O
principal objecto desta análise será a actividade administrativa de direito
público, que pode ser formal e informal, jurídica e
material.
Impõe-se
assim, o estudo detalhado das actuações
jurídicas formais de direito público da Administração: o regulamento
e o acto
administrativo, cujo regime geral procedimental e substantivo consta do
Código de Procedimento Administrativo (CPA), bem como o contrato administrativo.
Mas
temos que lembrar que a actividade administrativa sempre envolveu também:
- Actos jurídicos instrumentais, que podem ser preparatórios (abertura de concurso, pareceres, relatórios de exames), executivos (alvarás, ordens de execução) e comunicativos (notificações, publicações de decisões administrativas);
- Acções ou Operações Materiais , que podem ser de exercício (prestação de serviços aos utentes, campanhas de esclarecimento, vigilância e coacção directa policial, vistorias, obras) e de execução (demolições, pagamentos, ocupação de terrenos);
- Declarações negociais (por exemplo, sobre a validade e a interpretação de cláusulas no âmbito da execução de contratos administrativos);
- Actuações informais, que apesar de não estarem juridicamente reguladas, têm relevância jurídica prática e efectiva, de incentivo, de cooperação, de ameaça, de aviso – são actuações jurídico-fundamentais – por exemplo: declarações administrativas de intenção; recomendações e advertências.
No
entanto, como foi dito, impõe-se aqui o estudo mais aprofundado do regime das
formas típicas mais solenes da actividade administrativa de direito público: o regulamento administrativo
(norma geral e abstracta emitida no exercício da função administrativa), o acto administrativo (decisão
unilateral de autoridade, concreta e, em regra, individual) e o contrato administrativo (acordo
de vontades desigual).
I. O
regulamento Administrativo
Os
regulamentos
são quaisquer normas emanadas pelos
órgãos ou autoridades competentes no exercício da função administrativa, com
valor infra-legal (“regulamentar”) e
destinadas em regra, à aplicação das leis ou de normas equiparadas
(nomeadamente, as disposições normativas directamente aplicáveis da União
Europeia).
Esta
noção ampla abrange, além dos regulamentos tradicionais, os estatutos
auto-aprovados e entes corporativos (associações públicas) ou institucionais
(universidades), os regimentos de órgãos colegiais, as convenções
administrativas de carácter regulamentar, os planos de gestão territorial e os
programas de concursos, designadamente na contratação pública. A importância da
actividade regulamentar manifesta-se, quer na organização dos serviços
administrativos – regulamentos orgânicos – e na disciplina de funcionamento da
administração – regulamentos funcionais ou operacionais -, quer na regulação
das relações jurídicas entre entes públicos e particulares, entre entes
públicos e entre particulares.
Em
Portugal, não existindo uma reserva constitucional de regulamento e dispondo o
Governo de poderes legislativos normais sobre quaisquer matérias que não sejam
reservadas pela Constituição ao Parlamento, o espaço regulamentar estadual é
frequentemente ocupado por decretos-leis, seja porque estes disciplinam
aspectos secundários ou detalhados dos regimes jurídicos, seja porque as leis,
ao disciplinarem as bases gerais dos regimes, determinam que a respectiva
regulamentação se faça sob a forma de decreto-lei (“decretos-leis
regulamentares). Todavia, importa sublinhar, o dever de citação da lei habilitante, constante do artigo
112º7 da CRP, o qual exige, como corolário do princípio da precedência de lei,
que o próprio texto do regulamento indique expressamente a(s) lei(s) que visa
regulamentar ou que define(m) a competência subjectiva ou objectiva para a sua
emissão.
Independentemente
deste dever, os regulamentos administrativos podem revestir diversas formas,
entre as quais cumpre destacar:
- Regulamentos do Governo: a forma mais solene destes actos normativos reconduz-se ao decreto regulamentar, enquanto regulamento, aprovado em Conselho de Ministros e sujeito a promulgação do Presidente da República e a referenda ministerial; o artigo 112º6 CRP, obriga a adopção desta forma quanto aos regulamentos independentes. Os demais regulamentos do Governo podem assumir-se formalmente como Resolução do Conselho de Ministros, Portaria (genérica) e Despacho Normativo;
- Regulamentos Regionais: no interior destes, torna-se possível distinguir entre o decreto legislativo regional ( regulamentos de leis ou decretos-leis, emanados pela Assembleia Legislativa da respectiva Região Autónoma) e o decreto regulamentar regional (regulamento emanado pelo Governo Regional);
- Regulamentos Municipais: dentro destes, assumem especial relevância as posturas, que consubstanciam regulamentos de polícia.
O
regulamento caracteriza-se, como já foi dito, como norma geral (com
destinatários indeterminados) e abstracta (aplicável a situações
da vida indeterminadas), de execução permanente (“vigência
sucessiva”), e distingue-se do acto administrativo em sentido estrito (com
destinatários individualizados e relativo a uma situação concreta).
Exemplos Práticos: Portarias de Regulamentação do
Trabalho (PRT) de 2 de Maio de 1975 e 20 de Julho de 1975; Decreto Regulamentar
nº25/2009 de 14 de Setembro
II. O Acto Administrativo
O
acto administrativo em sentido próprio, não é qualquer acto praticado pela
Administração: é um acto regulado por
disposições de direito público, um acto jurídico decisório (manifestação de
vontade ou de ciência), praticado no
exercício de poderes de autoridade, relativo a uma situação (individual e) concreta e, em princípio, com eficácia
externa.
O
conceito de “acto administrativo” foi construído na época liberal, quando era
tipicamente um acto de autoridade, em regra desfavorável, no contexto de uma
administração “agressiva”. Na transição para o Estado Social, perante a
intensificação e diversificação da actividade dos órgãos administrativos no
exercício da função administrativa, o conceito de acto administrativo passa a
abranger também actuações autorizativas, concessórias, de prestação, de
regulação e de incentivo, mas, nos sistemas de administração executiva,
continua a ser uma forma específica de actuação administrativa que importa
delimitar.
Actualmente,
é possível definir um conceito consensual de acto administrativo em sentido amplo: acto jurídico, unilateral e
concreto, subordinado a um regime de direito público – que se distingue
e contrapõe aos actos de direito privado, às acções materiais, aos contratos
administrativos e aos regulamentos.
A
construção originária do “acto administrativo unilateral” tinha na sua raiz uma
razão de ser autoritária – constituía um instrumento privilegiado da autoridade
para garantia da prossecução efectiva do interesse público -, mas, mais tarde,
tornou-se também uma garantia de protecção efectiva dos direitos e interesses
legalmente protegidos dos particulares.
Apesar
da perda da posição central que ocupava, o acto administrativo sobrevive, ainda
que necessariamente transformado, na medida da subsistência do sistema de
administração executiva e das funções que aí desempenha.
A
manutenção actual de um conceito restrito de “acto administrativo”
fundamenta-se na necessidade de uma construção jurídica substantiva coerente e
homogénea, com relevo doutrinal e prático, que englobe os actos principais da
Administração, i.e. aquelas decisões administrativas às quais a lei reconhece
força jurídica para a definição unilateral da esfera jurídica dos particulares.
Neste domínio, pode ser marcante uma razão prática: o controlo jurisdicional da
actividade administrativa justifica-se designadamente para aqueles actos que,
pela sua natureza – por serem decisões de autoridade com efeitos externos, que
afectam interesses dos particulares e são potencialmente lesivos das posições
jurídicas destes -, devam estar sujeitos à garantia constitucional de
impugnação judicial para uma protecção jurisdicional efectiva dos cidadãos. No
entanto, hoje este argumento não é decisivo, porque a garantia judicial
efectiva dos particulares perante a Administração é plena e não está limitada à
impugnação de decisões administrativas.
Hoje
predomina na construção do acto administrativo a razão de ser dogmática: a
definição deve conter uma ideia ordenadora capaz de suportar um regime
substantivo global e coerente no âmbito das relações jurídicas de direito
público.
Procura-se
então, um conceito que seja adequado de uma perspectiva funcional e estrutural:
um conceito que cumpra as funções caracterizadoras da forma e forneça um quadro
de referência adequado a um regime substantivo específico no âmbito das
relações jurídicas de direito público.
Em
relação aos problemas de delimitação do acto administrativo em sentido estrito,
as divergências doutrinais mais importantes estão associadas à complexificação
do procedimento administrativo, designadamente quanto às pré-decisões sem
eficácia externa (que determinam os efeitos, mas não os constituem na ordem
jurídica, porque não alteram, só por si, a esfera jurídica dos destinatários),
como, por exemplo, os pareceres obrigatórios e vinculantes e outras
deliberações preliminares ou pré-decisões em procedimentos complexos. Estas
figuras levantam dificuldades à aplicação plena do regime substantivo (no que
respeita à eficácia, validade e força jurídica) e procedimental (quanto às
exigências de audiência previa, de notificação ou publicação) estabelecido para
os actos administrativos. Mas, em contrapartida, sugerem a conveniência, hoje
reconhecida pela jurisprudência administrativa, da sua impugnação judicial por
terceiros ou, se for o caso disso, por órgãos de outros entes administrativos
ou até da mesma pessoa colectiva.
Algumas
espécies doutrinárias de actos administrativos com relevo prático:
- Actos de eficácia duradoura, cujos efeitos não se esgotam no momento da sua prática e criam uma relação jurídica que se prolonga no tempo;
- Actos negativos , designadamente o indeferimento expresso de requerimentos e a recusa de apreciação de pedidos;
- Actos constitutivos de direitos e interesses legalmente protegidos, enquanto actos que constituem efeitos jurídicos favoráveis na esfera jurídica dos destinatários ou de terceiros;
- Actos provisórios, cujos efeitos dependem de uma futura pronúncia definitiva;
- Actos precários, por estarem sujeitos a revogação ou por os seus efeitos dependerem de “condições resolutivas”;
- Pré-decisões, entendidas como os actos que, precedendo o acto final de um procedimento ou um acto que define a situação jurídica do interessado no âmbito de outro procedimento, decidem, peremptória ou vinculativamente, sobre a existência de condições ou de requisitos de que depende a prática de tal acto.
Exemplos Práticos: Despacho n.º 14066/2010 publicado na 2ª
Serie do Diário da Republica - O acto de registo praticado pelo Senhor Ministro
ao registar os estatutos do ISCIA-Instituto Superior de Ciências da Informação
e da Administração, conforme é referido no preambulo desse despacho é um acto
administrativo.
III. Contratos Administrativos
Por
último, importa fazer uma breve referência às ideias-base dos contratos
administrativos.
Em
Portugal, como em outros países de influência francesa, a admissibilidade e a
utilização de contratos de direito administrativo limitou-se inicialmente à
satisfação de necessidades de gestão, para delegação da execução de obras e
aquisição de bens e serviços.
Estes
contratos constituíam tipicamente, contratos de colaboração subordinada,
entendidos como contratos privados transformados, nos quais se incluíam
cláusulas exorbitantes, que implicavam a reserva de poderes por parte da
Administração para realização do interesse público. A partir dos finais do
século XX, produziram-se transformações que vieram tornar o “contrato
administrativo” como uma figura de direito público.
Atendendo
ao Professor Freitas do Amaral o contrato administrativo é um modo do exercício
da função administrativa que se pode definir como: o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma
relação jurídica administrativa – note-se que era este o conceito,
anteriormente, estabelecido no CPA. Todavia, o Código dos Contratos Públicos
(CCP), aprovado pelo Decreto-Lei nº18/2008, de 29 de Janeiro, segue um caminho
diferente, adoptando dois conceitos polarizadores, embora parcialmente
sobreponíveis, para efeitos de delimitação do respectivo âmbito de aplicação,
que abrange por um lado, a contratação administrativa (formação do contrato) e,
por outro, o regime substantivo da relação contratual (execução do contrato).
Exemplos Práticos: contrato de concessão entre o Estado
Português e Águas do Douro e Paiva, S.A.
Bibliografia:
- DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2ª ed., Almedina, 2012;
- VASCO PEREIRA DA SILVA, Em busca do Acto administrativo perdido, Almedina, 1995.
Sara
Rodrigues da Costa, nº140110123
Sem comentários:
Enviar um comentário