A
actividade das entidades administrativas e dos particulares desenvolve-se num
contexto relacional que, na medida em que é disciplinada por normas de direito
público, dá origem a relações jurídicas de direito administrativo, no âmbito
das quais se exercem posições jurídicas subjectivas.
Assim,
e sendo a relação jurídica o conceito central do Direito Administrativo, num
Estado de Direito, de onde decorrem os direitos subjectivos, é natural que esta
questão tenha sido já bastante debatida pela doutrina. Desta forma, nesta
exposição tentarei esclarecer se a bipartição entre direitos subjectivos e
interesses legítimos – tendo em conta a sua falta de harmonização – ainda faz
sentido.
Em
primeiro lugar, vou começar por uma definição, dada pelo Professor Freitas do
Amaral, dos elementos que vão ser aqui discutidos:
·
“Direito
Subjectivo” – consiste num direito à satisfação de um interesse próprio,
trata-se do poder de manter ou obter um bem da vida, ou seja, o particular tem
o direito a uma decisão favorável no seu interesse;
·
“Interesse
Legítimo”- traduz-se numa garantia da legalidade das decisões que versem sobre
um interesse próprio, neste caso, o particular conta com a garantia de que as decisões
administrativas sobre um bem da vida serão sempre tomadas de acordo com a lei,
isto é, sem ilegalidades.
Desta
feita, importa agora determo-nos sobre as origens desta questão.
Esta
surge, e citando o Professor Vasco Pereira da Silva, como consequência da “infância
difícil” do Direito Administrativo, em que uma Administração agressiva
intervinha junto dos particulares, os quais, face a esta, não tinham quaisquer
direitos, apenas um interesse na tutela do interesse público, no fundo, eram
como súbditos junto da Administração.
Daqui
nasceu a categoria de interesse, como direito de segunda ordem submetido à
Administração Pública.
Em
Portugal, a bipartição das figuras surgiu pela influência do Contencioso
Italiano. Esta bipartição tinha consequências processuais, pois, consoante
estivesse em causa um direito subjectivo ou um interesse legítimo, a
competência seria, respectivamente, de um tribunal comum ou de um tribunal
administrativo. Entre nós, tal efeito prático nunca se chegou a verificar,
tendo esta bipartição sido adoptada sem consequências práticas, apenas com
sequelas a nível de diferenciação formal e teórica.
Esta
teoria, em Portugal, é defendida na vertente proposta pelo Professor Freitas do
Amaral, que analisarei adiante, em contraposição com a doutrina unitária.
De
seguida, farei uma breve análise sobre as várias doutrinas de atribuição de
vantagens aos particulares:
·
1ª
Concepção (HARRIOU e LAFERRIÈRRE) - os indivíduos não possuem nenhum direito
próprio contra a Administração Pública, apenas têm um interesse próximo: o
particular é como um auxiliar da Administração. Contra esta teoria, observamos
que esta concepção autoritária é incompatível com o Estado de Direito e com o
nosso ordenamento jurídico (artigo 266º e 268º CRP);
·
2ª
Concepção (MARCELLO CAETANO) – os particulares têm um direito à legalidade ou
um direito reflexo. Aqui o conceito de direito subjectivo é visto de forma
objectiva, é algo que resulta de uma concessão da lei, considerando-se todas as
outras situações como “direitos reflexamente protegidos”, e tal como a posição
anterior, isto não é compatível com o Estado de Direito;
·
3ª
Concepção (ZANOBINI e FREITAS DO AMARAL) – teoria dualista com base na
protecção imediata (direito subjectivo) ou mediata e indirecta (interesse
legítimo). Como já foi referido, é uma teoria acolhida em Portugal, e que no
decorrer da exposição irá ser contraposta à teoria unitária que defendemos;
·
4ª
Concepção (RUI MEDEIROS, AROSO DE ALMEIDA e em tempos, o Professor VASCO
PEREIRA DA SILVA) – postula uma contraposição entre direitos subjectivos novos
ou reactivos e direitos subjectivos clássicos ou activos. Outro aspecto
interessante consiste no facto de o direito do particular surgir no momento da lesão
no próprio processo. Esta posição suscitou várias críticas, entre as quais,
importa destacar aquela que refere a confusão entre a relação jurídica
processual e a situação de real vantagem do particular (tudo se resume à ideia
de reagir).
Feita esta
exposição, pensamos que num Estado de Direito não faz sentido a concepção de
interesses de primeira (direitos subjectivos) e de segunda (interesses legítimos),
sendo estes últimos protegidos apenas na medida do interesse público. Esta distinção
foi claramente feita sob os pressupostos passados, nos quais os direitos dos
particulares se encontravam limitados face à Administração Pública. Pressupostos
estes, que actualmente não fazem sentido, para além de que não podem ser
aceites num Estado de Direito, nem por uma Constituição cuja maior preocupação
é a defesa dos particulares e dos seus direitos fundamentais.
Assim,
surge uma 6ª Concepção, que considera apenas uma única categoria de posições jurídicas
de vantagem, englobando direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses
difusos. A chamada “Teoria da Norma de Protecção” foi criada por Bühler num
contexto de Estado Liberal, tendo sido reformulada por Otto BACHOF que a
transpôs para o Estado de Direito, tendo sido posteriormente alargada de
maneira a abarcar a protecção de direitos fundamentais. Actualmente é adoptada
pela maioria da doutrina alemã e, entre nós, pelo Professor Vasco Pereira da
Silva.
Importa
agora explicar a teoria da norma de protecção e como é que esta na prática
funciona.
Como
se sabe, a atribuição de uma posição ao sujeito pode decorrer de três maneiras
distintas: atribuição ao particular de um direito subjectivo; imposição de um
dever à Administração Pública ou através da tutela directa de um direito
fundamental. Todavia, Bachof sublinha que nem todos os deveres da Administração
correspondem ao aparecimento de uma posição de vantagem do particular, tendo de
observar-se 3 requisitos: (1) a norma tem de ter caracter vinculativo, pois é
na medida dessa vinculação que surge o conteúdo do direito do particular; (2)
essa vinculação a um dever teria de representar um interesse do particular; (3)
tem de ser conferida ao particular, como consequência da existência do direito,
uma possibilidade de recurso.
Explicitadas
todas as teorias, parece-nos mais conforme com os princípios do Estado de
Direito considerarmos esta última. Importa questionar se há distinções práticas
entre as duas teorias; e se estas nos conduzirão a resultados diferentes?
Numa
aplicação da Teoria da Norma de Protecção em contraposição à Teoria da
Bipartição entre direitos subjectivos e interesses legítimos, não podemos
deixar de notar que tanto os primeiros, como os segundos se encontram
protegidos de igual forma em termos práticos, sendo a diferença uma questão formal
e não material, pois ambas traduzem uma posição de vantagem.
De
acordo com a Teoria da Norma de Protecção, é errado pensar que apenas o
particular que consegue obter da Administração algo em termos precisos e
absolutos é que tem um direito subjectivo. Segundo o Professor Vasco Pereira da
Silva, deparamo-nos então, não com uma diferença de qualidade mas sim, de
quantidade; uma diferença na quantidade de maior ou menor vinculação, da qual
resultará, nessa mesma medida, uma maior ou menor amplitude do direito do
particular.
Tendo isto em consideração porque não adopta o legislador esta
concepção em Portugal?
Não devemos considerar a questão desta forma, tendo em conta que o
legislador por uma questão de princípio deve ser neutro às questões
doutrinárias, de maneira que assumiu a expressão "direitos e interesses
legalmente protegidos" na nossa Constituição e na lei como que uma solução
de compromisso, evitando assim confusões ou mesmo a possibilidade de
interpretações restritivas a esses preceitos. Visto isto, e atendendo ao que
foi dito pelo Professor Vasco Pereira da Silva, a fórmula adoptada pelo
legislador é suficientemente ampla para abranger todas as posições jurídicas
dos particulares merecedoras de protecção, e não apenas os clássicos direitos
subjectivos.
Além dos exemplos da Constituição (como nos art. 266º1, art. 268º5,
ou ainda art. 271º1 CRP), ainda encontramos exemplos no CPA, como no art. 140°1
b) no qual a expressão "actos revogáveis" refere-se tanto aos
direitos subjectivos como aos interesses legítimos. Podemos concluir com estes
exemplos que as duas figuras são tratadas de igual forma no nosso ordenamento.
Até porque o legislador nunca usa as expressões em separado,
referindo-se a situações jurídicas de vantagem, o que abona a favor da posição
por nós defendida - sendo esta uma distinção, não a nível matéria,l mas formal,
fará sentido que se mantenha?
Como foi referido esta bipartição foi por nós importada do direito
italiano, contudo importa colocar a questão: porque importámos e mantivemos nós
esta figura exclusiva do direito italiano, que só lá encontra uma explicação
histórica e prática? Porque continuámos com este modelo se sempre foi alvo de
crítica pelos próprios italianos?
Não obstante, é de concluir que esta questão tem de facto pouco
interesse prático, tendo contudo ainda algum direito académico. Tem acima de
qualquer coisa, interesse ao nível da compreensão histórica do Direito
Administrativo, pois o seguimento das várias teorias apresentadas, leva a uma
ilustração da sua evolução até aos nossos dias.
Sara Rodrigues da Costa, nº140110123
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