A nossa procura pelo acto administrativo perdido inicia-se nos
finais do século XIX com a lógica do positivismo defendida pelos autores Otto
Mayer (positivismo científico) e Moris Hauriou (positivismo sociológico).
o direito Administrativo teve como base uma lógica liberal e
de actuação agressiva segundo a qual se procura reduzir a realidade jurídica a
um conjunto de conceitos que traduzam a função central do direito. no direito
privado este conceito-chave era o contrato, no direito Público tornou-se o acto
administrativo. Otto Mayer promoveu esta separação dos conceitos jurídicos da
realidade envolvente enquanto Hauriou, apesar de também positivista, defender
mais o direito enquanto produto da sociedade e que reagia sobre esta. O acto
que se considerava era o acto de polícia, ou seja, uma administração cujo único
objectivo era controlar a sociedade pondo em causa os direitos dos
particulares. Mayer defende que cabia ao Estado executar o direito através do
acto no caso concreto definindo o direito/dever do súbdito (particular visto
como objecto ou súbdito da Administração e não como sujeito de direitos).
Ao contrário dos particulares, considerados meros objectos
nas mãos do Estado, a Administração Pública gozava de privilégios exuberantes
justificados pela lógica autoritária do acto administrativo como o privilégio definitório
(definia o direito aplicável ao particular) e o executório (execução prévia das
suas próprias decisões). Neste sentido nasce a ideia de monopólio da actuação administrativa
através de um acto visto em termos autoritários e de possível aplicação coactiva.
Marcello Caetano, influenciado pelos autores acima referidos,
via o acto como decisão final da Administração trazendo para Portugal o
conceito de acto enquanto de execução coactiva e autoritária. Dada a sua
influência na elaboração legislativa e jurisprudencial, a sua actuação jurídica
no período do regime autoritário foi inegável.
Com o Estado Social deu-se a crise da concepção atocêntrica
perdendo o acto administrativo a dimensão de primazia e começou a procura por
novos centros para o Direito Administrativo. Deixou de ser exclusiva a visão de
acto administrativo como executório e definitivo para passar el próprio a criar
direitos a favor dos particulares. a função mais importante o Estado, nesta
época, torna-se a administrativa, é a função das funções. O Direito em si
torna-se um mero meio de realização das actividades da Administração.
Ainda nos anos 70 a situação se alterou com a crise do Estado
Social e o aparecimento de novos direitos fundamentais ligados ao consumo,
saúde, energia, ambiente que tornaram as relações jurídicas multilaterais, ou
seja, deixam de afectar apenas os seus destinatários directos para atingir
também os interesses de terceiros.
Hoje a situação é diferente pois encontramos outros centros
para o Direito Administrativo como o procedimento ou a relação jurídica. Acto deixou
de ser a única opção e tornou-se uma de várias formas de actuação possíveis,
sendo hoje a escolha de actuação da Administração como um pronto-a-vestir em
que em vez de uma opção sem escolha, se tem uma selecção de alternativas. O acto administrativo hoje não define o
direito nem é susceptível de imposição coactiva, mas sim, actuando para satisfazer
as necessidades colectivas (acto como meio para atingir um fim), uma vez que a actuação
administrativa deixa de ser sempre desfavorável para a esfera do particular.
A procura por outros centros para a actuação administrativa
iniciou-se no Direito Italiano com Zanobini. Deixa de interessar apenas o fim
mas também a forma como a Administração chegou àquela decisão, ou seja, passa a
considerar-se o procedimento administrativo como possível centro. Também na
Alemanha se procedeu a esta procura analisando-se mais atentamente a relação jurídica
dos particulares com a Administração Pública, uma realidade mais envolvente
porque inclui relações jurídicas subjectivas, procedimentais, processuais,
enquanto o procedimento em si não, é mais restrito.
O Professor Vasco Pereira da Silva concorda com a doutrina
alemã sobre a relação jurídica uma vez que se torna mais abrangente na actuação
administrativa pois inclui todas as relações entre particulares, órgãos e
administração, mas também pela sua utilização no próprio direito português, no
artigo 212º da Constituição da República Portuguesa e no próprio CPA.
Concluindo, actos administrativos não são apenas as decisões
da administração, mas também actuações dos particulares que intervêm na
realidade administrativa. A função administrativa ganha uma forma de actuação agressiva,
prestacional mas também infraestrutural em que se pretende a satisfação das
necessidades colectivas considerando-se o Estado enquanto estando ao serviço
dos particulares.
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