O acto administrativo foi, durante muitos anos, o centro do
Direito Administrativo, sendo que o seu conceito delimitava certos
comportamentos da Administração em função da fiscalização da actividade
administrativa pelos tribunais. Isto visto, sabe-se que existiu, existe e
provavelmente existirá, uma complexa querela doutrinal acerca da sua noção, e
se deverá ser entendida através de uma concepção ampla ou mais restrita. Para
analisar tal questão torna-se necessário percorrer a história do acto
administrativo, de modo a compreender toda a sua evolução.
Nos primórdios da Revolução Francesa, a noção de acto
administrativo surge para delimitar as acções da Administração Pública
excluídas por lei da fiscalização dos tribunais judiciais. Ou seja,
pretendia-se identificar quais as actuações da Administração Pública sobre os
quais os tribunais não se podiam pronunciar. Ao interpretar a separação de
poderes como absoluta abstenção dos tribunais intervirem na actividade
administrativa, subtrai-se os actos administrativos à jurisdição dos tribunais
judiciais. Consistia então numa garantia da Administração.
O acto administrativo era então protagonista da actuação
administrativa e do contencioso administrativo. Estas concepções, em que o acto
administrativo se encontrava no centro do Direito Administrativo, denominadas
pelo Prof. Vasco Pereira da Silva como “actocênticas" procuravam um
conceito amplo que explicasse toda a realidade. O seu acto era o de uma
Administração agressiva, consistindo num acto de polícia.
Otto Mayer equiparava a Administração Pública aos Tribunais.
Tal levou à aproximação do acto administrativo e da sentença, por ambos
corresponderem a actos de definição de direito. Mais, considerava ainda que o
particular é um administrado e por isso, à semelhança da sentença, o acto
administrativo era de dimensão autoritária e susceptível de execução coactiva
contra a vontade dos particulares.
Maurice Hauriou apresenta uma construção mais aberta pois,
no quadro de um positivismo sociológico, permitiu a ideia de uma administração
de serviço público, que podia ter dimensão prestadora. Maurice Hauriou, ao
contrário de Otto Mayer, não partia da assimilação do acto administrativo às
sentenças, utilizando por contrapartida o método da contraposição. Assim,
contraponha o acto jurídico negócio jurídico. Tal levava ao realce dos poderes
exorbitantes da Administração que consistiam no poder de definição de Direito,
e no poder de execução coactiva.
Em Portugal uma construção perto das referidas anteriormente
seria a do Prof. Marcello Caetano. Este parte de uma noção amplíssima de actos
jurídicos da Administração, dentro da qual cabem os regulamentos, actos
jurisdicionais e acto administrativos, que se qualificavam em razão da sua
proveniência. Esta amplitude espelhava bem a promiscuidade existente entre a
Administração e Justiça, num sistema que considerava os tribunais administrativos
como órgãos da Administração activa. Daqui advém a noção ampla de acto
administrativo como conduta voluntária de um órgão da Administração que, no
exercício de um poder público e para a prossecução dos interesses postos por
lei a seu cargo, produza efeitos jurídicos num caso concreto. Deste acto amplo
se distinguiria depois um outro conceito mais restrito correspondente aos actos
que têm por conteúdo a fixação autoritária de posições relativas. Será este
acto em sentido restrito, que se denomina de acto definitivo e executório, que
pode ser definido, segundo Marcello Caetano, como “a conduta voluntária de um
órgão da Administração no exercício de um poder público que para a prossecução
de interesses a seu cargo, ponto termo a um processo administrativo gracioso ou
dando resolução final a uma petição, defina, com força obrigatória e coerciva,
situações jurídicas num caso concreto”. Tal construção foi aceite e durará até
à revisão Constitucional de 1989, em que tal noção desaparecerá. Contudo,
considerando todo o sistema legislativo, a noção de acto definitivo e
executório surgirá até à reforma do contencioso administrativo em 2004, em que
foi revogado o ART.25 da Lei do Processo dos Tribunais Administrativos,
substituída em 2004 pelo Código de Processo dos Tribunais Administrativos.
Numa segunda fase a noção de acto administrativo irá servir
para definir as actuações da Administração Pública submetidas ao controlo dos
tribunais administrativos. Assim, passou a ser um conceito ao serviço do
sistema de garantias dos particulares. Esta fase é ainda visível hoje, ao
delimitar-se comportamentos susceptíveis de fiscalização contenciosa através da
acção administrativa especial de impugnação de actos administrativos.
No próprio ART.268/4 da Constituição da República Portuguesa
– de ora em diante CRP -, acto administrativo aparece a delimitar os
comportamentos da Administração susceptíveis de controlo jurisdicional.
A par desta função contenciosa, o acto administrativo cumpre
uma função substantiva e uma função procedimental. Quer isto dizer que através
do acto administrativo os órgãos da Administração Pública concretizam os
preceitos jurídicos gerais e abstractos constantes em fontes do Direito
Administrativo, conformando situações da vida em função do que se dispõe em tal
preceitos. A aplicação de uma norma jurídica geral e abstracta consistirá na
função substantiva do acto administrativo. Por outro lado, quando a
Administração tome uma decisão que cumpra as características às da noção de
acto administrativo do ART.120 do Código do Procedimento Administrativo – de
ora em diante CPA -, estará a fazer uso da sua função procedimental, pois
trata-se de uma forma de actuação que é praticada no decurso de um procedimento
no qual os particulares são chamados a participar.
Quer isto demonstrar que, hoje em dia, a noção de acto administrativo
tem de ser relativizada, pois não se pode dizer que corresponda à ordem central
que uma vez fora.
De 1980 em diante, a geração dos administrativistas pôs em
causa os conceitos tradicionais e a lógica tradicional de entender o Direito
Administrativo. Desde logo, nos países europeus começam a surgir transformações
de uma Administração Agressiva para uma Administração Prestadora, o que tem
como consequências que se aumenta a importância da Administração e se põe em
causa as suas formas de actuação. A Administração do Estado Social terá à sua
escolha várias alternativas de forma de actuação. Tal levará a que o acto deixe
de ser o centro de todas as coisas, e deixe de ser “a” forma de actuação
administrativa e passa a ser “uma” das várias formas de actuação
administrativa.
É neste momento que o acto perde a sua função de
protagonista exclusivo e é obrigado a compartilhar o palco com outras formas de
actuação. Mais, as características apontadas ao acto de definitividade e
executoriedade já não fazem sentido, pois os actos atribuem vantagens,
direitos, aos particulares, atribuem direitos. Por terem tal característica,
isto é, por serem favoráveis, não são susceptíveis de execução coactiva. Assim,
a questão já não será a da execução contra a vontade dos particulares mas o da
sua execução contra a própria Administração. Ainda é de referir que o direito não
é mais o fim do acto, mas antes o meio.
Finalmente, o acto administrativo tem hoje a característica
de poder ter eficácia múltipla. Mesmo os actos com número reduzido de sujeitos
afectam os vizinhos e têm dimensão multilateral.
Por tudo o que foi exposto, chega-se à conclusão de que é
premente encontrar uma noção de acto administrativo que abranja os actos da
administração agressiva, prestadora, e infra-estrutural, pois a Administração
tem de ser suficientemente ampla para abranger todas estas realidades.
Há quem entenda que são actos administrativos apenas os
actos jurídicos, e quem entenda que o podem ser também as operações materiais
ou os meros factos involuntários ou naturais. Há quem pense que são apenas os
actos organicamente administrativos, ou seja, praticados por órgãos da Administração,
ou materialmente administrativos, ou seja, sobre matéria administrativa. Há ainda
quem defenda ser possível construir uma sua noção material, ou que só é acto
administrativo o que versa sobre uma situação individua num caso concreto.
Para o Prof. Freitas do Amaral, os elementos do conceito de
acto administrativo são que este consista num acto jurídico, isto é, numa
conduta voluntária produtora de efeitos jurídicos, que seja um acto unilateral,
ou seja, que provenha de um só autor, cuja declaração é perfeita independentemente
do concurso de vontades de outros órgãos ou sujeitos de direito, que seja praticado
no exercício do poder administrativo, ao abrigo de normas de direito público,
para o desempenho de uma actividade administrativa de gestão pública, que seja
praticado por um órgão administrativo, que seja um acto decisório, ou seja, que
consista numa conduta administrativa susceptível de afectar, por si só, imediata
ou potencialmente, a esfera jurídica dos particulares e, finalmente, que
consista num acto que verse sobre uma situação individual e concreta.
Assim, segundo esta concepção, será acto administrativo o
acto jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por
um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal
habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela
Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e
concreta. É de entender que está aqui em causa uma noção do tipo autoritário de
acto definitivo e executório, que conjuga a ideia de definição do direito com a
noção de executoriedade.
Este autor considera ainda que o acto administrativo é uma
figura central, fundamental, do Direito Administrativo. Aliás, cita Sérvulo
Correia que referiu que “apesar de assistirmos nos dias de hoje a uma diversidade
dos modos de conduta administrativa, com perda de peso relativo do acto
administrativo, ninguém minimamente conhecedor das realidades ousará negar que
este é ainda, de longe, em Portugal como nos outros “sistemas de Direito
Administrativo”, a forma mais utilizada no exercício jurídico da função
administrativa”.
Por outro lado, o Prof. Vasco Pereira da Silva contesta o
entendimento tradicional do acto administrativo como figura central e
paradigmática. Isto porque o acto administrativo como acto de autoridade é uma
noção marcadamente autoritária, já inadequada ao Estado social e democrático de
Direito. Mais, já não é hoje, ou não deve ser, a figura central do Direito
Administrativo, sendo melhor substituí-lo pelo conceito de relação jurídica
administrativa. Quererá isto dizer que a acção administrativa especial de
impugnação não poderá ser hoje a única ou principal garantia jurisdicional dos
particulares, sendo de considerar as diferentes acções existentes no
contencioso administrativo, bem como processos urgentes, providências
cautelares, entre outros. Como contrapartida, o Prof. Freitas do Amaral defende
que a figura do acto administrativo, como acto unilateral de autoridade da
Administração, é independente dos regimes políticos dos vários países, sendo
que apenas o seu regime jurídico e garantias dos particulares face aos actos
ilegais é que variam conforme o Estado seja mais ou menos liberal ou
democrático. Aliás, afirma que onde haja Estado, haverá poder, que se exprime
como autoridade por meio de normas e actos concretos.
Para o Prof. Vasco Pereira da Silva, o acto deve ser
definido de forma mais ampla, correspondendo à diversidade e complexidade das
actuações administrativas nos dias de hoje. Assim, deve compreender a
actividade agressiva da Administração e as decisões de natureza prestadora e
conformadora.
Visto isto, os actos não se devem caracterizar pelo efeito
regulador, pois muitos possuem um conteúdo mais material do que jurídico, nem
pela produção individualizada de efeitos relativamente a um concreto
particular, pois os seus efeitos atingem igualmente outros particulares, sujeitos
de relações jurídicas multilaterais.
Observando outros autores, segundo Rogério Soares o acto
administrativo deve definir-se de uma forma restritiva. Este conclui que o acto
administrativo assume o sentido de acto da Administração que está sujeito a
impugnação contenciosa e, por isso, define-se como estatuição autoritária,
relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração no
uso de poderes de Direito Administrativo, pela qual se produzem efeitos
jurídicos externos, positivos ou negativos.
Esta é uma noção restritiva que exclui todas as actuações
administrativas que não possuam a natureza de uma estatuição autoritária, como
sejam a prestação de um bem ou de um serviço. Mais, ao defender que o conceito
de acto administrativo é delimitado em função do objecto do contencioso, e
depois afirmar que certos actos não são recorríveis devido à repartição de
competências em matéria de organização administrativa, parece contraditório. É
ainda de referir que as concepções restritivas não têm em conta os fenómenos do
procedimento, que se tornou um instrumento indispensável da actividade
administrativa quer do ponto de vista da protecção dos interesses individuais
como da obtenção da legalidade e correcção das decisões.
Sérvulo Correia, já referido, tem também uma visão restrita,
pois entende o acto administrativo como a “conduta unilateral da Administração,
revestida da publicidade legalmente exigida, que, no exercício de um poder de
autoridade, define inovatoriamente uma situação jurídico – administrativa concreta,
quer entre a Administração e outra entidade, quer de uma coisa”. Quer isto
dizer que “da conduta da Administração tem de resultar a constituição,
modificação ou extinção de relações intersubjectivas ou a alteração da situação
jurídico-administrativa de uma coisa”. Vem ainda acrescentar que o conteúdo do
acto pode também ser meramente declarativo ou enunciativo, como quando se
procede à verificação de certas qualidades nas pessoas.
Uma vez analisadas diversas posições, é necessário observar
o que se encontra disposto na lei. O ART.120 do CPA, corresponde a um âmbito de
aplicação da noção de acto administrativo que é suficientemente ampla para
abranger todas estas manifestações da Administração. Diz-se que, para os
efeitos da presente lei, se consideram actos administrativos as decisões dos órgãos
da Administração Pública que ao abrigo de normas de direito público visem produzir
efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
Para o Prof. Freitas do Amaral este ART.120 refere-se a decisões,
que constituem algo típico da função jurisdicional, que regula e cria o
direito. Isto visto, se o legislador compara o acto administrativo com uma
decisão, então, segundo a interpretação deste Professor, está a comparar ao
acto a uma sentença, e será por isso executório. Contudo, este argumento não terá
seguimento, pois quando se refere decisões nem sempre se está a comparar com uma
sentença, pois existem decisões políticas e mesmo decisões dos indivíduos.
Outro argumento apontado por este Professor é a referência às normas de direito
público. No entanto este é um mero argumento literal, que não será suficiente
para se extrair uma noção de acto regulador. Isto visto, é de referir que a
noção do CPA não está completa, pois não constituem apenas actos
administrativos as decisões dos órgãos da administração, mas também os próprios
privados quando seguem atribuições públicas. Servirão de exemplo as actuações
dos bombeiros e das associações desportivas.
Mais, por o acto administrativo ser uma actuação que cria,
modifica ou extingue relações jurídicas administrativas, esta ideia (de relação
jurídica) também deveria integrar o conceito de acto administrativo. Não
obstante, o Prof. Freitas do Amaral entende que uma coisa será reconhecer a
inegável importância da relação jurídico-administrativa na construção
dogmática, e outra será extrair dessa a posição a conveniência de estruturar o
plano didáctico da exposição do Direito Administrativo segundo o critério da
relação jurídica, não concordando por isso com esta posição.
Relativamente à exigência da individualidade e da
concretização, esta é relevante no sentido em que nos permite distinguir o acto
administrativo do regulamento, permitindo ainda englobar as realidades intermédias,
que consistirão em situações em que há uma actuação individual mas abstracta,
pois aplicam-se a determinado indivíduo, mas dizem respeito a várias situações
da vida que se sucedem, ou as situações gerais mais concretas, que se aplicam a
todos os indivíduos, mas diz respeito a uma determinada situação. Estas
situações referidas deverão ser pois entendidas como regulamento, pois apenas
para o acto é exigível a individualidade e concretização.
Como conclusão final, creio que poderá definir-se acto
administrativo como qualquer manifestação unilateral de vontade, de
conhecimento ou de desejo, proveniente da Administração Pública e destinada à
satisfação de necessidades colectivas que, praticada no decurso de um
procedimento, se destina à produção de efeitos jurídicos de carácter individual
e concreto.
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