sábado, 27 de abril de 2013

Noção de Acto Administrativo



A noção de Acto Administrativo surgiu pela primeira vez em França, no séc. XIX, sendo este período marcado pelo Estado Liberal. A Administração do Estado Liberal era tida como uma Administração pouco actuante por um lado, intervindo o mínimo possível, e agressiva por outro, sendo que quando agia, agredia. O acto administrativo era nesta concepção de Direito Administrativo, o seu centro.
Quando surge o acto administrativo, este era sinónimo de toda e qualquer actuação da Administração, sendo que não tinham os tribunais competência para apreciar esses actos. Existia então um contencioso próprio da administração, estando vedada por lei, a possibilidade de apreciação dos actos administrativos pelos tribunais. A este momento, o Prof. Vasco Pereira da Silva atribui a denominação de “Pecado Original”.

O conceito de acto administrativo torna-se mais restrito no momento posterior, ao qual o Prof. Vasco Pereira da Silva apelida de “fase do baptismo”. Este estreitamento da noção ampla de acto administrativo foi resultado da progressiva jurisdicionalização do contencioso administrativo. Surgem verdadeiros tribunais que apreciam e fiscalizam a actuação da administração. Deixa assim de haver um auto controlo da administração para passar a haver uma efectiva tutela judicial. A noção de acto passa ser usada para “definir as actuações da Administração Pública sujeitas ao controlo dos tribunais administrativos. O acto administrativo passou a ser um conceito que funciona ao serviço das garantias dos particulares” (Freitas do Amaral, Dirito A., vol III, cit., pp 60 e 61).
No período do Estado Liberal era caracterizado por ser um acto definitivo e executório. Definitivo, no sentido que decidia o direito aplicável ao caso concreto, e executório, pois era susceptível de execução coactiva contra a vontade dos particulares. É esta a concepção clássica deste instrumento de actuação da Administração.

Podem-se destacar dois autores deste período liberal, responsáveis pela conceptualização doutrinária do acto administrativo: Otto Mayer e Maurice Hauriou.
Ambas as concepções são “acto-cêntricas”, positivistas, procuravam encontrar um conceito que fosse suficientemente amplo para explicar toda a realidade. Não são autores exactamente contemporâneos mas, do ponto de vista teórico, correspondiam a visões diferentes.
Otto Mayer comparava o acto à sentença judicial, na ideia de que definia o direito do súbdito no caso concreto, e era susceptível de execução coactiva. Sendo que, para este só existia o acto administrativo desfavorável.
Já Hauriou, defende uma construção mais aberta - positivismo sociológico. Administração de serviço público com alguma acção prestadora. Já não parte da assimilação às sentenças, usa o método da contraposição. Contrapõe o acto administrativo ao negócio jurídico. Da sua interpretação resultam então os poderes exorbitantes da Administração: poder de definição do Direito e o poder de execução coactiva – privilégio da execução coactiva.


Com o surgimento do Estado Social este conceito foi posto em causa. No entanto, não deixa de ser verdade que, em certos países a noção de acto como definitivo e executório perdurou até mais tarde do que noutros. Tomando como exemplo o caso português, essa concepção só foi afastada com a Constituição de 1976, mais concretamente, na revisão de 1986. No sistema legislativo, a noção de acto administrativo definitivo e executório dura até 2004 como critério para distinguir os actos que eram impugnáveis dos que não eram – a designada, impugnabilidade do acto.

O Estado chama a si novas funções, passando-se de uma administração retraída, agressiva e autoritária para uma administração prestadora.
O acto deixa de ser a forma de actuação da Administração para passar a ser uma das formas de actuação da Administração.
O acto administrativo deixa, com o Estado Social, de ser uma acto polícia, com as características de definitivo e executório, para passar a ser um acto prestador. Na sua generalidade, os actos deixam de ser executórios e definitivos. A este momento, denominou o Prof. Vasco Pereira da Silva de “fase do Crisma”.
Os actos na função prestadora são actos positivos, de atribuição de direitos. A diferença entre a administração agressiva e prestadora resulta da função estadual que predomina numa e noutra.
Surgem os actos favoráveis, a Administração que actua para satisfazer necessidades colectivas. O Direito já não é o fim, mas um instrumento para chegar a um fim.
O problema agora é a execução contra a administração, não a execução contra a vontade dos particulares.
  
Com a crise do Estado Social, também o acto administrativo se vai transformar. Há uma afirmação de novos direitos fundamentais que convertem as relações jurídicas em multilaterais: deixa de haver a criação de direitos e obrigações relativamente aos destinatários, passando a afectar também outros que não os destinatários. Estes devem ser considerados como sujeitos de uma relação jurídica.
Esta nova realidade traz aquilo que corresponde a outra categoria, a realidade de definição de direito torna-se numa realidade marginal.
Surge um novo tipo de acto, o acto com eficácia múltipla, acto que produz efeitos a uma multiplicidade de sujeitos. Decisões que mesmo individuais e concretas afectam uma multiplicidade de sujeitos – ex: decisão de construir uma ponte, aeroporto. É um acto característico da administração infra-estrutural dos nossos dias.
O conceito de acto definitivo e executório, não e mais adequado, é preciso encontrar uma definição que abranja actos de administração prestadora, geradora e infra-estrutural.

Em suma, e de acordo com o Professor Freitas do Amaral, o conceito de acto administrativo apareceu como modo de delimitar certos comportamentos da Administração em função da fiscalização da actividade administrativa pelos tribunais, tendo, dessa perspectiva, em primeiro servido como garantia da Administração, e, depois, como garantia dos particulares.

Presentemente existem duas concepções de acto administrativo. Uma concepção restrita, característica do Direito alemão e do Direito austríaco e uma concepção ampla, típica dos países latinos.

Concepção ampla: corresponde a uma orientação francesa, que é a dominante em Portugal. O acto surge como simples produtor de efeitos jurídicos, deixando em aberto a possível distinção entre actos recorríveis de actos não recorríveis.

Concepção restrita: correspondente a uma orientação alemã e autríaca. Sendo que em Portugal é defendida pelos professores Rogério Soares, Sérvulo Correia, Vireia de Andrade, e mais recentemente, pelo prof. Freitas do Amaral.
Defendem, portanto, que a noção de acto administrativo concerne somente aos actos recorríveis, sendo um acto regulador ou produtor de efeitos novos relativamente ao particular.

No art. 120º CPA, o legislador adoptou por efeitos de natureza procedimental uma noção ampla e aberta. Aquilo que para o legislador do CPA foi decisivo era o facto de se tratar de uma actuação unilateral que produzia efeitos jurídicos numa situação individual e no caso concreto.
O preceito não deve de ser tomado como uma definição legal que correponda a uma construção conceptual imperativa. O legislador procurou encontrar um conceito operativo para a delimitação do âmbito material de aplicação do Código.

Partindo da lei, aquilo que o legislador fez no CPA, com eficácia limitada, e somente pedagógica, sem intenção de regular, é ainda assim ampla, mesmo que devendo de ser completada e estando sujeita a sofrer alguma alteração.
O artigo identifica a manifestação de uma vontade, logo corresponde a um acto de natureza volitiva. São actos administrativos, os que visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta – lógica que corresponde a uma lógica minimalista do ponto de vista definitório e que correspondendo a esta realidade permite enquadrar positivamente a maior parte dos actos administrativos.
Tal como já foi afirmado não é uma noção unívoca, surgem algumas interpretações restritivas. Em Lisboa era limitada pelo acto definitivo e executório vinha já de Hauriou.
Curiosamente em Coimbra, prof. Rogério Soares, põe em causa a definição de acto executório e definitivo – em vez de executoriedade deve ser eficácia (produzir efeitos jurídicos). Adopta posição mais ampla, ao mesmo tempo, com base no código de processo administrativo alemão, dizia que era uma acto regulador – não tinha de ser executório, mas sim regulador, tinha de corresponder de alguma maneira a uma definição de definitivo. Significa isto, que é uma solução a meio caminho.
Prof. Vasco Pereira da Silva, defende que não tem de ser regulador.
Escola de Coimbra, desde os anos 60, adopta noção mais ampla do que a noção de acto definitivo e executório, mas menos ampla do que acto de produção de actos jurídicos. Tinha o efeito de determinar o acesso ao juiz.
O Professor Freitas do Amaral presentemente invoca 2 argumentos para noção restritiva:
1.   O facto do art. 120º CPA referir que se trata de decisões dos órgãos, decisões típicas da função jurisdicional ou seja, definição de direitos em que se compara o acto à sentença.
2.     Serem normas de direito público: não há carácter restritivo.
Para o Prof. Vasco Pereira da Silva, estes argumentos literais não são suficientes para ser um acto regulador. Os autores que adoptam esta posição em Portugal, sofrem das “dores de alma que sofrem os alemães”, sendo a noção legal muito restrita, tendo depois de se alargar o conceito a nível doutrinal.

Para refutar tais argumentos, os defensores da versão ampla que não são apenas actos administrativos, os actos da administração. Também os privados o fazem, resulta da lógica europeia, e da lógica infra-estrutural: ex: construção de uma auto-estrada. Ademais, os particulares que exercem funções administrativas, como os bombeiros, praticam actos administrativos, na medida das funções que desempenham. Decisão representa manifestação de vontade, que tanto pode ser exercida por particulares quer pela administração publica.

Quanto à produção de efeitos jurídicos, a realidade que código consagrou para distinguir o acto de regulamento foi o facto de se tratar de uma situação individual e concreta. Não é um negócio, nem uma realidade bilateral, depende somente da vontade da administração. De uma vontade unilateral enquanto realidade individual e concreta. O Professor Vasco Pereira da Silva afirma que a exigência da individualidade e da concretude só aparece para os actos administrativos e não para os regulamentos. Permitem estes englobar as realidades intermédias, situações em que há uma actuação que é individual mas abstracta, ou actos gerais mas concretos.
O que estiver a meio caminho da generalidade e da abstracção, e não for individual e concreto é regulamento.

Trabalho realizado por:
- Carolina Botelho Sampaio
- Maria Helena Martins
- Sebastião Lorena

Sem comentários:

Enviar um comentário