quarta-feira, 1 de maio de 2013

Resolução da Hipótese Prática nº3


Actuações jurídico-administrativas em questão:
A. Despacho do presidente da câmara de 15 de Março de 2013
B. Ratificação de 26 de Março de 2013 pela câmara municipal
C. Revogação de 2 de Abril de 2013 da ratificação pela câmara municipal
D. Impugnação da revogação pelo presidente da câmara junto do tribunal administrativo competente


A. Despacho do presidente da câmara de 15 de Março de 2013

Questões de competência
Uma vez que se trata de uma autarquia local (um município), é necessário recorrer à Lei das Autarquias Locais (Lei nº169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei nº5-A/2002, de 11 de Janeiro) e, subsidiariamente, ao Código de Procedimento Administrativo.
As competências do presidente da câmara estão previstas no art.68º da LAL. Não parece ser da competência do presidente da câmara ordenar a demolição do aqueduto, uma vez que não parece caber na previsão do art.68º/2/m) – embargar e ordenar a demolição de quaisquer obras, construções ou edificações efectuadas por particulares ou pessoas colectivas, sem licença ou com inobservância das condições dela constantes, dos regulamentos, das posturas municipais ou de medidas preventivas, de normas provisórias, de áreas de construção prioritária, de áreas de desenvolvimento urbano prioritário e de planos municipais de ordenamento do território plenamente eficazes. Aliás, o ordenar a demolição pode até ir contra o art.68º/2/h – promover todas as acções necessárias à administração corrente do património municipal e à sua conservação. Porém o art.68º/3 determina que “Sempre que o exijam circunstâncias excepcionais e urgentes e não seja possível reunir extraordinariamente a câmara, o presidente pode praticar quaisquer actos da competência desta, mas tais actos ficam sujeitos a ratificação, na primeira reunião realizada após a sua prática, sob pena de anulabilidade.”. Era um caso de circunstâncias excepcionais porque o aqueduto estava a ameaçar ruir e era urgente porque estava a pôr em perigo a casa e a vida de uma família. Parece ainda que não era possível reunir extraordinariamente a câmara porque 3 vereadores se encontravam impossibilitados de comparecer, logo o quórum (tal como definido no art.89º/1 da LAL), não estaria preenchido, e, além disso, não se afigura possível a substituição dos vereadores da câmara em falta uma vez que apenas se prevê a competência do presidente para marcar a reunião para outro dia (ver art.89º/3 LAL). Verificados os requisitos do art.68º/3 da LAL, considera-se que o presidente da câmara tinha competência para praticar actos da competência da câmara. O acto em questão era da competência do órgão executivo colegial nos termos do art.64º/5/c) da LAL. Assim, considera-se que o despacho do presidente da câmara não sofre vícios de competência.

Questões formais
Não se parece levantar nenhuma questão formal neste caso uma vez que a forma de despacho parece adequada ao acto. Além de que cumpriu a forma escrita exigida pelo art.122º/1.

Questões procedimentais
De acordo com o art.64º/5/c) da LAL que atribui a competência à câmara municipal há uma obrigação de vistoria antes da ordem de demolição (as vistorias estão previstas no CPA no art.94º). Ora, o presidente da câmara não parece ter ordenado a realização de uma vistoria para verificar a existência de facto de fendas no aqueduto e do risco de ruir. Nem mesmo parece ter existido a apresentação de provas pelo particular interessado (de acordo com os arts.87º e 88º - sendo que este último estabelece um ónus de prova a cargo de A, neste caso). Poder-se-ia colocar aqui a questão de saber se, ponderado o dever de celeridade previsto no art.57º do CPA, a vistoria era exigida ou não. Parece-nos que a vistoria deveria ser realizada de qualquer maneira porque o próprio art.64º/5/c) da LAL está feito para situações em que há “construções que ameacem ruína ou constituam perigo para a saúde ou segurança das pessoas”. Há assim, um vício procedimental no acto do presidente da câmara.
A audiência dos interessados, neste caso, poder-se-ia considerar dispensada se, perante o conhecimento de risco real, a decisão de demolição fosse considerada urgente, nos termos do art.103º/1/a) do CPA. Como não houve vistoria e não se produziu prova sobre a existência de risco e urgência a audiência não poderia ser dispensada.
Além disso, não parece ter sido cumprido o dever de fundamentação previsto no art.124º/1ª) do CPA.
A violação destas normas de natureza procedimental leva-nos a considerar que o acto do presidente seria anulável nos termos do art.135º do CPA.

Questões materiais
Poderá estar aqui violado o princípio da prossecução do interesse público. Uma vez que o aqueduto romano é um monumento histórico e faz parte do património colectivo, uma demolição do mesmo deveria ser ordenada para prosseguir fins de interesse público de maior valor, como a vida de munícipes. Tem de haver interesses dos cidadãos de maior valor que justifiquem o detrimento dos direitos dos cidadãos ao património histórico do seu país e, em concreto, da zona em que vivem.
Além disso, pode-se levantar a hipótese de ter havido violação do princípio da proporcionalidade porque, no caso concreto, a protecção das vidas de António e da sua família e da sua habitação poderia ser salvaguardada com recurso a obras de manutenção do aqueduto, por exemplo.
Acrescente-se ainda que a ordem de despejo das pedras do aqueduto no depósito de lixos industriais parece também ser contrária quer ao princípio da prossecução do interesse público quer da proporcionalidade. Haveria com certeza várias maneiras de fazer render (cultural e economicamente) os restos de um monumento histórico. E, mesmo que a intenção do presidente não fosse deixar as pedras sem utilidade no aterro, mas antes o seu depósito provisório até serem tomadas outras medidas, o aterro de lixos industriais não parece o mais adequado à manutenção das pedras uma vez que nele se encontram certamente produtos corrosivos.
Tendo isto em conta, poder-se-á levantar a hipótese de considerar que o acto do presidente seria nulo (art.133º/2/d) CPA),  por ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental, previsto na CRP no art.66º/2/c). Este preceito determina que o Estado deve “proteger paisagens e sítios, de modo a garantir (…) a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico”. Obviamente só se pode considerar que o acto é nulo se se provar que houve efectivamente violação do princípio da prossecução do interesse público e da proporcionalidade porque não seria necessário a demolição do aqueduto para proteger A e a sua família e habitação. Sendo necessária a demolição, mas ofendendo na mesmo os princípios mencionados, o acto dificilmente se consideraria nulo. O mais correcto seria cominar-lhe a sanção da anulabilidade (art.135º CPA).


B. Ratificação de 26 de Março de 2013 pela câmara municipal

Questões de competência
Neste caso, há um regime especial na LAL, previsto nos arts. 64º/7/d) e 68º/3. Logo, considera-se que a câmara municipal era, à partida, competente para ratificar o acto do presidente. O que, no fundo, parece ir ao encontro da finalidade procurada no CPA, no seu art. art.137º/3 (o presidente da câmara seria em circunstâncias normais incompetente para a prática de tal acto…), logo a câmara (órgão competente para a prática do acto), seria competente para o ratificar. Isto justifica-se porque “se trata de regular novamente a situação, pelo que só quem detém poderes dispositivos sobre a matéria poderá actuar” (AMARAL, Diogo Freitas do [et al] – Código do Procedimento Administrativo Anotado, Almedina, 2007 (6ª edição), p.249).

Questões formais
A reunião ordinária em causa foi realizada há pelo menos mais de 10 dias desde a anterior reunião, o que está de acordo com o art.62º da LAL, que permite a existência de reuniões ordinárias quinzenalmente se tal for mais conveniente.
O quórum exigido pela LAL no art.89º/1 é de maioria do número legal dos membros. No caso concreto, o quórum estava verificado (considerando que o número legal de membros era de 5, 1 presidente e 4 vereadores) porque estavam presentes 3 membros (em 5): 1 presidente e 2 vereadores.
À partida a votação é nominal nos termos do art.90º/1 da LAL, sendo que o presidente vota em último lugar (nº2). Não havendo regime especial quanto à maioria exigida nas deliberações na LAL, aplica-se o regime geral do art.25º do CPA. Este a artigo determina no seu nº1 que “as deliberações são tomadas por maioria absoluta de votos dos membros presentes à reunião”. A maioria absoluta corresponde a mais de metade dos votos e verificou-se no caso concreto: houve 2 votos a favor em 3 votos no total.

Questões procedimentais
De acordo com o art.137º do CPA, só é possível haver lugar à ratificação de um acto se este não for nulo ou anulável. Assim, a menos que se considere que o acto do presidente é nulo (por violação de disposições materiais como vimos anteriormente), poderia a câmara municipal ratificá-lo. Considerando o acto do presidente inválido, mas apenas anulável, a ratificação seria possível. Sendo o acto do presidente nulo, a ratificação seria também ela inválida (anulável), por violação do disposto no art.137º/1 CPA.
Esta decisão de ratificação foi fundamentada apesar de não ser, à partida, exigida pelo art.124º/1 do CPA.
Não parece haver mais nenhuma questão procedimental a apreciar.

Questões materiais
Pela falta de dados não sabemos quais as razões apresentadas pelo presidente na sua proposta de ratificação. Assim, não podemos apreciar do ponto de vista material a ratificação pela câmara.


C. Revogação de 2 de Abril de 2013 da ratificação pela câmara municipal
DÚVIDA: há erro no enunciado quando na fundamentação na alínea b) se fala em acto “revogado” e não “ratificado”?

Questões de competência
A competência para revogar actos administrativos está prevista em termos genéricos no CPA, no art.142º. diz o nº1 do artigo mencionado que é competente para revogar os autores do acto administrativo em questão. Ora, a doutrina diverge quanto ao conceito de “autor” quando o órgão que praticou o acto era incompetente para tal. O Professor Freitas do Amaral, em nome de uma responsabilização dos órgãos administrativos, entende que autor do acto é aquele que praticou efectivamente o acto, tendo competência para a sua prática ou não. Já o Professor Robin de Andrade defende que autor do acto é apenas aquele órgão que tem competência para praticar o acto, fundamentando a sua posição no princípio das competências legais. O Professor Vasco Pereira da Silva adopta uma posição eclética e ampla, reconhecendo validade tanto ao argumento da responsabilização como ao da legalidade das competências. Assim, para este Professor, é autor do acto tanto o órgão que o praticou e era incompetente, como o órgão verdadeiramente competente, que não praticou o acto. De facto, ambos estão obrigados ao princípio da legalidade que exige a eliminação da ordem jurídica de um acto inválido.
Neste caso, não está em causa um acto que seja inválido por violação de regra de competência. Na verdade, o acto em questão é uma ratificação da câmara municipal que, como já vimos, era competente para tal. Assim, não há dúvidas na doutrina que é competente para revogar um acto administrativo o órgão que o praticou, ao abrigo das suas competências.

Questões formais
Na deliberação do acto em questão estava cumprido o quórum exigido pelo CPA no seu art.89º/1, uma vez que estavam presentes todos os membros do órgão (tendo havido 5 votos deduz-se que estariam presentes os 5 membros). Além disso, foi cumprida a maioria exigida pelo art.25º do CPA (maioria absoluta: 3 votos a favor e apenas 2 contra, num universo de 5 votos).
Porém, foi violada a disposição do art.19º do CPA, uma vez que foi objecto de uma deliberação da câmara um assunto não incluído na ordem do dia (prevista no art.18º CPA). Na hipótese é dito que não houve lugar a “diligência prévias”, logo não houve a verificação de uma maioria de 2/3 dos membros que tivesse reconhecido a urgência de deliberação imediata do da revogação. Logo, o acto de revogação é inválido por violação de uma norma formal. Este vício dá lugar a que o acto seja anulável porque não cabe nas hipóteses do art.133º CPA, aplicando-se, portanto, o art.135º do mesmo diploma.

Questões procedimentais
Não parecem ter existido problemas a nível do procedimento. Foi cumprido o dever de fundamentação previsto nos arts.124º/1/e) e 125º do CPA.

Questões materiais
É de analisar a revogabilidade do acto de ratificação da câmara. De facto, como vimos, esse acto não parece padecer de nenhuma invalidade. Logo, a sua revogabilidade está regulada no art.140º do CPA. À partida, como diz este preceito, os actos válidos são livremente revogáveis, porém, existem limites (alíneas a, b e c do art.140º/1 CPA). Poderá apenas levantar-se a questão de saber se a ratificação é constitutiva de direitos (art.140º/1/b) CPA). De facto, a ratificação permitiu que o acto do presidente (desconsiderando os outros vícios que enumerámos) fosse considerado válido e não anulável nos termos da parte final do art.68º/3 da LAL. Assim, considerando que o despacho do presidente era constitutivo de direitos, a sua ratificação seria indirectamente constitutiva de direitos…. Quanto ao que seja “acto constitutivo de direitos” há uma divergência na doutrina. O Professor Robin de andrade adere a uma concepção restrita, defendendo que são apenas os actos reguladores. Aderindo a esta posição, a ratificação não seria acto constitutivo de direitos, apenas o despacho do presidente o seria, porque a ratificação apenas estaria a afastar restrições a um direito pré-existente. Aderindo porém à concepção ampla defendida largamente pela Escola de Lisboa (Professores Marcello Caetano e actualmente pelo Professor Vasco Pereira da Silva), a resposta seria outra. Dizem estes autores que acto constitutivo de direitos seria aquele que atribua qualquer posição substantiva de vantagem, não sendo necessário que haja um “efeito novo”. Considerando a ratificação como acto constitutivo de direitos, esta constinuava a ser irrevogável, já que não se enquadrava nas excepções do art.140º/2 CPA. Ainda assim, em certos domínios a ponderação dos princípios da prossecução do interesse público e da conveniência podem levar a que se revogue uma decisão (e revogação seja válida) em detrimento dos princípios opostos da estabilidade e da tutela da confiança. Esta ponderação é muito evidente em domínios novos do direito administrativo como o do ambiente, urbanismo ou consumo. No entanto, esta flexibilização (que não foi tida em conta pelo legislador no CPA), não pode excluir a obrigação de indemnizar por parte do Estado. Tudo visto, considera-se que aqui poderia haver razões ponderosas que justificassem a não demolição do aqueduto (princípios da prossecução do interesse público e dever de proteger o património cultural português). Nesse sentido, a revogação poderia ser válida e, se a demolição ainda não tivesse ocorrido e se se considerasse que havia violação do princípio da tutela da confiança, A e a sua família (e outros particulares) poderiam obter do Estado uma indemnização. Isto seria desnecessário se os interesses de A fossem acautelados através de outras medidas, que não a demolição do aqueduto, porque dessa forma dificilmente existiriam danos a ressarcir.


D. Impugnação da revogação da câmara pelo presidente da câmara junto do tribunal administrativo competente (11 de Junho de 2013)

Questões de competência
De acordo com o art. art.9º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos o presidente podia intentar uma acção de impugnação da revogação junto do tribunal administrativo competente.

Questões formais
Tendo sido apurado um vício formal na ratificação pela câmara e ter classificado a sanção aplicável como anulabilidade, seria de aplicar o art.136º/2 do CPA. Diz o art.58º/2/b) do CPTA que o prazo para impugnação de actos anuláveis é de 6 meses quando a acção não seja promovida pelo Ministério Público (que é o caso). No caso concreto, apenas passaram 2 meses e 9 dias, estando o presidente ainda dentro do prazo em que pode impugnar a revogação da câmara.

Questões procedimentais
Não parecem existir.

Questões materiais
Não detectamos nenhum problema material neste acto: há aqui uma procura na defesa do princípio da legalidade (consagrado nomeadamente no art3º CPA) que se afigura conforme a ordem jurídica.

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