A actuação administrativa em causa
é o indeferimento por parte do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa do
requerimento feito por António. Teremos, deste modo e antes de mais, de
analisar as questões de competência, de seguida as questões procedimentais e
formais arguidas pelo particular face ao indeferimento e as questões materiais,
por fim.
Questões de competência:
- Incompetência do Presidente da Câmara Municipal para
despachar o assunto – 64º/5a da Lei 169/99 de 18 de Setembro refere esta
competência de conceder tal tipo de licenças à própria Câmara Municipal,
podendo ser essa competência delegada no presidente do órgão colegial pelo artigo 65º/1 do mesmo documento, mas não
tendo essa delegação sido feita estamos perante um caso de incompetência
relativa uma vez que essa competência não pertence ao órgão do presidente mas
sim ao órgão da Câmara Municipal, encontrando-se esta competência dentro das atribuições da pessoa colectiva.
À incompetência relativa corresponde a anulabilidade do acto e não a nulidade como nos demonstra o CPA, nomeadamente o seu artigo 133º. Para sanar esta incompetência, porém, a
CM pode proceder à ratificação do despacho do Presidente concedendo-lhe
validade.
Questões formais e procedimentais:
- A audiência dos interessados
referida pelo requerente é parte necessária do procedimento segundo o CPA nos
seus artigos 100º e seguintes, sem a qual o acto da Administração é nulo por
falta de um elemento essencial ao procedimento – 133º/1 CPA.
- Ao falar em erro manifesto isto
remete-nos para a questão de o particular entender ou não com clareza e certeza
qual a justificação da decisão do órgão administrativo. Esta necessidade vem
consagrada no CPA no artigo 124º sendo que a este caso prático se aplicará a
alínea c) do seu número 1 uma vez que está a ser negada uma pretensão do
interessado e há um dever de fundamentação dos actos administrativos deste tipo.
Duvido que tal dever tenha sido cumprido dada a exposição confusa e
contraditória do Presidente face ao requerimento que lhe foi dirigido.
- Vício de forma – que se traduz
na preterição de formalidades essenciais ou na carência de forma legal. Por um
lado terá sido, como já foi referido, preterida a audiência dos interessados,
exigência procedimental; sendo esta uma competência do órgão colectivo da
Câmara Municipal (64º/5ª da Lei das Autarquias Locais) deveria ter sido
verificada, por exemplo, uma votação do órgão colegial para decidir da questão em
apreço; carência da forma legal exigida para tal acto – leva à nulidade do acto
pelo artigo 133º/2f do CPA. De uma forma geral, a forma legal exigida para o
acto administrativo será a forma escrita pelo 122º/1 do CPA.
Questões materiais:
- Violação da lei – discrepância entre
o conteúdo do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis. Trata-se de
uma ilegalidade de tipo material que ocorre, geralmente, no exercício de
poderes vinculados da Administração. Esta pode consistir na falta de base legal
para a decisão tomada, no erro da Administração na interpretação ou aplicação das
normas jurídicas, na incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo do
acto administrativo, entre outros. O princípio da legalidade está previsto no
artigo 3º do CPA. Esta ilegalidade geralmente leva à anulabilidade dos actos,
segundo o 135º do CPA ou, no caso de se provar que este seja um direito
fundamental dos cidadãos com base na protecção dos interesses e direitos destes
(4º) poderá ser um acto nulo pelo 133º/1d.
- Desvio de poder – exercício de
um poder discricionário por motivo que não condiga com o fim que a lei visou
conferir a tal poder, ou seja, discrepância entre fim legal e fim real – se houver
falta e coincidência entre estes estaremos perante um caso de ilegalidade, ou
seja, um acto inválido e anulável pelo 135º do CPA.
- Quanto ao deferimento tácito
referido pelo particular, esta possibilidade vem prevista no artigo 108º do CPA
que considera a concessão de autorização ou aprovação tácita por parte da
Administração Pública quando desta não provenha uma resposta ao pedido do
particular no prazo geral de 90 dias – 108º/2. Neste caso o requerimento
assentaria na previsão do 108º/3ª e poderá ser considerada esta hipótese uma
vez que o Presidente da Câmara demorou cerca de 180 dias a responder ao pedido.
- Invoca-se, por fim, a violação de
dois princípios fundamentais nos quais assentam direitos essenciais dos
cidadãos face à Administração, o princípio da imparcialidade (6º do CPA) e o
princípio da igualdade (5º do CPA e 13º da CRP). A invalidade de que resulta a violação
de tais princípios é a nulidade prevista no artigo 133º/2d do CPA ao referir “actos
que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental”. A invocação deste
argumento não tem qualquer fundamentação feita por parte do particular não sendo
possível considera-la sem que haja uma maior justificação para tal violação.
Mostra-se, deste modo, difícil interpretar a procedência da maioria dos argumentos levantados pelo particular dada a falta de informação que nos é dada relativamente à atuação do Presidente e à falta de fundamentação feita, tanto pelo requerente ao fazer o pedido à Administração como pelo órgão administrativo aquando da resposta dirigida ao requerente.
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