1. Afonso
solicitou à Câmara Municipal de Cascais, município com mais de 100.000
eleitores uma licença de construção de um colégio. Afonso poderá fazê-lo
enquanto interessado, de acordo com o ART.54 do Código do Procedimento
Administrativo (daqui em diante referido como CPA). Desde logo, é necessário
aferir se tal será da competência da Câmara Municipal, o que se concluirá pela
positiva, através do ART.64/5, al. a) da Lei nº169/99. Por ter mais de 100.000
eleitores, segundo o disposto no ART.57/2, al. c) da mesma Lei, a Câmara
Municipal terá dez vereadores, num total de onze membros (vereadores mais
Presidente da Câmara). Estando presentes seis membros, a Câmara decide, por
unanimidade, no sentido do indeferimento do pedido. Segundo o ART.89/1 da
supracitada lei, para que um órgão da autarquia local possa reunir e deliberar,
é necessário que estejam presentes a maioria do número legal dos seus membros,
o que será o caso. O ART.89/2 refere ainda que as deliberações são tomadas à
pluralidade de votos, o que estará também verificado, visto se ter decidido unanimemente.
Contudo, sabe-se que o filho de Afonso era vereador da Câmara, encontrando-se
então violado o princípio da imparcialidade, isto é, e tendo em conta o ART.6
do CPA, o tratamento de forma justa e imparcial de todos os que entram em
relação com a Administração Pública. Segundo o ART.45/1, al. b) do CPA nenhum
titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em
procedimento administrativo ou em acto ou contrato de direito público ou
privado da Administração Pública quando por si nele tenha interesse, entre
outros casos apresentados, algum parente em linha recta. Ainda de acordo com o
ART.90/6 da Lei nº169/99 não podem estar presentes no momento da discussão nem
da votação os membros do órgão que se encontrem ou se considerem impedidos. Assim,
por o vereador, filho de Afonso, se encontrar impedido de participar na reunião,
o acto de indeferimento será anulável conforme o ART.51/1 do CPA.
Visto isto, Afonso poderia recorrer a decisão. Contudo, não o deveria
fazer directamente ao Presidente, mas antes ao plenário da Câmara Municipal,
como se conclui pelo disposto no ART.65/6 e 7 da já referida Lei nº169/99.
Feita a introdução em relação ao geral do caso, torna-se agora necessário
analisar os argumentos apresentados pela Câmara em relação ao indeferimento do
pedido. Para tal, é necessário ter em conta o Regime jurídico da urbanização e
da edificação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro e
alterado e republicado pelo Decreto-Lei nº 177/2001, de 4 de Junho.
Em relação ao argumento de que o requerente não juntou os projectos na
especialidade exigidos por lei, sabemos que tal é exigido pelo ART.20/4 do
referido Regimento que estabelece que "o interessado deve requerer a
aprovação dos projectos das especialidades necessários à execução da obra no
prazo de seis meses a contar da notificação do acto que aprovou o projecto de
arquitectura, caso não tenha apresentado tais projectos com o requerimento
inicial”.
Quando a Câmara afirma que a construção de um colégio cor-de-laranja
ofende a estética da povoação, temos de ter em conta o ART.20/2 que estatui que
a apreciação da inserção urbana das edificações é efectuada na perspectiva
formal e funcional, tendo em atenção o edificado existente, bem como o espaço
público envolvente e as infra-estruturas existentes e previstas. Visto isto, e
sendo o laranja uma cor forte e vistosa, se se provar que se facto não se
insere com a restante estética da população, então a licença poderia ser
recusada.
Argumentam também que não é possível construir naquela área porque se
trata de uma zona non aedificandi segundo o Plano Director Municipal. Aqui é de
ter em conta o ART.20/1, que estabelece que a apreciação do projecto deve ter
em conta a sua conformidade com planos municipais de ordenamento do território.
Não estando, não poderia ser aprovado.
É ainda referido o facto de que a construção tem duas chaminés o que
agravaria a poluição atmosférica daquela área. O ART.20/1, já referido, refere
ainda que a apreciação do projecto de arquitectura deve ter em conta medidas
preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário, restrições de
utilidade pública, outras normas legais relativamente ao aspecto exterior e a
inserção urbana e paisagística das edificações. Aqui poderá inserir-se o
cuidado com o ambiente e sua protecção, que poderia levar à recusa do projecto,
por o afectar gravemente.
Finalmente, referem que construção não respeita as distâncias mínimas
previstas no Regime Geral das Edificações Urbanas e no ART.1360 do Código
Civil. Se tal se comprovar, então a licença deverá ser recusada.
Por outro lado, cabe-nos analisar a resposta a estes argumentos
apresentada por Afonso, e que seguiram para recurso.
Desde logo Afonso afirma que apresentara os projectos na especialidade
tempestivamente, tendo confirmado que constavam no processo. Caberia a este
provar tal facto, e se se tal se comprovasse, então o projecto não poderia ser
recusado com esse pretexto.
De seguida argui que a proibição de pintar o colégio de cor-de-laranja
consubstanciava um atentado ao seu direito fundamental à liberdade artística e
de expressão pessoal, além de que constituía uma manifesta perseguição política
o seu facto sobejamente conhecido que o requerente é militante activo do
PPD-PSD. Mais uma vez cabia a Afonso provar que a recusa em relação à cor do
colégio era de facto devida a tal perseguição. Caso fosse, estaríamos perante
uma violação do princípio da igualdade, estatuído no ART.5 do CPA. No entanto,
tal será de difícil prova e, tendo em conta o número 2 do mesmo artigo, quando
as decisões da Administração colidam com direitos subjectivos dos particulares,
só poderão afectar tais posições em termos adequados e tendo em conta a
proporcionalidade. Visto laranja ser, como já foi referido, uma cor forte e que
poderá chocar com a restante população, poderá justificar-se a recusa.
Sob o mesmo princípio da igualdade, Afonso afirmou que existem diversas
construções naquela área, sendo discriminatório que seja o único proprietário
que não possa construir. Contudo, poderemos estar perante duas situações. Ou a
Administração agiu ilegalmente antes, o que não justifica outra actuação
ilegal, ou houve uma alteração do Plano Municipal, de modo a que se tenham
podido autorizar as anteriores construções, e não a de Afonso.
Finalmente, Afonso referiu que ao longo do procedimento, nomeadamente em
sede de audição dos interessados, tinha-lhe sido dito que o pedido seria
deferido pelo que, inclusive, podia dar início às obras, para adiantar
trabalho. De facto o ART.100 do CPA, relativamente à audiência dos
interessados, refere que estes têm o direito de ser ouvidos no procedimento
antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados sobre o sentido
provável desta. Este artigo está directamente relacionado com o ART.6-A, quando
à boa fé, que refere desde logo que, no exercício da actividade administrativa,
a Administração Pública deve ponderar os valores fundamentais do direito,
nomeadamente a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa.
Assim, apesar da afirmação de que o pedido iria ser deferido, tal não é vinculativo,
nem poderá obrigar à aprovação final pela Câmara Municipal. Contudo, se Afonso
já tivesse de facto começado as obras, então poderia ter direito a uma
indemnização.
Concluindo,
e por todos os factos expostos, compreende-se que o pedido tenha sido
indeferido, sendo provável que o voltasse a ser em sede de recurso.
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