No plano interno,
tradicionalmente, adoptava-se uma concepção ampla de acto administrativo, dentro da qual se distinguia os actos que traduziam os dois poderes exorbitantes da
Administração Pública: o poder de definição do direito e de execução coactiva.
Esta ideia de acto administrativo está muito ligada com os ideiais do Estado
Liberal (estado polícia), e traduz o sentido restrito, na concepção de Marcello
Caetano, entendido como a “conduta voluntária de um órgão da Administração no
exercício de um poder público que para a prossecução de interesses a seu cargo,
pondo termo a um processo administrativo gracioso ou dando resolução final a
uma petição, defina com força obrigatória e coerciva, situações jurídicas num
caso concreto”. Este autor contrapunha este acto em sentido restrito ao acto
administrativo em sentido amplíssimo, definindo-o como sendo uma “conduta
voluntária de um órgão da Administração que, no exercício de um poder público e
para a prossecução dos interesses postos por lei a seu cargo, produza efeitos
jurídicos num caso concreto”.
O professor Freitas
do Amaral definia também primeiramente o acto administrativo de uma
forma ampla, para depois partir para uma noção de acto definitivo e executório,
referindo-se-lhe como “aquele em que se consubstancia na sua plenitude o
exercício do poder público da Administração enquanto autoridade". É de notar que
este professor começou, de facto, por defender, tal como o professor Marcello
Caetano, uma noção ampla, mas este não é, actualmente, o seu entendimento. Este
professor invoca alguns argumentos para defender agora uma noção restritiva,
argumentos esses meramente literais que, conforme sugere o professor Vasco
Pereira da Silva, não são suficientes.
O professor
Rogério Soares defende uma definição restritiva de acto administrativo,
delineada em razão da recorribilidade. O próprio professor Rogério Soares
parece aperceber-se do carácter excessivamente restritivo da sua noção de acto
administrativo.
O professor
Sérvulo Correia adopta também uma noção restrita, definindo acto administrativo
como a “conduta unilateral da Administração, revestida da publicidade
legalmente exigida que, no exercício de um poder de autoridade, define
inocatoriamente uma situação jurídico-administrativa concreta, quer entre a
Administração e outra entidade, quer de uma coisa”.
O professor Vasco
Pereira da Silva, por sua vez, entende que a noção contida no artigo 120º CPA
funciona perfeitamente para efeitos de procedimento,elucidando que,
naturalmente, a escrever-se uma noção teórica ter-se-íam de acrescentar alguns
aspectos, desde logo introduzir a ideia de “função administrativa”, clarificar
que o acto administrativo é sempre o resultado de um procedimento
administrativo inserindo-se numa relação jurídica administrativa, entre outras
coisas.
Este autor, no seu Em Busca do Acto Administrativo Perdido realça o facto de, na actualidade, os actos administrativos não se poderem mais caracterizar nem pelo efeito regulador, nem pela produção individualizada de efeitos relativamente a um concreto particular, nem sequer pela ideia de execução coactiva ou de autotutela.
Este autor, no seu Em Busca do Acto Administrativo Perdido realça o facto de, na actualidade, os actos administrativos não se poderem mais caracterizar nem pelo efeito regulador, nem pela produção individualizada de efeitos relativamente a um concreto particular, nem sequer pela ideia de execução coactiva ou de autotutela.
Para compreender
toda esta querela importa recuar ao tempo em que o acto administrativo era a
forma principal da actuação administrativo, sendo tudo o resto relativamente
secundário. Estas concepções actocêntricas correspondiam a um tipo de acto
especial, o acto polícia, sendo por isso as concepções tradicionais do acto
administrativo concepções autoritárias.
Otto Mayer, por
exemplo, positivista científico, equiparava o acto administrativo à sentença,
uma vez que equiparava também a Administração Pública aos tribunais (o que
corresponde, claro está, ao período de promiscuidade e confusão entre função
administrativa e judicial). O acto administrativo era definidor do direito, uma
definição autoritária, e por outro lado, susceptível de execução coactiva.
Maurice Hauriou, por seu turno, positivista sociológico, admitia uma ideia de Administração de serviço público, que podia já ter uma dimensão prestadora. A sua noção de acto administrativo era, ainda assim, similar à de Otto Mayer, afirmando também os dois poderes exorbitantes da Administração Pública: poder de definir o direito e executá-lo coactivamente.
Maurice Hauriou, por seu turno, positivista sociológico, admitia uma ideia de Administração de serviço público, que podia já ter uma dimensão prestadora. A sua noção de acto administrativo era, ainda assim, similar à de Otto Mayer, afirmando também os dois poderes exorbitantes da Administração Pública: poder de definir o direito e executá-lo coactivamente.
Toda esta temática que contrapõe uma concepção
restrita a uma concepção ampla de acto administrativo surge quando a realidade
administrativa começa a evoluir e a Administração Pública passa a prestar
também bens e serviços aos cidadãos, que deixam de ser meros súbditos para
passarem a ser verdadeiros sujeitos de Direito. É por isto que as concepções de
Otto Mayer e Hauriou vão ficar rapidamente desactualizadas, sobrevivendo,
contudo, muito para além da sua época. Por exemplo, em Portugal, só em meados
dos anos 80 é que aquela realidade tradicional começa a ser posta em causa por
alguns autores, sendo que só em 2004 é definitivamente afastada esta lógica,
com o desaparecimento da exigência do acto definitivo que se mantinha por força
do artigo 25º da Lei do Processo dos Tribunais Administrativos.
Bachof fala na
passagem da Adminsitração agressiva para a Administração prestadora, sendo que
é aqui que se começa a falar na primeira crise do acto administrativo, que
deixa de ser a forma de actuação administrativa para passar a ser uma das
várias formas de actuação. Para além disto, a própria noção tradicional de acto
administrativo entra em crise. A Administração passa a realizar novas tarefas e
o acto abandona as suas características iniciais. Surgem actos que atribuem
direitos e vantagens ao particular, passando a principal função estadual a ser
a administrativa, em vez da legislativa, predominante no Estado Liberal.
Ao lado daqueles
actos definitivos e executórios surge uma série de actos favoráveis que já não
se reconduzem àquele modelo. Mais tarde, com a crise do Estado Social, também o
acto administrativo se vai modificar. Os novos direitos fundamentais
transformam as relações jurídicas em relações multilaterais, a ideia de
definição do direito é afastada e surge o acto com eficácia múltipla, teorizada
primariamente por Laubinger.
Assim, conforme
afirma o professor Vasco Pereira da Silva: “a actual crise do acto
administrativo é, pois, sobretudo, a crise das construções dogmáticas de tipo
restritivo, seja do acto regulador do direito alemão, da decisão executória do
direito francês, do “provvedimento” do direito italiano, ou do acto definitivo
e executório do direito português”.
Deste modo, a
solução mais correcta será a de definir acto administrativo numa acepção ampla,
onde cabem não só as actuações da Administração agressiva, mas também as da
Administração prestadora, os actos praticados no decurso do procedimento, e
muitas outras. Importa "abandonar as concepções substantivas restritivas, sob pena de se transformar tal conceito numa «peça de museu», totalmente inadequada para responder às necessidades da Administração moderna".
Dever-se-à, então, definir, seguindo as palavras do professor Vasco Pereira da Silva, “acto administrativo como qualquer manifestação unilateral de vontade, de conhecimento ou de desejo, proveniente da Administração Pública e destinada à satisfação de necessidades colectivas que, praticada no decurso de um procedimento, se destina à produção de efeitos jurídicos de carácter individual e concreto”.
Dever-se-à, então, definir, seguindo as palavras do professor Vasco Pereira da Silva, “acto administrativo como qualquer manifestação unilateral de vontade, de conhecimento ou de desejo, proveniente da Administração Pública e destinada à satisfação de necessidades colectivas que, praticada no decurso de um procedimento, se destina à produção de efeitos jurídicos de carácter individual e concreto”.
Bem analisado o
panorama nacional, parece que o nosso ordenamento jurídico consagra, também,
uma noção ampla de acto administrativo, conforme retiramos dos artigos 120º CPA
e 268º/4 CRP, sendo esta a mais adequada à conjuntura actual e ao modelo prestador da administração.
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