Tomando em consideração o despacho do
Presidente da Câmara, que é um acto administrativo nos termos do artigo 120º
CPA, vamos analisar um a um os argumentos utilizados por António para defender
a sua invalidade.
Invalidade consiste, seguindo a visão
ampla de Vasco Pereira da Silva, no mesmo que ilegalidade, ou seja,
contrariedade à lei, violação do princípio da legalidade.
Freitas do Amaral discorda defendendo que
no conceito de invalidade cabe a ilicitude (desrespeito por um direito
subjectivo; podem ser convalidados), os vícios da vontade (vontade da
Administração não se formou de um modo adequado) e a ilegalidade em sentido
estrito (não podem ser convalidados).
Outros autores, como o professor Rui
Manchete, defendem que a invalidade é grave que a ilegalidade e, por isso, a
primeira corresponde a actos nulos e a segunda a actos anuláveis.
Aqui vamos adoptar a visão de Vasco
Pereira da Silva.
Argumentos de António
1º - O
PC é incompetente para despachar este assunto
Estamos perante uma possível violação de uma
regra de competência. Usando a terminologia clássica, estaríamos a ser
confrontados com um vício de incompetência relativa, ou seja, o órgão pratica
um acto da competência de outro.
Será que procede este argumento?
A realidade é que nos termos do artigo 64º
nº5 alínea a) da LAL, a competência para atribuir licenças de construção de
estabelecimentos tóxicos é da CM e não do PC. No entanto, nada obsta a que a CM
tenha delegado no PC esta competência, na medida em que tal não é proibido pelo
nº1 do artigo 65º da LAL.
Portanto, se tiver havido delegação e esta
delegação tiver seguido as regras dos artigos 35º e seguintes CPA e do artigo
65º LAL, o despacho do presidente é válido e o argumento de António não tem
qualquer valor.
Se não tiver havido delegação, o acto é
inválido.
Então qual será a sanção adoptada neste
caso? Será o acto nulo ou anulável? O artigo 133º CPA é uma cláusula aberta e
contém uma enumeração não taxativa e muito ampla dos actos nulos. Isto
significa que, para saber se este acto é abrangido por este artigo, temos que
fazer um juízo de gravidade. Dado que o que está em causa é que um órgão
pratica a competência de outro órgão da mesma pessoa colectiva, seguindo as
mesmas atribuições, e sendo que é comum haver delegação desta competência no PC,
parece razoável considerar que o acto é anulável porque não é abrangido pelo
artigo 133º.
Assim sendo o acto produz efeitos até ser
anulado por uma revogação anulatória ou por uma decisão judicial, tendo
qualquer uma delas eficácia retroactiva. O regime dos actos anuláveis está
disposto nos artigos 135º e seguintes CPA. Isto significa que, nos termos do
artigo 141º nº1, a anulação está sujeita a um prazo que vai de 3 meses a 1 ano.
Para além disso, segundo o artigo 137º nº3, a CM pode ratificar o acto do PC.
Esta ratificação também tem efeitos retroactivos (artigo 137º nº4).
2º - A
decisão não foi precedida da audiência prévia
A audiência dos interessados, para além de
corresponder a uma etapa do procedimento administrativo, é também um direito
dos particulares. Deste modo estamos perante uma suposta violação de uma regra
procedimental.
Na visão clássica este é um vício de forma.
Posto isto, é de dizer que a audiência dos
interessados é regulada pelos artigos 100º e seguintes. É também de referir que
só existe este vício se a situação não corresponder a uma das excepções do
artigo 103º, todavia não temos informação suficiente na hipótese que nos
permita resolver esta problema.
Assumindo que a questão não é abrangida
pelo artigo referido, estamos então perante um acto inválido. Qual será a sanção?
Neste caso o acto seria nulo, nos termos
do artigo 133º CPA, na medida em que lhe falta um elemento essencial e porque
corresponde à violação de um direito fundamental (artigo 133º nº alínea d)).
Sendo nulo, o acto não tem apetência para
produzir efeitos jurídicos e a nulidade pode ser declarada a qualquer altura por
qualquer órgão administrativo ou tribunal administrativo, que é o único com
competência para declarar a nulidade (artigo 134º nº 1 e 2). António tem
igualmente direito de resistência ao despacho nos termos do artigo 21º CRP.
3º - Existe
“erro manifesto” na decisão
? Referência à doutrina de Diogo Freitas do
Amaral sobre os vícios da vontade. Neste caso estaria em causa o erro, o que
significa que a Administração, ou seja, o PC, formulou a sua vontade com base
em factos errados.
Quando há um erro, ou qualquer outro vício
da vontade, a Administração não forma a sua vontade de uma maneira esclarecida
e livre, o que fundamenta, na opinião de Freitas do Amaral, a invalidade mas não
a ilegalidade. Este autor considera que não se violou a lei, que não há uma
ofensa à lei, mas falta um requisito para que o acto seja válido.
Quanto ao caso de António teria que se
provar que os factos que serviram de base ao PC estavam errados para que este
pudesse alegar a invalidade do acto e impugná-lo com este fundamento.
Freitas do Amaral considera que um acto
administrativo que sofre do vício de erro é um acto anulável, portanto regue o
regime dos artigos 135º e seguintes CPA.
4º - O
despacho está eivado de desvio de poder, de vício de forma e de violação de lei
e 6º - Viola o princípio da
imparcialidade e da igualdade
Começando pelo vício de forma,
tradicionalmente este abrangia tanto o procedimento como a forma propriamente
dita, o que o Professor Vasco Pereira da Silva considera ilógico.
Dito isto, há efectivamente um problema de
forma na medida em que os actos que conferem direitos aos particulares têm que
ser alvarás do PC e não despachos pelo mesmo emitidos (artigo 94º LAL).
O desvio de poder e a violação de lei
corresponder ao desrespeito de regras materiais, sendo que o primeiro é típico
do exercício do poder discricionário, ao contrário do segundo que tanto
acontece no âmbito da discricionariedade como no da vinculação. A referida
violação dos princípios da igualdade e da imparcialidade, dispostos nos artigos
5º e 6º CPA, respectivamente, podem inserir-se nesta violação de regras materiais
e fundamentar a invalidade do acto. A hipótese não dá informação suficiente
para ver se houve ou não a tal desrespeito por estes princípios.
5º - Já
se tinha formado “acto tácito” de deferimento
O problema colocado é um problema de
procedimento.
O artigo 108º CPA prevê a hipótese de
deferimento tácito quando a decisão não é estabelecida no prazo definido por
lei (108º nº1). Neste caso, dado que não há nenhum prazo definido em lei
especial, tem-se em conta o prazo geral de 90 dias do nº2 do artigo 108º. A construção
da obra insere-se na alínea a) do nº 3 do artigo 108º por isso a licença é passível
de deferimento tácito.
Como o PC só emitiu o despacho 6 meses depois
da entrada do pedido, António podia contar com o deferimento tácito.
O Professor Vasco Pereira da Silva
discorda desta norma.
Sem comentários:
Enviar um comentário