O art.º 5º do Código do Procedimento Administrativo vem
consagrar como princípios gerais da Administração Pública os princípios da
igualdade e da proporcionalidade.
O princípio da igualdade teve três momentos de evolução. Numa
primeira fase, surgiu confundido com a generalidade da lei, ou seja, o respeito
pela igualdade implicava que a lei tratasse todas as pessoas de forma igual.
Esta concepção está associada às Revoluções liberais, promovidas pela burguesia
contra os privilégios do clero e da nobreza e cujo grande objectivo era a
cessação da distinção em função da origem social. Este entendimento dado ao
princípio da igualdade era insuficiente, porque bastaria que a lei fosse
aplicada fielmente, para que a igualdade fosse respeitada e, como a lei seria a
expressão máxima da vontade do povo, nem sequer podia ser contestada, desde que
fosse geral e abstracta. Assim, a lei não deixou de ser discriminatória, porque
era aplicada indistintamente a situações muito diferentes.
Numa segunda fase, houve uma redescoberta da forma aristotélica,
ou seja, a igualdade consistiria em “tratar por igual aquilo que é igual e por
diferente aquilo que é diferente”. A forma aristotélica não resolve, por si só,
o problema, porque é difícil determinar o que é igual e o que é diferente e, se
duas realidades forem diferentes, o que significa em concreto tratá-las
diferentemente? Assim, o princípio da igualdade exige que haja uma comparação
baseada em critérios legítimos. O art.º 13º da Constituição da República
Portuguesa e o art.º 5º do Código do Procedimento administrativo enumeram
critérios nos quais não se pode basear a distinção, já que em determinado tempo
da História foram usados para estabelecer distinções inaceitáveis. Contudo, isto
não significa que não haja situações em que seja necessário diferenciar com
base nesses critérios. Por exemplo, no acesso a uma profissão é necessário
estabelecer uma distinção baseada na instrução, embora esta distinção, à
primeira vista, não seja permitida pelo art.º 13º da CRP e pelo art.º 5º do CPA,
mas há que ter em atenção que este critério existe por causa do
circunstancialismo histórico do voto capacitário e, como tal, não é uma proibição
absoluta, é uma suspeita maior.
A terceira fase de evolução é contemporânea do Estado Social,
onde a igualdade é um instrumento de correcção de desigualdades. Nesta fase, a
igualdade é transformada numa tarefa do Estado e a ideia de abstracção e
generalidade da lei é postergada para dar lugar às discriminações positivas (por
exemplo, o art.º 59º da CRP relativo aos direitos dos trabalhadores diferencia
positivamente os menores, estudantes, imigrantes, mães, …).
A violação do princípio da igualdade pode ocorrer em três
situações: situações iguais tratadas de forma diferente, situações diferentes
tratadas de forma igual e situações diferentes tratadas desproporcionalmente.
Por sua vez, o princípio da proporcionalidade nasce com a Lei do
Talião (“olho por olho, dente por dente”), sendo a primeira vez que se ajustou
a acção à reacção.
Há três testes de aferição do respeito pela proporcionalidade. O
teste da idoneidade que significa que todas as medidas só se justificam se
forem aptas para produzir um determinado resultado em função do interessa
público (avalia a eficácia). O teste da necessidade, segundo o qual a medida que
deve ser adoptada não pode ser excessiva, ou seja deve ser a medida menos
gravosa para os cidadãos (avalia a eficiência). Por último, o teste da
proporcionalidade stricto sensu avalia
o equilíbrio entre o que se sacrifica e o que se visa alcançar. Este princípio
impõe que, na prossecução do interesse público, a limitação de bens ou
interesses privados só possa ter lugar se estiverem verificados os três
pressupostos.
O Orçamento de Estado para o ano 2013 definiu a aplicação de uma
Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) às pensões com valor mensal
a partir de 1350€, com o argumento do combate
às "falsas pensões". Contra a CES emergiu um movimento denominado
“Reformados Indignados”. Considerando este movimento como ilustrativo da falta
de consciência social foram inúmeras as vozes que se levantaram, mas,
pretendendo apenas trazer para a análise dos princípios da igualdade e da
proporcionalidade um caso actual em que a igualdade e a proporcionalidade da
actuação da Administração são postas em causa, abstenho-me de tomar posição,
procurando apenas apresentar os factos e as diferentes posições.
O Tribunal
Constitucional deverá pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade, ou não, da
CES. Os Professores Gomes Canotilho e Casalta Nabais
convergem em dois pareceres autónomos, a favor do movimento dos “Reformados
indignados”, defendendo a inconstitucionalidade da CES.
Por um lado, entendem que,
se o Governo quer penalizar as pensões que não se baseiam nos descontos
efectivos, então deve isolar essas falsas pensões, porque há muitas que foram
legitimamente constituídas através de descontos dos trabalhadores e das suas
entidades patronais e o Governo não fez esta distinção ao aplicar
indistintamente a CES a todas as pensões de valor igual ou superior a 1350€. O
professor Gomes Canotilho entende que se trata de “um imposto de classe” que
discrimina sem qualquer justificação material os pensionistas, e que, nalguns
casos, atinge níveis confiscatórios, porque não avalia em que medida os
pensionistas fizeram descontos suficientes ou não para as pensões. Deste modo,
sustentam que a CES viola o princípio da igualdade, na medida em que atinge indiscriminadamente
situações jurídicas e fácticas muito diferentes.
Entendem igualmente que a
CES viola o princípio da unicidade, porque se trata de um imposto e a
Constituição consagra que o imposto sobre o rendimento pessoal tem de ser
único, mas os pensionistas em causa acabariam por pagar dois impostos pessoais:
o IRS e a CES. Defendem que não é aceitável dizer que se abre uma excepção em
nome da sustentabilidade do Estado social, já que “não é preciso que haja
violação do princípio da unicidade para que a sustentabilidade seja garantida.
Ela pode ser assegurada sem duplicação de imposto”. Assim, entendem que não é uma
medida proporcional, uma vez que o Estado tem outras alternativas de angariação
de receita menos gravosas e, como tal, não seria uma medida necessária.
Este caso actual e mediático demonstra a aplicação
prática destes princípios na actuação da Administração e também a necessidade
de articulá-los com a conjectura económico-social.
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