O Direito Administrativo nasce marcado pela autoridade, por
uma Administração agressiva que não reconhece aos particulares quaisquer
direitos de se proteger. Otto Mayer é um dos autores que se refere à
Administração desta forma, enquanto entidade superior que vê o particular como
um súbdito e um objecto do poder.
Mas com o evoluir dos tempos esta visão traumática do
direito administrativo foi sendo, aos poucos, afastada, sendo impensável não reconhecer
direitos aos particulares no Estado Liberal, apesar de, na prática, este
continuar a ser um objecto nas mãos da Administração. Hoje, porém, não é posta
em questão a existência de direitos subjetivos dos particulares. A questão hoje
é relativa às divergências doutrinais que surgem face a uma visão tripartida
dos direitos dos particulares, na qual se distinguem dos direitos subjetivos
os interesses legítimos (ou interesses legalmente protegidos) e os interesses
difusos, e uma visão unitária em que só existem direitos subjetivos e a todos
se aplica o mesmo regime.
Com Guido Zanobini surge a distinção entre direito subjectivo
e interesse legítimo porque se verificava que em certas situações o sujeito era
diretamente protegido pelo Estado, numa situação de vantagem, e noutros a norma
regulava o procedimento da administração do qual resultava, indiretamente, um
comportamento face ao particular e a sua proteção (situações jurídicas
substantivas – particular deixa de ser um objecto do poder para passar a ser
titular do direito). O direito subjectivo trata-se de um interesse direta e
imediatamente protegido, ou seja, é o próprio objecto do direito em questão,
dando ao seu titular a possibilidade de obter a sua tutela jurisdicional plena.
São os direitos criados por atos jurídicos do direito público, incluindo
direitos fundamentais, e direitos constituídos por atos jurídicos de direito
privado. Por outro lado, o interesse legalmente protegido merece proteção imediata da ordem jurídica mas subalternamente ao direito subjectivo, isto é,
existe pela atribuição de certos poderes e faculdades como de reagir contra
condutas contrárias ao interesse responsabilizar civilmente quem o tiver
violado mas não havendo proteção direta desse interesse também não há a
possibilidade da sua realização jurisdicional plena. Deste modo, aos dois tipos
de direito deveriam ser aplicadas diferentes jurisdições: juiz comum julgava violações
dos direitos subjetivos; juízes administrativos julgavam os interesses
legítimos.
Com o surgimento do estado pós-social surgiram novas
perspectivas relativas ao direito, nomeadamente sobre direitos respeitantes a
todas as pessoas em geral, da colectividade no seu todo como os relativos ao
ambiente, consumo, saúde pública – interesses difusos. A falha neste pensamento
é que mesmo sendo alvo de interesse comum, estes são direitos que podem ser
exercidos individualmente e bens que podem ser aproveitados individualmente
reconduzindo a direitos subjetivos. Até porque há que distinguir um direito
geral objectivo que existe além de mim dos meus direitos particulares enquanto
indivíduo.
Anteriormente quem ia a tribunal ia defender a legalidade de
certa atuação face ao interesse público, agora quem vai a tribunal quer
proteger um interesse direto, pessoal e legítimo, quer proteger o seu próprio
direito contra a atuação da Administração – ao dever de um corresponde o
direito do outro. O direito do particular é, então, um direito de ver reposta a
legalidade, de reagir perante a violação do seu direito e as lesões que sejam
causadas na sua esfera jurídica. É por isto que não deve ser considerada
qualquer distinção, o particular tem direitos e tem direito de os ver
respeitados pela administração e de reagir (teoria do direito reativo) se isso
não se verificar. Segundo Buhler há três condições para haver um direito
subjectivo: existência de uma norma jurídica que estabeleça um dever de atuar
da Administração; essa norma exista para proteger os particulares; poder do
particular para reagir processualmente para defender o seu direito. Mas esta
visão corresponde a um contexto de Administração mais agressiva, distinta da que
temos hoje que conjuga essa atuação de polícia com uma atuação prestacional e
infra-estrutural. Mas isto para dizer que as normas têm sempre uma parte
vinculada e uma parte discricionária, há direitos a proteger, tendo de se
aplicar essa atuação à realidade em questão. A possibilidade que é dada ao
particular de reagir pressupõe sempre um direito. Quer se trate de direitos
subjetivos que são diretamente prejudicados por certo ato, numa relação bilateral
particular vs. Administração, quer aqueles que sejam afetados por consequências
multilaterais dessa atuação administrativa que devem também ter a
possibilidade de se defender. Gera-se, assim, um conjunto de relações jurídicas
que ligam diversos particulares à atividade administrativa, dizendo alguns
autores que uns adquirem direitos subjetivos, outros adquirem interesses
legítimos e outros, ainda, interesses difusos. Na minha opinião isto não é
verdade. Se estamos perante um sistema que defende a igualdade e equidade não
tem sentido considerar que no caso de uns temos direitos subjetivos enquanto
no caso de outros temos meros interesses legítimos face a uma certa situação.
Sendo assim, todos devem ser considerados direitos subjetivos.
Um conceito amplo de direito subjectivo, engloba não só os
interesses legalmente protegidos mas também os interesses difusos (necessidades
colectivas colectivamente sentidas quer seja no domínio do ambiente ou do
ordenamento do território). A única distinção que é feita dentro desta é da
intensidade da tutela das posições dos particulares titulares dos direitos que
variam. A distinção que é feita na Constituição da República Portuguesa no
artigo 266º/1 entre “direitos subjetivos” e “interesses legalmente protegidos”
é meramente teórica uma vez que o regime aplicado a ambas se equipara, ou, na
opinião de autores como Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, não há
sequer qualquer diferença nesse regime. Hoje verificamos um sistema unificado
relativo às relações substantivas.
Concluindo, podemos verificar que o trauma do Direito
Administrativo por falta de tutela dos direitos dos particulares foi superado.
Hoje, o Direito Administrativo regula as relações jurídicas entre sujeitos em posições
equiparadas de igualdade, de afirmação dos sujeitos face à Administração. Isto porque
se acredita que o interesse público só pode ser protegido e alcançado perante o
respeito dos interesses de cada particular.
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