quarta-feira, 1 de maio de 2013

Resolução do caso prático nº 3


Nesta hipótese prática importa distinguir 4 actuações administrativas:

1)      Despacho do Presidente da Câmara Municipal (no seguimento de um requerimento de um particular que lhe é dirigido);
2)      Ratificação em reunião ordinária do despacho presidencial;
3)      Revogação da ratificação camarária do despacho do presidente (numa segunda reunião ordinária);
4)      Impugnação da revogação junto do tribunal administrativo competente.
   
 Em relação a cada uma destas actuações jurídico-públicas importa considerar separadamente os aspectos relativos à competência, ao procedimento, à forma e, ainda, os aspectos materiais.

1) Quanto ao despacho, a primeira questão que importa solucionar é a de saber se o presidente era ou não o órgão competente para o redigir e assinar. As competências do Presidente da Câmara vêm previstas no artigo 68º da Lei das Autarquias Locais. Não parece que demolir o troço daquele aqueduto se enquadre em qualquer das alíneas dos números 1 e 2 deste artigo (cabendo, sim, no artigo 64º/5 c) da referida Lei). Contudo, parece-me razoável entendermos que se trata aqui de uma situação excepcional, uma vez que nos é dito no enunciado que aquele troço do aqueduto ameaçava ruir para cima da casa de António e da sua família. Assim sendo, esta situação estaria abrangida pelo número 3 do art. 68º, pelo que o presidente poderia praticar aquele acto, desde que posteriormente ratificado em reunião da Câmara.

Ultrapassada esta questão, segue-se a análise das questões procedimentais. Nos termos do artigo 64º/5 c) da Lei das Autarquias Locais, antes da demolição tem de ter lugar uma vistoria (que parece não ter ocorrido nesta hipótese). Assim sendo, o acto seria anulável por força do artigo 135º CPA.

Relativamente às questões materiais, tratando-se de uma decisão que visa a segurança daqueles particulares, não me parece que possa existir aqui qualquer outro princípio ou interesse que se sobreponha a este.

Por fim, importa atender aos aspectos formais do despacho do presidente. A forma que devem revestir os actos administrativos vem prevista no artigo 122º CPA, não me parecendo haver qualquer problema a este respeito.

2) Quanto à primeira reunião ordinária, onde se decide ratificar o despacho presidencial, importa começar por perceber se a Câmara tinha ou não competência para ratificar aquele despacho presidencial. Conforme resulta do artigo 68º/3 da Lei das Autarquias Locais, a Câmara não só podia como tinha de ratificar aquele acto, sob pena da sua anulabilidade.

No que diz respeito aos aspectos formais e procedimentais, importa começar por verificar se estava reunido o quórum deliberativo e se a votação preencheu a maioria legalmente exigida. Relativamente ao quórum, o artigo 22º CPA exige que esteja presente a maioria legal dos membros do órgão com direito a voto. Contudo, como estamos perante uma autarquia local, importa tomar em consideração as normas especiais contidas na Lei das Autarquias Locais. O artigo 89º/1 da referida lei exige que esteja presente a maioria legal dos membros do órgão. Nesta hipótese, sendo a Câmara Municipal de Água Azul constituída por 4 vereadores + o presidente, e estando presentes na reunião 2 vereadores e o presidente, o quórum está preenchido.
Quanto à maioria, conforme resulta do artigo 25º CPA é exigida a maioria absoluta de votos dos membros presentes à reunião, pelo que a este respeito também não há qualquer problema.

Quanto à ratificação propriamente dita, importa considerar o artigo 137º CPA. Não parece, a este respeito, haver qualquer problema, uma vez que a decisão do presidente não é nem nula, nem inexistente (conforme resulta do acima exposto).

Relativamente aos aspectos materiais, a ratificação da Câmara Municipal deve-se ter baseado nas razões que levaram o presidente a assinar aquele despacho, tendo-as certamente considerado razoáveis e pertinentes. Assim sendo, e nada mais nos sendo dito na hipótese, não me parece que se levante qualquer problema no respeitante às questões materiais.

3) No que diz respeito à revogação, esta consiste num acto administrativo secundário, que reage sobre outro acto afastando os seus efeitos. A revogação encontra-se regulada no CPA nos artigos 138º e ss (em termos que são, para alguns autores, algo exagerados). O fundamento de uma revogação poderá ser a legalidade do acto administrativo ou a sua conveniência.
No que respeita à competência para a revogação, esta vem prevista no artigo 142º CPA. Existe uma controvérsia no quadro da ordem jurídica portuguesa relativamente à questão de saber quem é o “autor” do acto. Isto importa sobretudo na revogação daqueles actos em que o órgão é incompetente. O professor Freitas do Amaral, seguindo uma ideia de que todos os órgãos devem ser responsabilizados pelos seus actos, entende que “autor” é o órgão que efectivamente praticou o acto administrativo. Por sua vez, o professor Robin de Andrade, fiel a uma ideia de competência legal, entende que só deve revogar o órgão competente. O professor Vasco Pereira da Silva, numa visão mais ampla, vem dizer que tanto tem competência o autor incompetente como o órgão que efectivamente tem competência, cabendo no conceito de “autor” tanto a ideia do professor Freitas do Amaral, como o entendimento do professor Robin de Andrade.
Nesta hipótese, porém, esta questão nem se colocava porque a Câmara Municipal era o órgão competente para ratificar o despacho presidencial, tendo, por isso, também, competência para revogar aquela ratificação.

Quanto às questões formais e procedimentais importa começar por considerar o problema de o assunto da deliberação revogatória não constar na ordem do dia daquela reunião. Nos termos do artigo 19º CPA, não estando o assunto incluído na ordem do dia daquela reunião, pelo menos dois terços dos membros teriam de reconhecer a urgência de deliberação imediata daquele assunto.
Relativamente ao quórum (artigo 89º/1 da Lei das Autarquias Locais), este encontrava-se verificado porque estavam presentes todos os membros do órgão. No que respeita à votação, exigia-se, conforme resulta do artigo 25º do CPA, uma maioria absoluta de votos dos membros presentes à reunião. Neste caso, tendo votado favoravelmente 3 vereadores, esta exigência está também preenchida.
Apesar disto, como o assunto não estava incluído na ordem do dia, a revogação é inválida.
A ordem jurídica prevê uma dualidade de sanções para os actos inválidos que serão ou nulos ou anuláveis. Nesta hipótese, não cabendo esta situação em qualquer das hipóteses previstas no artigo 133º CPA, estamos perante um acto anulável nos termos do artigo 135º CPA.

4) No que respeita à impugnação da revogação junto do tribunal administrativo competente, estabelece o artigo 136º/2 CPA  que “o acto anulável é susceptível de impugnação perante os tribunais nos termos da legislação reguladora do contencioso administrativo”.

Sem comentários:

Enviar um comentário