quinta-feira, 18 de abril de 2013

O Regulamento, o Acto e o Contrato Administrativo


O principal objecto desta análise será a actividade administrativa de direito público, que pode ser formal e informal, jurídica e material.
Impõe-se assim, o estudo detalhado das actuações jurídicas formais de direito público da Administração: o regulamento e o acto administrativo, cujo regime geral procedimental e substantivo consta do Código de Procedimento Administrativo (CPA), bem como o contrato administrativo.

Mas temos que lembrar que a actividade administrativa sempre envolveu também:
  • Actos jurídicos instrumentais, que podem ser preparatórios (abertura de concurso, pareceres, relatórios de exames), executivos (alvarás, ordens de execução) e comunicativos (notificações, publicações de decisões administrativas);
  • Acções ou Operações Materiais , que podem ser de exercício (prestação de serviços aos utentes, campanhas de esclarecimento, vigilância e coacção directa policial, vistorias, obras) e de execução (demolições, pagamentos, ocupação de terrenos);
  • Declarações negociais (por exemplo, sobre a validade e a interpretação de cláusulas no âmbito da execução de contratos administrativos);
  • Actuações informais, que apesar de não estarem juridicamente reguladas, têm relevância jurídica prática e efectiva, de incentivo, de cooperação, de ameaça, de aviso – são actuações jurídico-fundamentais – por exemplo: declarações administrativas de intenção; recomendações e advertências.
No entanto, como foi dito, impõe-se aqui o estudo mais aprofundado do regime das formas típicas mais solenes da actividade administrativa de direito público: o regulamento administrativo (norma geral e abstracta emitida no exercício da função administrativa), o acto administrativo (decisão unilateral de autoridade, concreta e, em regra, individual) e o contrato administrativo (acordo de vontades desigual).

    I. O regulamento Administrativo


Os regulamentos são quaisquer normas emanadas pelos órgãos ou autoridades competentes no exercício da função administrativa, com valor infra-legal (“regulamentar”) e destinadas em regra, à aplicação das leis ou de normas equiparadas (nomeadamente, as disposições normativas directamente aplicáveis da União Europeia).

Esta noção ampla abrange, além dos regulamentos tradicionais, os estatutos auto-aprovados e entes corporativos (associações públicas) ou institucionais (universidades), os regimentos de órgãos colegiais, as convenções administrativas de carácter regulamentar, os planos de gestão territorial e os programas de concursos, designadamente na contratação pública. A importância da actividade regulamentar manifesta-se, quer na organização dos serviços administrativos – regulamentos orgânicos – e na disciplina de funcionamento da administração – regulamentos funcionais ou operacionais -, quer na regulação das relações jurídicas entre entes públicos e particulares, entre entes públicos e entre particulares.

Em Portugal, não existindo uma reserva constitucional de regulamento e dispondo o Governo de poderes legislativos normais sobre quaisquer matérias que não sejam reservadas pela Constituição ao Parlamento, o espaço regulamentar estadual é frequentemente ocupado por decretos-leis, seja porque estes disciplinam aspectos secundários ou detalhados dos regimes jurídicos, seja porque as leis, ao disciplinarem as bases gerais dos regimes, determinam que a respectiva regulamentação se faça sob a forma de decreto-lei (“decretos-leis regulamentares). Todavia, importa sublinhar, o dever de citação da lei habilitante, constante do artigo 112º7 da CRP, o qual exige, como corolário do princípio da precedência de lei, que o próprio texto do regulamento indique expressamente a(s) lei(s) que visa regulamentar ou que define(m) a competência subjectiva ou objectiva para a sua emissão.

Independentemente deste dever, os regulamentos administrativos podem revestir diversas formas, entre as quais cumpre destacar:
  • Regulamentos do Governo: a forma mais solene destes actos normativos reconduz-se ao decreto regulamentar, enquanto regulamento, aprovado em Conselho de Ministros e sujeito a promulgação do Presidente da República e a referenda ministerial; o artigo 112º6 CRP, obriga a adopção desta forma quanto aos regulamentos independentes. Os demais regulamentos do Governo podem assumir-se formalmente como Resolução do Conselho de Ministros, Portaria (genérica) e Despacho Normativo;
  • Regulamentos Regionais: no interior destes, torna-se possível distinguir entre o decreto legislativo regional (  regulamentos de leis ou decretos-leis, emanados pela Assembleia Legislativa da respectiva Região Autónoma) e o decreto regulamentar regional (regulamento emanado pelo Governo Regional);
  • Regulamentos Municipais: dentro destes, assumem especial relevância as posturas, que consubstanciam regulamentos de polícia.
O regulamento caracteriza-se, como já foi dito, como norma geral (com destinatários indeterminados) e abstracta (aplicável a situações da vida indeterminadas), de execução permanente (“vigência sucessiva”), e distingue-se do acto administrativo em sentido estrito (com destinatários individualizados e relativo a uma situação concreta).

Exemplos Práticos: Portarias de Regulamentação do Trabalho (PRT) de 2 de Maio de 1975 e 20 de Julho de 1975; Decreto Regulamentar nº25/2009 de 14 de Setembro


  II. O Acto Administrativo


O acto administrativo em sentido próprio, não é qualquer acto praticado pela Administração: é um acto regulado por disposições de direito público, um acto jurídico decisório (manifestação de vontade ou de ciência), praticado no exercício de poderes de autoridade, relativo a uma situação (individual e) concreta e, em princípio, com eficácia externa.

O conceito de “acto administrativo” foi construído na época liberal, quando era tipicamente um acto de autoridade, em regra desfavorável, no contexto de uma administração “agressiva”. Na transição para o Estado Social, perante a intensificação e diversificação da actividade dos órgãos administrativos no exercício da função administrativa, o conceito de acto administrativo passa a abranger também actuações autorizativas, concessórias, de prestação, de regulação e de incentivo, mas, nos sistemas de administração executiva, continua a ser uma forma específica de actuação administrativa que importa delimitar.

Actualmente, é possível definir um conceito consensual de acto administrativo em sentido amplo: acto jurídico, unilateral e concreto, subordinado a um regime de direito público – que se distingue e contrapõe aos actos de direito privado, às acções materiais, aos contratos administrativos e aos regulamentos.

A construção originária do “acto administrativo unilateral” tinha na sua raiz uma razão de ser autoritária – constituía um instrumento privilegiado da autoridade para garantia da prossecução efectiva do interesse público -, mas, mais tarde, tornou-se também uma garantia de protecção efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares.

Apesar da perda da posição central que ocupava, o acto administrativo sobrevive, ainda que necessariamente transformado, na medida da subsistência do sistema de administração executiva e das funções que aí desempenha.

A manutenção actual de um conceito restrito de “acto administrativo” fundamenta-se na necessidade de uma construção jurídica substantiva coerente e homogénea, com relevo doutrinal e prático, que englobe os actos principais da Administração, i.e. aquelas decisões administrativas às quais a lei reconhece força jurídica para a definição unilateral da esfera jurídica dos particulares. Neste domínio, pode ser marcante uma razão prática: o controlo jurisdicional da actividade administrativa justifica-se designadamente para aqueles actos que, pela sua natureza – por serem decisões de autoridade com efeitos externos, que afectam interesses dos particulares e são potencialmente lesivos das posições jurídicas destes -, devam estar sujeitos à garantia constitucional de impugnação judicial para uma protecção jurisdicional efectiva dos cidadãos. No entanto, hoje este argumento não é decisivo, porque a garantia judicial efectiva dos particulares perante a Administração é plena e não está limitada à impugnação de decisões administrativas.

Hoje predomina na construção do acto administrativo a razão de ser dogmática: a definição deve conter uma ideia ordenadora capaz de suportar um regime substantivo global e coerente no âmbito das relações jurídicas de direito público.

Procura-se então, um conceito que seja adequado de uma perspectiva funcional e estrutural: um conceito que cumpra as funções caracterizadoras da forma e forneça um quadro de referência adequado a um regime substantivo específico no âmbito das relações jurídicas de direito público.
Em relação aos problemas de delimitação do acto administrativo em sentido estrito, as divergências doutrinais mais importantes estão associadas à complexificação do procedimento administrativo, designadamente quanto às pré-decisões sem eficácia externa (que determinam os efeitos, mas não os constituem na ordem jurídica, porque não alteram, só por si, a esfera jurídica dos destinatários), como, por exemplo, os pareceres obrigatórios e vinculantes e outras deliberações preliminares ou pré-decisões em procedimentos complexos. Estas figuras levantam dificuldades à aplicação plena do regime substantivo (no que respeita à eficácia, validade e força jurídica) e procedimental (quanto às exigências de audiência previa, de notificação ou publicação) estabelecido para os actos administrativos. Mas, em contrapartida, sugerem a conveniência, hoje reconhecida pela jurisprudência administrativa, da sua impugnação judicial por terceiros ou, se for o caso disso, por órgãos de outros entes administrativos ou até da mesma pessoa colectiva.

Algumas espécies doutrinárias de actos administrativos com relevo prático:

  • Actos de eficácia duradoura, cujos efeitos não se esgotam no momento da sua prática e criam uma relação jurídica que se prolonga no tempo;
  • Actos negativos  , designadamente o indeferimento expresso de requerimentos e a recusa de apreciação de pedidos;
  • Actos constitutivos de direitos e interesses legalmente protegidos, enquanto actos que constituem efeitos jurídicos favoráveis na esfera jurídica dos destinatários ou de terceiros;
  • Actos provisórios, cujos efeitos dependem de uma futura pronúncia definitiva;
  • Actos precários, por estarem sujeitos a revogação ou por os seus efeitos dependerem de “condições resolutivas”;
  • Pré-decisões, entendidas como os actos que, precedendo o acto final de um procedimento ou um acto que define a situação jurídica do interessado no âmbito de outro procedimento, decidem, peremptória ou vinculativamente, sobre a existência de condições ou de requisitos de que depende a prática de tal acto.
Exemplos Práticos: Despacho n.º 14066/2010 publicado na 2ª Serie do Diário da Republica - O acto de registo praticado pelo Senhor Ministro ao registar os estatutos do ISCIA-Instituto Superior de Ciências da Informação e da Administração, conforme é referido no preambulo desse despacho é um acto administrativo.

III. Contratos Administrativos

Por último, importa fazer uma breve referência às ideias-base dos contratos administrativos.
Em Portugal, como em outros países de influência francesa, a admissibilidade e a utilização de contratos de direito administrativo limitou-se inicialmente à satisfação de necessidades de gestão, para delegação da execução de obras e aquisição de bens e serviços.

Estes contratos constituíam tipicamente, contratos de colaboração subordinada, entendidos como contratos privados transformados, nos quais se incluíam cláusulas exorbitantes, que implicavam a reserva de poderes por parte da Administração para realização do interesse público. A partir dos finais do século XX, produziram-se transformações que vieram tornar o “contrato administrativo” como uma figura de direito público.

Atendendo ao Professor Freitas do Amaral o contrato administrativo é um modo do exercício da função administrativa que se pode definir como: o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa – note-se que era este o conceito, anteriormente, estabelecido no CPA. Todavia, o Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei nº18/2008, de 29 de Janeiro, segue um caminho diferente, adoptando dois conceitos polarizadores, embora parcialmente sobreponíveis, para efeitos de delimitação do respectivo âmbito de aplicação, que abrange por um lado, a contratação administrativa (formação do contrato) e, por outro, o regime substantivo da relação contratual (execução do contrato).

Exemplos Práticos: contrato de concessão entre o Estado Português e Águas do Douro e Paiva, S.A.

Bibliografia:

  • DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2ª ed., Almedina, 2012;
  • VASCO PEREIRA DA SILVA, Em busca do Acto administrativo perdido, Almedina, 1995.


Sara Rodrigues da Costa, nº140110123

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