segunda-feira, 8 de abril de 2013

Caso Prático 1


Para a resolução da referida hipótese têm-se em conta o Código do Procedimento Administrativo (CPA) – Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, a Lei das Autarquias Locais (LAL) - Lei nº 169/99, bem como o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) – Decreto-Lei nº 555/99.

Em termos esquemáticos, pretende-se enquadrar a hipótese de forma completa de acordo com a competência legal do órgão, as questões de procedimento, bem como o respectivo cumprimento das regras procedimentais.

Relativamente à competência, importa referir que Afonso solicita uma licença à Câmara Municipal de Cascais.
A Câmara Municipal é o órgão colegial de tipo executivo do município a quem está atribuída a gestão permanente dos assuntos municipais. De frisar que os municípios surgem em resultado de uma vontade constituinte de instituir um verdadeiro poder local, através de uma descentralização da administração pública, sendo que visam a prossecução de interesses próprios da população residente na circunscrição concelhia, mediante órgãos representativos por ela eleitos.
Na medida em que se trata de um município com 100.000 eleitores, estatui o art. 57º, nº2, al.c) LAL que deverá de ser composta por 10 vereadores, sendo um destes vice-presidente (art. 57º, nº3 LAL), para além do presidente (art. 56º, nº1 LAL).
Afonso requer a concessão de uma licença de construção, pelo que terá de se verificar se se enquadra dentro das competências da Câmara. Estabelece o art. 64º da LAL, quanto às matérias de competência de licenciamento e fiscalização, no seu nº 5, al. a), que pode a Câmara “conceder licenças (...) designadamente para construção”, pelo que o órgão ao qual o requerente se dirige é o legalmente habilitado em razão da matéria do pedido.

De seguida, serão analisadas as questões procedimentais, questão de se saber se foram ou não cumpridos todos os trâmites e regras legais. O procedimento administrativo corresponde a uma sequência juridicamente ordenada de actos e formalidades tendentes  à preparação da prática de um acto da Administração ou à sua execução. No presente caso trata-se de um procedimento de iniciativa privada pois depende do requerimento do interessado Afonso – art. 54º CPA.
É composto por seis fases que se apresentam reguladas no CPA, são elas: a fase inicial, a fase de instrução, a fase de audiência dos interessados, a fase de preparação da decisão, a fase da decisão e a fase complementar.

Questão distinta é a de saber se pode a Câmara recusar apreciar um pedido de um interessado pelo facto de já o ter indeferido um ano antes. Com uma primeira leitura do princípio da decisão, estatuído no art. 9º do CPA parece não ser possível, mas não restam dúvidas quanto ao seu nº2 quando determina que sendo “o mesmo pedido formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos” deixa de haver o dever de decisão.
Posto isto, parece de ressalvar que a interferência do vereador, enquanto pai do requerente é violador de vários princípios gerais pelos quais a Administração Pública deve pautar, nomeadamente o princípio da igualdade, justiça e imparcialidade, previstos quer no CPA, nos arts. 5º e 6º, bem como na Constituição da República Portuguesa.

Quanto à maioria de decisão, as regras quanto ao funcionamento dos órgãos estão plasmadas no CPA, sendo uma lei geral, mas, quanto às autarquias locais e os respectivos órgãos, rege a LAL pelo que será de acordo com ela que se analisará o problema.
É o art. 89º da LAL que estipula os requisitos para o quórum. O nº1 impõem para o quórum a maioria do número legal dos membros, sendo que são 10 veradores + o Presidente da Câmara, sendo que seriam necessários 6 membros, pelo que estava preenchido. O caso não fornece dados suficientes, mas tendo como ponto de partida que um dos vereadores seria filho do requerente, há que voltar novamente ao princípio da imparcialidade, presente no já referido art. 6º do CPA e paralelamente aos arts. 44º e 48º do CPA. São estes, dois mecanismos preventivos que o legislador encontrou para evitar a parcialidade nas tomadas de decisão, são eles o impedimento e a escusa e suspensão. Aplica-se ao presente caso a al. b), art. 44º CPA, pelo que tratando-se de um caso de impedimento por ser familiar, o pai de Afonso vir-se-ia impedido de estar presente quer na discussão quer na votação ao abrigo do art. 90º, nº6 do CPA, sendo certo que nada mudaria uma vez que foi tomada por unanimidade.
Uma última nota em relação a esta questão refere-se à possibilidade de Afonso, tendo o seu filho participado na discussão e votação requerer a anulabilidade do indeferimento por violação do disposto no art. 51º do CPA, podendo realizar-se nova discussão e votação.

Passando à análise dos argumentos de indeferimento do requerimento por parte da Câmara Municipal:
Este processo enquadra-se agora na segunda fase, da instrução, regulada nos arts. 86º e ss. do CPA. De acordo com o nº1 do art. 86º CPA, “a direcção da instrução cabe ao órgão competente para a decisão”, logo, à Câmara Municipal que deverá ter em conta a legislação aplicável na matéria em questão, i.e., o Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE).
  •  o requerente não juntou os projectos na especialidade exigidos

O art. 20º, nº4 RJUE estabelece que “o interessado deve apresentar os projectos das especialidades e outro estudos necessários à execução da obra no prazo de seis meses a contar da notificação do acto que aprovou o projecto de arquitectura caso não tenha apresentado tais projectos com o requerimento inicial”, é verdade que estabelece uma obrigação de entrega mas não no requerimento inicial, mais ainda, estabelece o art. 89º, nº1 do CPA cabe à Câmara o poder de pedir aos interessados a prestação de informações  bem como a apresentação de documentos, sendo que no requerimento inicial não são exigidos. No entanto numa fase de apreciação a sua falta, como explicita o nº6, do mesmo artigo atribui como consequência a caducidade e arquivamento oficioso.
  • Construção de um colégio cor-de-laranja ofende a estética da povoação

O art. 20º, nº1 RJUE estipula que a “apreciação do projecto de arquitectura, no caso de pedido de licenciamento relativo a obras previstas nas alíneas c) a f) do nº2 do art. 4º, (...) incide sobre a sua conformidade com restrições de utilidade pública e quaisquer outras normas legais e regulamentares relativas ao aspecto exterior e a inserção urbana e paisagística das edificações”. À primeira vista parece claro que a Câmara poderá fazê-lo, no entanto parece difícil aceitar que somente com base num argumento destes possa o pedido ser indeferido, bastando-se com o pedido de alteração da cor, em conjunção com um princípio de adequação e proporcionalidade.
  • Trata-se de uma zona non edificandi, segundo o plano director municipal

Parece pertinente esclarecer o significado de non edificandi, é uma zona onde não é possível a construção de qualquer construção, seja ela qual for. Assim como o de Plano Director Municipal como sendo um instrumento de ordenamento do território de natureza regulamentar em que a sua elaboração é obrigatória e da responsabilidade dos municípios.
Ora, o RJUE no mesmo art. 20º, remete para os planos directores municipais a conformidade da licença, pelo que parece claro e indubitável que a Câmara se possa fazer valer deste argumento, como razão de indeferimento do pedido de Afonso.
  • Construção com duas chaminés, o que agravaria a poluição atmosférica naquela área

Com os dados fornecidos pelo caso não se torna possível a resolução exacta do caso, isto porque se deveria ter percepção da quantidade de gases emitidos para a atmosfera. É verdade que de acordo com o art. 66º C.R.P. deve haver lugar à preservação do ambiente, mas é também verdade que não é pelo facto de existirem duas ou três chaminés que o fluxo de gases vai aumentar.
  • Construção não respeita distancias mínimas previstas no regime geral das edificações urbanas e no art. 1360º C.C.

Se são estabelecidas distancias mínimas parece lógico que estas devem de ser cumpridas.


No que concerne aos argumentos apresentados pelo Afonso aquando de recurso hierárquico, alega que:
  • Apresentara os projectos na especialidade, tempestivamente, tendo confirmado que constavam do processo

É estabelecida a obrigação de registo do requerimento pelo art. 80º CPA, bem como “o gestor do procedimento regista no processo a junção subsequente de quaisquer novos documentos” art. 9º, nº8 RJUE, pelo que basta examinar se na altura do registo os documentos foram entregues ou não. De frisar que cabe ao órgão competente averiguar os factos (art. 87º CPA) e o ónus da prova, ou seja, a prova dos factos alegados cabe ao interessado (art. 88º CPA).
  • A proibição de pintar o colégio de cor-de-laranja consubstanciava um atentado ao seu direito fundamental à liberdade artística e de expressão pessoal de que, constituía uma manifesta perseguição politica por ser facto sobejamente conhecido que o requerente é militante activo do PPD-PSD

Trata-se, segundo o requerente, de uma violação ao princípio da igualdade, previsto no art. 13º da CRP, bem como no art. 5º do CPA. Afirma ter sido prejudicado com base em discriminações partidárias, no entanto parece um bocado forçoso admitir este argumento, não só, mas também pela falta de mais dados que permitam determinar com exactidão esta alegação. Teria também ela de ser provada com base em factos objectivos.
  • Existem diversas construções naquela área sendo discriminatório que seja o único proprietário que não possa construir

Este argumento remete novamente para um princípio de igualdade. No entanto, se por um lado houve a violação de uma disposição do PDM para determinadas pessoas, parece Afonso achar que teria legitimidade para que para ele também fosse violado. No entanto, tratando-se de uma proibição legal não parece que seja possível em qualquer circunstância ser violada, as normas têm em vista o seu cumprimento. Poder-se-ia colocar a questão de saber se com base na boa fé e na tutela da confiança de Afonso se poderia proceder à autorização da licença mesmo que contrária ao PDM, contudo não parece possível. Quanto muito poderia Afonso ser indemnizado com base nas expectativas que tinha de que a sua licença seria aprovada, mas parece demasiado exagerado admiti-lo.
  • Ao longo do procedimento, em sede de audição dos interessados, tinha-lhe sido dito que o pedido seria diferido, pelo que, inclusive, teria dado início para adiantar trabalho

Ao abrigo do art. 100º, nº1 CPA, e não se aplicando as imposições do art. 103º CPA, os interessados têm o direito a ser ouvidos “devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”. Fácil será deduzir que a probabilidade de certo acontecimento vir a acontecer não tem o mesmo significado de que venha efectivamente a acontecer, não foram dadas certezas algumas a Afonso de que iria ser aprovado. Pode-se, no entanto, compaginar esta incerteza com a defesa de um princípio universal imposto pelo art. 6º-A CPA e art. 266º CRP, o Princípio da Boa-Fé. Este princípio concretiza-se através da observância de três outros sub-princípios a tutela da confiança, a materialidade subjacente e a transparência, tendo-se provado que não foram cumpridos estes princípios, e partindo de uma base de protecção da parte mais fraca (o requerente), deve proteger-se o mesmo através da atribuição de uma indemnização pela frustração da sua confiança.

Pelo exposto, acresce somente clarificar que o pedido de licença por parte de Afonso foi indeferido e bem indeferido. Mesmo que todos os argumentos da Câmara Municipal não se pudessem considerar como válidos, bastaria a proibição do Plano Director Municipal, pelo facto de se tratar de uma zona non edificandi, para não poder em situação ser concedida a mesma.
Todavia, e para terminar, pode o Afonso intentar uma acção de anulação do indeferimento do requerimento contra a Câmara Municipal, com base na violação do princípio de imparcialidade (art. 44º, nº1, al. b) do CPA) pelo seu filho ter participado no procedimento. Mais ainda, embora como já foi referido, forçoso e difícil de provar tais violações, poderia vir a defender os seus direitos com base em princípios da igualdade e boa fé que assume terem sido violentados.

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