachos pelo mesmo emitidos (artigo 94º LAL).
O desvio de poder e a violação de lei corresponder ao desrespeito de regras materiais, sendo que o primeiro é típico do exercício do poder discricionário, ao contrário do segundo que tanto acontece no âmbito da discricionariedade como no da vinculação. A referida violação dos princípios da igualdade e da imparcialidade, dispostos nos artigos 5º e 6º CPA, respectivamente, podem inserir-se nesta violação de regras materiais e fundamentar a invalidade do acto. A hipótese não dá informação suficiente para ver se houve ou não a tal desrespeito por estes princípios.

5º - Já se tinha formado “acto tácito” de deferimento
O problema colocado é um problema de procedimento.
O artigo 108º CPA prevê a hipótese de deferimento tácito quando a decisão não é estabelecida no prazo definido por lei (108º nº1). Neste caso, dado que não há nenhum prazo definido em lei especial, tem-se em conta o prazo geral de 90 dias do nº2 do artigo 108º. A construção da obra insere-se na alínea a) do nº 3 do artigo 108º por isso a licença é passível de deferimento tácito.
Como o PC só emitiu o despacho 6 meses depois da entrada do pedido, António podia contar com o deferimento tácito.
O Professor Vasco Pereira da Silva discorda desta norma.

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