sábado, 30 de março de 2013

Ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus


    Em pleno século XXI é impensável olhar para a Administração como se de um Leviatã todo-poderoso se tratasse que, sem limites age ou noutro sentido como uma “Administração Agressiva” e liberal(somente interventiva para afectar a posição jurídica dos administrados em tempos concebidos como objecto ou súbditos da Administração) na qual o Direito Administrativo é estudado tendo como base, só, o acto administrativo e a relacão jurídica administrativa(caso seja aceite a figura) entre Adiministração e particulares só é susceptível de ser concebida como uma “relação de poder” altamente desequilibrada sendo o particular apenas encarado como “sujeito passivo”(neste sentido em Portugal o Professor Marcello Caetano).
   Prevalece antes um Estado de Direito que vale tanto para as entidades admnistrativas como para os administrados: é legitimação e limite da actuação de ambos.  “Conduz (...) necessariamente ao afastamento das concepções da “relação de poder” já que «o cidadão e o “Estado” estão submetidos ao Direito», e que a Administração não possui nenhum «poder estadual, pré-existente à Constituição, justificador de uma relação de subordinação pré-jurídica,abstracta e geral»(Bauer) – Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Professor Vasco Pereira da Silva. O Estado Social no tocante à agressividade administrativa pré-establecida acrescenta generosidade, aparece a Leistungsverwaltung.
   Por outro lado ao lado do acto administrativo temos contratos, comportamentos fácticos, etc, como outras formas de actuação que não podem ser ignorados pela sua implicação multilateral  e a terceiros(Bauer).  Tudo isto conjugado vem alterar a dogmática tradicional e a doutrina moderna tende a aceitar, de uma maneira ou de outra(Entendimento restrito – Bachof  vs. Entendimento amplo - Henke) a Relação Jurídica em que privados e Administração ocupam uma posição igual(englobando posições activas e passivas), ainda que a segunda seja um poder público.  A situação jurídica dos cidadãos é mais forte e resistente às ingerências administrativas. Tal é visível na Constituição Portuguesa de 1976(arts. 9º, b), 202º, d) e 266º, por exemplo) e no Código de Procedimento Administrativo(art. 2º nº1).
  Confirma-se o ditado inglês -  “there’s no smoke without fire”. Urge abordar os direitos subjectivos públicos  que são, além de conteúdo, condição de existência da relação jurídica administrativa .
Sendo a Dignidade da Pessoa Humana um Princípio essencial do Estado de Direito é inelutável o reconhecimento dos direitos subjectivos públicos e sucessivamente a atribuição aos seus titulares de meios de defesa e garantia – o Procedimento.
Todavia a figura do direito subjectivo público não é a única forma concebível das posições dos cidadãos face à Administração. O Professor Vasco Pereira da Silva aponta, na obra supra referida, para mais cinco:
I.                    Tese negativista - Situação de interesse de facto conjugada com legitimidade processual pois os seus titulares visam um interesse próximo da Administração(Laferrière).
II.                  Concepção subjectivista - “Direito reflexo” - à legalidade que não se distingue do direito objectivo(Professor M.Caetano)
Esta posição é criticável no sentido de que o particular primordialmente irá defender interesses e até mesmo, direitos próprios além do “direito à legalidade” reduzindo-se a uma posição processual. Por outro lado tanto esta como a anterior não têm defesa significativa da doutrina devido à actualidade jurídica não autoritária.
III.                Dualidade de posições jurídicas distintas: (Professor D. Freitas do Amaral)
a)      Os direitos subjectivos resultantes imediatamente da norma jurídica(«direito a satisfação de um interesse próprio»)
b)      Interesses legítimos atribuídos mediata e reflexamente.  (mera «garantia da  legalidade das decisões que versem sobre um interesse próprio)

Esta ramificação é condenável pois o que varia é o conteúdo não a protecção que ou existe ou não existe. Tal revelará uma promiscuidade indesejada – porque é que a doutrina vai distinguir onde o legislador não distingue? Ou melhor, mesmo que o legislador o faça será que tal terá relevância prática no tocante ao regime aplicável?
IV.                Protecção Indirecta - A mesma dualidade do número anterior valendo, antes como distinção das duas figuras , o critério(com resultado positivo ou negativo) de situação de dependência do exercício do poder administrativo (Mario Nigro)
V.                  Teoria dos Direitos Reactivos – coexistência de direitos subjectivos “activos”(ou “clássicos) com direitos subjectivos “reactivos”(ou “novos”) . (Professor Rui Medeiros, García de Enterría)
É criticada pela confusão  entre direitos subjectivos e direitos processuais.

Retomando a posição unitária da situação jurídica dos particulares, defendida pelo nosso Professor, na linha de Buehler, há sempre um direito subjectivo público quando a norma jurídica concede uma posição de vantagem.  O Professor Pereira da Silva pegando nos nºs 3,4 e 5 do artigo 268º da CRP e entende que esta falando de “direitos e interesses legalmente protegidos” equipara  as duas figuras pois só “...um direito subjectivo é um interesse legalmente protegido susceptível de recurso contencioso”.  Não cabe assim proceder a distinções: “Direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos são, pois, no ordenamento jurídico português, duas formas de designar a posição  jurídico-subjectiva dos privados perante a Administração Pública, às quais corresponde sempre o mesmo regime jurídico”.
Não obstante,  o Professor D.Freitas do Amaral propõe uma posição diferente ao distinguir direitos subjectivos e interesses legítimos afirmando que a distinção tem relevância prática sendo que, os seus regimes jurídicos são distintos. Critica a redacção do nº1 do artigo 266º da CRP que refere “interesses legalmente protegidos” e encara-os tão somente como “interesses legítimos”.  A distinção reside no reconhecimento e protecção legal acima explicados: no direito subjectivo a protecção é “imediata e plena”(«o particular tem a faculdade de exigir à Administração um ou mais comportamentos que satisfaçam integralmente o seu interesse privado e, bem assim, o poder de obter a sua completa realização em juízo  em caso de violação ou não cumprimento») , no interesse legítimo “mediata ou de segunda linha” («o interesse protegido  directamente é um interesse público –e não é plena, mas mitigada, o particular não pode exigir à Administração que satisfaça integralmente o seu interesse privado, mas apenas que não o prejudique ilegalmente»).
O mesmo Professor acrescenta ainda à sua posição os “interesses difusos” que não pertencem a pessoas determinadas cabendo «a um grupo muito vasto de pessoas, não sendo desse modo divisíveis por sujeitos determinados». São interesses de um público só que desprovidos de “formalização organizatória” e de definição por lei(52º nº3 a), 60º, 66º e 78º, CRP).
Mesmo assim, o Professor Pereira da Silva entende que não é necessária a distinção feita pelo Professor D.Freitas do Amaral pois as regras da irrectroactividade das normas e as da responsabilidade civil da Administração são aplicáveis tanto aos ditos direitos subjectivos e interesses legítimos.  A distinção assenta no conteúdo  e de resto todas as posições são substantivas, sendo ainda defendida uma analogia com o Direito Civil.
Em suma, após a investigação e comparação de posições  creio que fazer uma diferenciação de posições activas faceà Administração não se afigura a opção mais correcta porque deixará os particulares numa posição desprotegida e confusa. A protecção das suas posições jurídicas administrativas, independemente do nome ou das distinções feitas, deve ser permitida por consagração dos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Igualdade e não faz sentido o catálogo proposto sendo que o produto é so um. 
Se o legislador não distingue as três figuras porque é que o fará certa doutrina?


Bibliografia:  

- Amaral, Diogo Freitas do - «Curso de Direito Administrativo», volume II, 2ªedição, Almedina, 2011 

-Silva, Vasco Pereira da - «Em Busca do Acto Administrativo Perdido» , Almedina, 1995

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