A lei em geral e o Direito Administrativo
em particular separam as duas realidades de actos anuláveis e actos nulos.
Há, antes de mais, uma distinção
que é feita entre validade e eficácia, sendo que um acto pode ser inválido mas
eficaz (actos anuláveis) produzindo os seus efeitos até ser afastado ainda que
ofendendo a ordem jurídica em certo aspecto ou ainda, pode ser válido mas
ineficaz.
Um acto é ilegal quando contrarie
a lei ou qualquer realidade jurídica que tenha de respeitar. O Prof. Freitas do
Amaral distingue ainda entre ilegalidade; ilicitude; vícios da vontade
correspondendo a ilicitude à acção contrária aos direitos subjectivos de outrem
e os vícios da vontade a actuações coactivas, com erro ou com dolo. O Prof.
Vasco Pereira da Silva, pelo contrário, vê todas estas figuras como
representações de ilegalidade e não figuras autónomas pois, a verdade é que
perante dolo, erro ou mesmo violação do direito subjectivo de outrem, continuo
a violar a lei e a ordem jurídica, continua a verificar-se uma ilegalidade no
seu sentido amplo.
Distinguia-se, ainda, nos anos
70, invalidade de ilegalidade, sendo a primeira uma forma de violação mais
grave, no entanto, o sentido desta distinção é efémero uma vez que a invalidade
de um acto leva a sanções de ordem diferente de acordo com a sua natureza. A ilegalidade
de um qualquer acto pode provir do desrespeito por regras de competência, de
procedimento, de actuação administrativa, mas irá este desrespeito resultar
sempre na falta de uma ou mais condições de validade para emissão do acto
administrativo, identificando-se as duas realidades. Havia, na nossa ordem
jurídica, uma enumeração dos vícios possíveis do acto administrativo na antiga
Lei das Autarquias Locais, mas hoje não temos essa exposição taxativa até
porque levava a que se limitasse o controlo de validade dos actos a essas
situações.
As sanções aplicáveis a essas ilegalidades
dos actos administrativos surgem para verificar se, de facto, estão preenchidos
os requisitos de validade e eficácia previstos para esses actos ou se não. Em
caso negativo surge, então, a possibilidade de declarar a nulidade ou
anulabilidade do acto.
A nulidade surge quando algum dos
elementos essenciais do acto administrativo não esteja verificado (133º/1). Estes
elementos são: autor, destinatário, forma, conteúdo, objecto e fim de interesse
público. Um acto nulo não tem, à partida, vocação para produzir efeitos
jurídicos ainda que possa vir a provocar certos factos jurídicos com o decurso
do tempo, geralmente, face a terceiros. Trata-se da forma mais grave de
invalidade uma vez que é totalmente ineficaz desde o início. Outras características
intrínsecas aos actos nulos são, por exemplo, o facto de essa condição de
nulidade ser insanável, isto é, o acto nulo não é susceptível de ser tornado
válido com o decurso do tempo ou sua conversão; cabe aos particulares o direito
de desobediência a ordens provenientes de actos nulos não havendo possibilidade
de a Administração impor coactivamente a execução de um acto nulo, e ainda que
o faça, cabe aos particulares ainda um direito de resistência passiva tal como
vem consagrado no artigo 21º da Constituição da República Portuguesa; podem os
actos nulos ser impugnados a todo o tempo, sem sujeição de qualquer prazo limite
para serem afastados - 134º/2 do CPA - e, mais do que isso, diz ainda o mesmo
artigo do CPA que a declaração de nulidade poderá ser praticada não só pelos
tribunais administrativos como por qualquer outro tribunal. No entendimento de certa
doutrina como é o caso de Vieira de Andrade ou Esteves de Oliveira, porém, esta
possibilidade deve ser interpretada como podendo os actos nulos ser
reconhecidos por qualquer tribunal e meso desaplicados, cabendo a declaração de
nulidade apenas aos tribunais administrativos. Do mesmo modo é interpretada por
estes autores a possibilidade de a nulidade ser conhecida a todo o tempo por
qualquer órgão administrativo – 134º/2 do CPA – uma vez que não consideram
viável que a declaração da nulidade de um acto administrativo com força
obrigatória geral erga omnes possa ser praticada ser
procedimento específica e por órgão sem uma posição supra-ordenada face ao
autor do acto. Esta doutrina crê, então, que a lei se refere ao mero
reconhecimento da nulidade e, porventura, sua desaplicação no caso concreto. A declaração
de nulidade tem mera natureza declarativa uma vez que o acto já era ineficaz
desde a sua concepção.
A nulidade, no direito português,
não é a regra, por isso aplica-se apenas aos casos previstos na lei (anteriormente
considerava-se os a nulidade determinada na lei e os actos nulos por natureza,
mas com a redacção do CPA tentou-se incluir no artigo 133º/2 mesmo esses casos
de nulidade natural), nomeadamente previstos no artigo 133º do CPA, fora do
qual a invalidade de um acto jurídico é reencaminhada para o regime da
anulabilidade. Dá-se assim, uma aplicação do princípio do “numerus clausus” face à nulidade de actos administrativos, ou seja,
uma enumeração taxativa dos casos em que tal regime é aplicável. Neste artigo
133º surge ainda a questão de significado da expressão usada na alínea d) do
número 2: «direito fundamental» sendo questionável se a este preceito se
deverão aplicar todos os casos de desrespeito por direitos fundamentais da
primeira, segunda e terceira geração ou apenas os direitos, liberdades e
garantias essenciais à preservação da dignidade da pessoa humana.
Por outro lado, temos a
anulabilidade, considerada menos grave face ao regime da nulidade uma vez que,
juridicamente, apesar de inválido o acto em questão, este produz os seus
efeitos até ao momento em que seja afastado da ordem jurídica. A anulabilidade,
ao contrário da nulidade, é sanável pelo decurso do tempo (o artigo 136º/1 do CPA
remete ao 141º do mesmo diploma que, por sua vez, nos remete ao artigo 58º do
CPTA que refere os dois prazos para anulação de um acto anulável: um ano, se
for promovida pelo Ministério Público; três meses nos restantes casos), por ratificação,
reforma ou conversão, estando estas três últimas possibilidades consagradas no
artigo 137º do CPA. O acto anulável é obrigatório para funcionários públicos e
para todos os seus destinatários só podendo ser desrespeitado se a ilegalidade
presente se tratar de um crime. Assim sendo, não é possível a referida resistência
passiva face a um acto anulável como o era para um acto nulo, a sua execução
coactiva é legítima. Ao fim do prazo que a lei estabelece para impugnação do
acto anulável o acto torna-se inatacável, é sanada a anulabilidade que lhe
advém, isto é, o acto converte-se num acto válido. Mais uma diferença face ao
regime estabelecido para os actos nulos é que o pedido de anulação só pode ser
feito diante de tribunais administrativos e o reconhecimento dessa anulabilidade
por parte do tribunal determina a sua anulação (anulabilidade enquanto
característica do acto que pode ou não vir a ser anulado; anulação enquanto decisão
do tribunal que anula o acto). A anulação contenciosa tem efeitos retroactivos
tendo o efeito de fazer com que o acto parecesse nunca ter sido praticado.
O Direito Administrativo prima por certa estabilidade que
conduza à certeza dos particulares e segurança jurídica do sistema, daí que a
regra, como podemos ver no artigo 135º do CPA seja dos actos anuláveis que se
convalidam se não forem impugnados em certo prazo, e não dos actos nulos que
podem ser afastados a todo o tempo – 134º/2 do CPA.
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