domingo, 5 de maio de 2013

Resolução da hpótese prática nº 4


    A primeira questão levantada por António a respeito do despacho do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa a propósito do seu requerimento é uma questão de competência. A competência para conceder licenças de construção (neste caso de uma fábrica de produtos tóxicos) é da Câmara Municipal, nos termos do artigo 64º/5 da Lei das Autarquias Locais, e não do Presidente da Câmara (artigo 68º da referida lei). Não se tratando de uma situação excepcional e urgente, o Presidente da Câmara não se poderia substituir à Câmara (nos termos do art. 68º/3 LAL). Assim, António tem razão quando alega que o Presidente não tem competência para despachar o assunto.

    Quanto à inexistência de audiência prévia à decisão estamos perante uma questão de procedimento, importando começar por considerar o artigo 100º CPA referente à audiência dos interessados. Esta figura geral do procedimento decisório representa o cumprimento de um preceito constitucional (artigo 267º/5), que impõe “a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”. Não tendo havido audiência prévia, o acto é anulável e não nulo (Acórdão do S.T.A.-1 de 15 de Dezembro de 1994 e Acórdão do S.T.A.-1 de 1 de Janeiro de 1996).

    Relativamente à terceira questão suscitada pelo particular, que alega ter havido “erro manifesto” na decisão, penso que está em causa a contradição do Presidente da Câmara no despacho que redigiu. A este respeito importa considerar o artigo 124º CPA, que consagra o dever de fundamentação. Este dever de fundamentação consubstancia uma das mais relevantes garantias dos particulares, uma vez que facilita o controlo da legalidade dos actos, sendo que nos actos praticados ao abrigo de poderes discricionários pode mesmo ser fundamental para que possa ocorrer a fiscalização contenciosa. A isto acresce que a fundamentação é um importantíssimo elemento de interpretação (artigo 125º/2 CPA). Neste caso, a fundamentação do presidente é obscura e contraditória, o que, nos termos do art. 125º/2 anteriormente referido equivale à falta de fundamentação. Como, nesta hipótese, havia dever de fundamentação nos termos do artigo 124º/1 c) CPA, o acto padeceria de uma invalidade por não ter sido cumprido este dever procedimental.

    No que respeita à quarta questão levantada por António, é pertinente distinguir os 3 vícios que são por ele invocados.
    Importa, antes de mais, referir que não há actualmente nenhuma enumeração legal daquilo que são os vícios do acto administrativo nem nenhuma exigência legal de indicação dos vícios. Existe, contudo, uma enumeração que se encontrava anteriormente na Lei das Autarquias Locais e que continua a ser utilizada (embora seja considerada por alguns autores como sendo ilógica e incompleta).
    O vício de desvio de poder é um dos que consta dessa lista, sendo um vício de natureza material, que é tradicionalmente típico do poder discricionário e diz respeito ao fim legal da actuação administrativa. Em termos muito simplificados, este vício equivale a substituir o fim que justificaria a actuação por outro fim público ou privado. Não me parece, contudo, que haja neste caso um desvio de poder, uma vez que o fim legal da norma que confere à Câmara Municipal a competência para atribuir licenças de construção se compadece perfeitamente com o fim que subjaz à decisão da Câmara (máxime a prossecução dos interesses dos cidadãos do município da melhor forma).
    Quanto ao vício de forma (que se entende abranger não só a forma mas também as invalidades procedimentais), conforme ficou acima exposto, poderia existir por preterição de regras procedimentais. Em relação à forma em si mesma, não parece resultar do artigo 122º CPA, que trata da “forma dos actos”, qualquer forma especial para aquele acto do Presidente, pelo que a esse respeito não haveria qualquer problema de invalidade.
    O vício de violação de lei diz, também, respeito a questões de natureza material, nomeadamente a regras relativas ao conteúdo do acto. A este respeito poderei desenvolver mais, aquando da avaliação do último argumento invocado por António, de que o despacho viola o princípio da igualdade e da imparcialidade.

    Relativamente ao problema de já se ter formado acto tácito de deferimento, regula o artigo 108º CPA, que estabelece o deferimento tácito como regra contra a inércia da Administração. Nesta hipótese o presidente respondeu ao pedido do particular seis meses após a sua entrada. Para efeitos do disposto no artigo supramencionado, elencam-se no seu número 3 uma série de situações que cabem no âmbito da sua aplicação, onde não me parece que se inclua uma licença para a construção de uma fábrica de produtos tóxicos. Assim sendo, o argumento de António não procede.

    A última questão suscitada pelo particular diz respeito aos princípios da imparcialidade (artigo 6º CPA) e da igualdade (artigo 5º CPA), que se enquadram claramente nos problemas materiais da actuação administrativa.
    O princípio da imparcialidade impõe que a Administração Pública actue de forma isenta em relação aos particulares (constituindo, assim, uma aplicação da ideia da igualdade e, portanto, um corolário do princípio da justiça). Por outro lado, traduz-se numa proibição imposta aos órgãos da administração de intervirem num procedimento no qual estejam em causa questões do seu interesse directa ou indirectamente. Nesta hipótese não temos dados que nos permitam concluir pela violação ou não deste princípio.
    O princípio da igualdade “implica o tratamento igualitário de todos os particulares nas relações administrativas, não podendo uns ser privilegiados em detrimento de outros”. A este respeito também não podemos concluir em qualquer sentido, uma vez que não conhecemos em concreto aspectos que nos permitam seguir por uma ou outra via. 

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