Antes
de mais, nos termos do art. 120º CPA considera-se o despacho do presidente da
câmara como acto administrativo.
Trata-se
de seguida na análise da sua invalidade com base na análise dos argumentos
utilizados por António.
Questões
de competência
Tratando-se da cedência de uma licença para
instalação de fábricas de produtos tóxicos, a competência é da Câmara
Municipal, nos termos da alínea a), do nº5, do art. 68º da LAL. Não cabendo
portanto no leque de competências do Presidente da Câmara.
Deste modo, pode afirmar-se que sofre este acto de
um vício de competência, resta saber qual a sanção a aplicar. À primeira vista
parece tratar-se de usurpação de poderes, mas, visto que não é um vício grave
por não por em causa o princípio da separação de porderes, trata-se de um mero
vício de incompetência relativa e não absoluta. Existe falta de competência por
parte de órgãos com atribuições comuns, o Presidente da Câmara pratica um acto
da competência da Câmara Municipal.
Pelo exposto, a sanção a aplicar não se enquadra no
âmbito do art. 133º CPA (nulidade) que, embora não taxativo e sendo uma
cláusula aberta, é mais grave e não parece razoável, mas sim no âmbito do art.
135º CPA - anulabilidade.
Questões
formais
A
regra geral de forma do acto administrativo é a de que devem de revestir forma
expressa, no entanto esta pode ser por simples exteriorização da vontade do
órgão da Administração não exigindo a adopção de um modelo especial ou poderá
ser mais solene, ou seja, têm de obedecer a um certo modelo legalmente
estabelecido – art. 122º CPA.
Este
artigo apenas estatui que deveram os actos revestir de forma escrita, não sendo
no entanto obrigatório, salvo as situações no nº2. MAS a questão aqui não será
essa porque o despacho é um documento escrito. Não existe no CPA nenhuma
disposição que em concreto se refira à forma que deve adoptar um acto pelo que,
a menos que exista um diploma legal que consagre uma forma mais solene que um
despacho para a cedência de uma licença, a forma parece apropriada.
Questões
procedimentais
António
invoca que foi praticada uma invalidade, ao não ter existido uma audiência
prévia.
Na
realidade a audiência dos interessados é um direito dos particulares e trata-se
de um direito fundamental consagrado na Lei Fundamental. Encontra-se estatuída
nos art. 267º, nº1 CRP e nos arts. 100º e seguintes CPA.
O art.
100º estabelece uma obrigatoriedade de audiência de interessados, salvo o
disposto no art. 103, que estabelece casos de inexistência e dispensa deste
direito. Não corresponde este caso a nenhuma das excepções pelo que não sendo
possível dispensar esta fase à uma violação grave de um direito dos
particulares sendo por isso a sanção da nulidade a aplicar ao caso, com base na
alínea d), do nº2, do art. 133º do CPA.
Outro
dos argumentos do António é a de que existia um “deferimento tácito”. Há que
atender ao disposto no art. 108º CPA. O referido artigo prevê a hipótese de
deferimento tácito quando a decisão não é estabelecida no prazo definido por
lei. No caso em análise não há nenhum prazo definido em lei especial, pelo que
se segue o disposto no nº2 do artigo 108º CPA – estabelece-se um prazo de 90
dias. O assunto em relevo entra na previsão da alínea a) do nº3 do artigo,
assim pode esta licença ser passível de deferimento tácito.
Questões
materiais
No que concerne às questões materiais, vários
problemas são suscitados nos argumentos de António.
Primeiramente, alega a existência de um “erro
manifesto” na decisão. Decorre este argumento do facto de a justificação do
indeferimento do pedido se relacionar com a não justificação para o
desenvolvimento do município, bem como, de acordo com o Presidente da Câmara,
com a não criação de postos de trabalho. Ora parece difícil crer que uma
fabrica não venha a criar postos de trabalho, pelo que, havendo este erro, o
acto sofre de um vício material, devendo por isso considerar-se anulável. Não
se considera nulo pois não é suficientemente grave para tal, mesmo que haja erro,
não é impeditivo que a solução seja a mesma com base noutras circunstâncias.
São ainda invocados por António, um vício de desvio
de poder e outro de violação de lei.
Relativamente ao primeiro, era um poder típico do
poder discricionário, de natureza material, consistindo no desrespeito de um
fim legal, que tanto pode acontecer quando seja prosseguido um fim de interesse
privado (corrupção) ou um fim de interesse público, há uma substituição desse
fim de interesse legal, por um fim de interesse não legal. Nada indica que
possa haver um desvio de poder, a norma de competência da Câmara Municipal tem
como fim legal a conjugação dos diversos direitos em causa que são
conflituantes entre si, nomeadamente o direito à liberdade e autonomia privada
e o direito a um ambiente saudável (art. 66º CRP), sendo este um direito
internacional que tem como corolários o direito à saúde, ambiente viável,
decente, sustentável, equilibrado e de bem-estar. Pelo exposto, o despacho
prossegue o fim legal da norma, não havendo razões para se defender um desvio
de poderes.
Quanto ao segundo vício, de violação da lei, este
tem também uma natureza material, todavia trata-se de um desrespeito de regras
relativas ao conteúdo/objecto de determinado acto, quer seja do poder
discricionário quer do poder vinculado. O CPA, no seu art. 3º estabelece um
princípio de legalidade, este deve de ser interpretado e entendido num sentido
amplo embarcando todos os vícios da ordem jurídica no seu todo, inclui todos os
outros vícios anteriormente tratados no caso.
Por último, António alega ainda a violação do
princípio da igualdade e da imparcialidade. Ambos estão previstos no CPA, nos
arts. 5º e 6º respectivamente. Feita uma apreciação ao caso no seu todo,
torna-se difícil encontrar dados que permitam concordar com o argumento de
António.
Sem comentários:
Enviar um comentário