quinta-feira, 28 de março de 2013

Os princípios da igualdade e da proporcionalidade e a Contribuição Extraordinária de Solidariedade


O art.º 5º do Código do Procedimento Administrativo vem consagrar como princípios gerais da Administração Pública os princípios da igualdade e da proporcionalidade.
O princípio da igualdade teve três momentos de evolução. Numa primeira fase, surgiu confundido com a generalidade da lei, ou seja, o respeito pela igualdade implicava que a lei tratasse todas as pessoas de forma igual. Esta concepção está associada às Revoluções liberais, promovidas pela burguesia contra os privilégios do clero e da nobreza e cujo grande objectivo era a cessação da distinção em função da origem social. Este entendimento dado ao princípio da igualdade era insuficiente, porque bastaria que a lei fosse aplicada fielmente, para que a igualdade fosse respeitada e, como a lei seria a expressão máxima da vontade do povo, nem sequer podia ser contestada, desde que fosse geral e abstracta. Assim, a lei não deixou de ser discriminatória, porque era aplicada indistintamente a situações muito diferentes.
Numa segunda fase, houve uma redescoberta da forma aristotélica, ou seja, a igualdade consistiria em “tratar por igual aquilo que é igual e por diferente aquilo que é diferente”. A forma aristotélica não resolve, por si só, o problema, porque é difícil determinar o que é igual e o que é diferente e, se duas realidades forem diferentes, o que significa em concreto tratá-las diferentemente? Assim, o princípio da igualdade exige que haja uma comparação baseada em critérios legítimos. O art.º 13º da Constituição da República Portuguesa e o art.º 5º do Código do Procedimento administrativo enumeram critérios nos quais não se pode basear a distinção, já que em determinado tempo da História foram usados para estabelecer distinções inaceitáveis. Contudo, isto não significa que não haja situações em que seja necessário diferenciar com base nesses critérios. Por exemplo, no acesso a uma profissão é necessário estabelecer uma distinção baseada na instrução, embora esta distinção, à primeira vista, não seja permitida pelo art.º 13º da CRP e pelo art.º 5º do CPA, mas há que ter em atenção que este critério existe por causa do circunstancialismo histórico do voto capacitário e, como tal, não é uma proibição absoluta, é uma suspeita maior.
A terceira fase de evolução é contemporânea do Estado Social, onde a igualdade é um instrumento de correcção de desigualdades. Nesta fase, a igualdade é transformada numa tarefa do Estado e a ideia de abstracção e generalidade da lei é postergada para dar lugar às discriminações positivas (por exemplo, o art.º 59º da CRP relativo aos direitos dos trabalhadores diferencia positivamente os menores, estudantes, imigrantes, mães, …).
A violação do princípio da igualdade pode ocorrer em três situações: situações iguais tratadas de forma diferente, situações diferentes tratadas de forma igual e situações diferentes tratadas desproporcionalmente.
Por sua vez, o princípio da proporcionalidade nasce com a Lei do Talião (“olho por olho, dente por dente”), sendo a primeira vez que se ajustou a acção à reacção.
Há três testes de aferição do respeito pela proporcionalidade. O teste da idoneidade que significa que todas as medidas só se justificam se forem aptas para produzir um determinado resultado em função do interessa público (avalia a eficácia). O teste da necessidade, segundo o qual a medida que deve ser adoptada não pode ser excessiva, ou seja deve ser a medida menos gravosa para os cidadãos (avalia a eficiência). Por último, o teste da proporcionalidade stricto sensu avalia o equilíbrio entre o que se sacrifica e o que se visa alcançar. Este princípio impõe que, na prossecução do interesse público, a limitação de bens ou interesses privados só possa ter lugar se estiverem verificados os três pressupostos.

O Orçamento de Estado para o ano 2013 definiu a aplicação de uma Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) às pensões com valor mensal a partir de 1350€, com o argumento do combate às "falsas pensões". Contra a CES emergiu um movimento denominado “Reformados Indignados”. Considerando este movimento como ilustrativo da falta de consciência social foram inúmeras as vozes que se levantaram, mas, pretendendo apenas trazer para a análise dos princípios da igualdade e da proporcionalidade um caso actual em que a igualdade e a proporcionalidade da actuação da Administração são postas em causa, abstenho-me de tomar posição, procurando apenas apresentar os factos e as diferentes posições.
O Tribunal Constitucional deverá pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade, ou não, da CES. Os Professores Gomes Canotilho e Casalta Nabais convergem em dois pareceres autónomos, a favor do movimento dos “Reformados indignados”, defendendo a inconstitucionalidade da CES.
Por um lado, entendem que, se o Governo quer penalizar as pensões que não se baseiam nos descontos efectivos, então deve isolar essas falsas pensões, porque há muitas que foram legitimamente constituídas através de descontos dos trabalhadores e das suas entidades patronais e o Governo não fez esta distinção ao aplicar indistintamente a CES a todas as pensões de valor igual ou superior a 1350€. O professor Gomes Canotilho entende que se trata de “um imposto de classe” que discrimina sem qualquer justificação material os pensionistas, e que, nalguns casos, atinge níveis confiscatórios, porque não avalia em que medida os pensionistas fizeram descontos suficientes ou não para as pensões. Deste modo, sustentam que a CES viola o princípio da igualdade, na medida em que atinge indiscriminadamente situações jurídicas e fácticas muito diferentes.
Entendem igualmente que a CES viola o princípio da unicidade, porque se trata de um imposto e a Constituição consagra que o imposto sobre o rendimento pessoal tem de ser único, mas os pensionistas em causa acabariam por pagar dois impostos pessoais: o IRS e a CES. Defendem que não é aceitável dizer que se abre uma excepção em nome da sustentabilidade do Estado social, já que “não é preciso que haja violação do princípio da unicidade para que a sustentabilidade seja garantida. Ela pode ser assegurada sem duplicação de imposto”. Assim, entendem que não é uma medida proporcional, uma vez que o Estado tem outras alternativas de angariação de receita menos gravosas e, como tal, não seria uma medida necessária.

Este caso actual e mediático demonstra a aplicação prática destes princípios na actuação da Administração e também a necessidade de articulá-los com a conjectura económico-social. 

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