terça-feira, 7 de maio de 2013

A invalidade na realidade administrativa: Nulidade vs. Anulabilidade


A lei em geral e o Direito Administrativo em particular separam as duas realidades de actos anuláveis e actos nulos.

Há, antes de mais, uma distinção que é feita entre validade e eficácia, sendo que um acto pode ser inválido mas eficaz (actos anuláveis) produzindo os seus efeitos até ser afastado ainda que ofendendo a ordem jurídica em certo aspecto ou ainda, pode ser válido mas ineficaz.

Um acto é ilegal quando contrarie a lei ou qualquer realidade jurídica que tenha de respeitar. O Prof. Freitas do Amaral distingue ainda entre ilegalidade; ilicitude; vícios da vontade correspondendo a ilicitude à acção contrária aos direitos subjectivos de outrem e os vícios da vontade a actuações coactivas, com erro ou com dolo. O Prof. Vasco Pereira da Silva, pelo contrário, vê todas estas figuras como representações de ilegalidade e não figuras autónomas pois, a verdade é que perante dolo, erro ou mesmo violação do direito subjectivo de outrem, continuo a violar a lei e a ordem jurídica, continua a verificar-se uma ilegalidade no seu sentido amplo.

Distinguia-se, ainda, nos anos 70, invalidade de ilegalidade, sendo a primeira uma forma de violação mais grave, no entanto, o sentido desta distinção é efémero uma vez que a invalidade de um acto leva a sanções de ordem diferente de acordo com a sua natureza. A ilegalidade de um qualquer acto pode provir do desrespeito por regras de competência, de procedimento, de actuação administrativa, mas irá este desrespeito resultar sempre na falta de uma ou mais condições de validade para emissão do acto administrativo, identificando-se as duas realidades. Havia, na nossa ordem jurídica, uma enumeração dos vícios possíveis do acto administrativo na antiga Lei das Autarquias Locais, mas hoje não temos essa exposição taxativa até porque levava a que se limitasse o controlo de validade dos actos a essas situações.

As sanções aplicáveis a essas ilegalidades dos actos administrativos surgem para verificar se, de facto, estão preenchidos os requisitos de validade e eficácia previstos para esses actos ou se não. Em caso negativo surge, então, a possibilidade de declarar a nulidade ou anulabilidade do acto.

A nulidade surge quando algum dos elementos essenciais do acto administrativo não esteja verificado (133º/1). Estes elementos são: autor, destinatário, forma, conteúdo, objecto e fim de interesse público. Um acto nulo não tem, à partida, vocação para produzir efeitos jurídicos ainda que possa vir a provocar certos factos jurídicos com o decurso do tempo, geralmente, face a terceiros. Trata-se da forma mais grave de invalidade uma vez que é totalmente ineficaz desde o início. Outras características intrínsecas aos actos nulos são, por exemplo, o facto de essa condição de nulidade ser insanável, isto é, o acto nulo não é susceptível de ser tornado válido com o decurso do tempo ou sua conversão; cabe aos particulares o direito de desobediência a ordens provenientes de actos nulos não havendo possibilidade de a Administração impor coactivamente a execução de um acto nulo, e ainda que o faça, cabe aos particulares ainda um direito de resistência passiva tal como vem consagrado no artigo 21º da Constituição da República Portuguesa; podem os actos nulos ser impugnados a todo o tempo, sem sujeição de qualquer prazo limite para serem afastados - 134º/2 do CPA - e, mais do que isso, diz ainda o mesmo artigo do CPA que a declaração de nulidade poderá ser praticada não só pelos tribunais administrativos como por qualquer outro tribunal. No entendimento de certa doutrina como é o caso de Vieira de Andrade ou Esteves de Oliveira, porém, esta possibilidade deve ser interpretada como podendo os actos nulos ser reconhecidos por qualquer tribunal e meso desaplicados, cabendo a declaração de nulidade apenas aos tribunais administrativos. Do mesmo modo é interpretada por estes autores a possibilidade de a nulidade ser conhecida a todo o tempo por qualquer órgão administrativo – 134º/2 do CPA – uma vez que não consideram viável que a declaração da nulidade de um acto administrativo com força obrigatória geral erga omnes possa ser praticada ser procedimento específica e por órgão sem uma posição supra-ordenada face ao autor do acto. Esta doutrina crê, então, que a lei se refere ao mero reconhecimento da nulidade e, porventura, sua desaplicação no caso concreto. A declaração de nulidade tem mera natureza declarativa uma vez que o acto já era ineficaz desde a sua concepção.

A nulidade, no direito português, não é a regra, por isso aplica-se apenas aos casos previstos na lei (anteriormente considerava-se os a nulidade determinada na lei e os actos nulos por natureza, mas com a redacção do CPA tentou-se incluir no artigo 133º/2 mesmo esses casos de nulidade natural), nomeadamente previstos no artigo 133º do CPA, fora do qual a invalidade de um acto jurídico é reencaminhada para o regime da anulabilidade. Dá-se assim, uma aplicação do princípio do “numerus clausus” face à nulidade de actos administrativos, ou seja, uma enumeração taxativa dos casos em que tal regime é aplicável. Neste artigo 133º surge ainda a questão de significado da expressão usada na alínea d) do número 2: «direito fundamental» sendo questionável se a este preceito se deverão aplicar todos os casos de desrespeito por direitos fundamentais da primeira, segunda e terceira geração ou apenas os direitos, liberdades e garantias essenciais à preservação da dignidade da pessoa humana.

Por outro lado, temos a anulabilidade, considerada menos grave face ao regime da nulidade uma vez que, juridicamente, apesar de inválido o acto em questão, este produz os seus efeitos até ao momento em que seja afastado da ordem jurídica. A anulabilidade, ao contrário da nulidade, é sanável pelo decurso do tempo (o artigo 136º/1 do CPA remete ao 141º do mesmo diploma que, por sua vez, nos remete ao artigo 58º do CPTA que refere os dois prazos para anulação de um acto anulável: um ano, se for promovida pelo Ministério Público; três meses nos restantes casos), por ratificação, reforma ou conversão, estando estas três últimas possibilidades consagradas no artigo 137º do CPA. O acto anulável é obrigatório para funcionários públicos e para todos os seus destinatários só podendo ser desrespeitado se a ilegalidade presente se tratar de um crime. Assim sendo, não é possível a referida resistência passiva face a um acto anulável como o era para um acto nulo, a sua execução coactiva é legítima. Ao fim do prazo que a lei estabelece para impugnação do acto anulável o acto torna-se inatacável, é sanada a anulabilidade que lhe advém, isto é, o acto converte-se num acto válido. Mais uma diferença face ao regime estabelecido para os actos nulos é que o pedido de anulação só pode ser feito diante de tribunais administrativos e o reconhecimento dessa anulabilidade por parte do tribunal determina a sua anulação (anulabilidade enquanto característica do acto que pode ou não vir a ser anulado; anulação enquanto decisão do tribunal que anula o acto). A anulação contenciosa tem efeitos retroactivos tendo o efeito de fazer com que o acto parecesse nunca ter sido praticado.

O Direito Administrativo prima por certa estabilidade que conduza à certeza dos particulares e segurança jurídica do sistema, daí que a regra, como podemos ver no artigo 135º do CPA seja dos actos anuláveis que se convalidam se não forem impugnados em certo prazo, e não dos actos nulos que podem ser afastados a todo o tempo – 134º/2 do CPA. 

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