O
Direito Administrativo surgiu numa lógica actocêntrica,
autoritária onde o acto administrativo assumia o monopólio da actuação da
Administração. Esta lógica era baseada nas concepções do Estado liberal, que
estava intimamente ligado a uma Administração agressiva, e do positivismo
científico, que procurava reduzir a realidade jurídica a um conjunto de
conceitos sistematizados, criando uma pirâmide conceptual onde o topo seria o
acto.
No
Direito alemão Otto Mayer vem defender que o acto administrativo seria igual a
uma sentença judicial, uma vez que executa e define o direito do súbdito no
caso concreto, porque o particular era um mero administrado.
Também
no Direito francês, Maurice Hauriou, embora numa lógica diferente, reconduzia o
acto administrativo à figura do acto definitivo e executório. Comparando o acto
administrativo com o negócio jurídico, acentua as diferenças entre estas duas
figuras, mostrando que o exercício do poder administrativo é diferente do
Direito privado, uma vez que a Administração dispõe de dois “privilégios
exorbitantes” que justificam a lógica autoritária do acto e são o privilégio
definitório e o privilégio executório.
Nos
anos 60 e 70, o acto administrativo entra em crise. O acto deixa de ter
primazia na actuação da Administração, surgindo outras formas de actuação
(contratos, planos, regulamentos, formas de actuação não jurídicas, …), sendo a
escolha determinada pela eficácia. Assim, nas palavras do Professor Vasco
Pereira da Silva, passa-se “da farda única para o pronto-a-vestir”. Por outro
lado, passam a ser admitidos os actos favoráveis que conferem aos particulares
vantagens jurídicas, como a atribuição de direitos, ou materiais. Como tal, o
acto não só deixa de ser o centro, como o muda em si mesmo, passando a haver
actos que não são definitivos nem executório, porque os actos favoráveis não
podem ser impostos contra a vontade do particular.
Contudo,
o modelo actocêntrico foi adoptado
pelo legislador português e só com a revisão constitucional de 1989 deixa de
haver garantia de impugnação dos actos “definitivos e executórios” e, em 2004,
elimina-se definitivamente esta lógica, com o afastamento do art.º 25º da LEPTA
(Lei do processo dos Tribunais Administrativos) que mantinha a exigência do acto
definitivo. Segundo o Professor
Marcello Caetano, o acto caracterizava-se por uma tripla definitividade:
material (definia a posição do particular no caso concreto), horizontal (o que
era relevante não era o procedimento, mas sim a vontade última da Administração
que punha termo ao procedimento) e vertical (o acto tinha de ser praticado pelo
órgão do topo). Para além disso, era também executório por ser susceptível de
coacção contra a vontade do particular.
Contudo, este conceito de acto não é adequado para
explicar a realidade, uma vez que a Administração deixa de ser apenas agressiva (caracterizada por actuações
intromissivas na esfera jurídica dos particulares e restritivas dos seus
direitos e interesses), para passar a ser também prestacional (atribuição de
vantagens aos particulares) e infra-estrutural (passa a programar a prossecução
futura do interesse público, por exemplo, através de planos).
Assim, hoje faz sentido falar num conceito
amplo ou restrito de acto administrativo?
O Código do Procedimento Administrativo define, nos
termos do artigo 120º, os actos administrativos como as “decisões dos órgãos da
Administração que ao abrigo das normas de direito público visem produzir
efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”. Deste modo, o
legislador não utiliza na definição do acto administrativo as ideias de
definitividade e executoriedade, aderindo a uma noção ampla. Só uma noção ampla
do acto administrativo permite abranger tanto actos da Administração agressiva,
como actos da Administração prestadora e infra-estrutural e tanto os actos
praticados no decurso do procedimento, como aqueles que lhe põem termo, ou
seja, só uma noção ampla é adequada à realidade.
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