quarta-feira, 17 de abril de 2013

O acto administrativo - noção restrita ou ampla?


O Direito Administrativo surgiu numa lógica actocêntrica, autoritária onde o acto administrativo assumia o monopólio da actuação da Administração. Esta lógica era baseada nas concepções do Estado liberal, que estava intimamente ligado a uma Administração agressiva, e do positivismo científico, que procurava reduzir a realidade jurídica a um conjunto de conceitos sistematizados, criando uma pirâmide conceptual onde o topo seria o acto.
No Direito alemão Otto Mayer vem defender que o acto administrativo seria igual a uma sentença judicial, uma vez que executa e define o direito do súbdito no caso concreto, porque o particular era um mero administrado.
Também no Direito francês, Maurice Hauriou, embora numa lógica diferente, reconduzia o acto administrativo à figura do acto definitivo e executório. Comparando o acto administrativo com o negócio jurídico, acentua as diferenças entre estas duas figuras, mostrando que o exercício do poder administrativo é diferente do Direito privado, uma vez que a Administração dispõe de dois “privilégios exorbitantes” que justificam a lógica autoritária do acto e são o privilégio definitório e o privilégio executório.
Nos anos 60 e 70, o acto administrativo entra em crise. O acto deixa de ter primazia na actuação da Administração, surgindo outras formas de actuação (contratos, planos, regulamentos, formas de actuação não jurídicas, …), sendo a escolha determinada pela eficácia. Assim, nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva, passa-se “da farda única para o pronto-a-vestir”. Por outro lado, passam a ser admitidos os actos favoráveis que conferem aos particulares vantagens jurídicas, como a atribuição de direitos, ou materiais. Como tal, o acto não só deixa de ser o centro, como o muda em si mesmo, passando a haver actos que não são definitivos nem executório, porque os actos favoráveis não podem ser impostos contra a vontade do particular.
Contudo, o modelo actocêntrico foi adoptado pelo legislador português e só com a revisão constitucional de 1989 deixa de haver garantia de impugnação dos actos “definitivos e executórios” e, em 2004, elimina-se definitivamente esta lógica, com o afastamento do art.º 25º da LEPTA (Lei do processo dos Tribunais Administrativos) que mantinha a exigência do acto definitivo. Segundo o Professor Marcello Caetano, o acto caracterizava-se por uma tripla definitividade: material (definia a posição do particular no caso concreto), horizontal (o que era relevante não era o procedimento, mas sim a vontade última da Administração que punha termo ao procedimento) e vertical (o acto tinha de ser praticado pelo órgão do topo). Para além disso, era também executório por ser susceptível de coacção contra a vontade do particular.
Contudo, este conceito de acto não é adequado para explicar a realidade, uma vez que a Administração deixa de ser apenas agressiva (caracterizada por actuações intromissivas na esfera jurídica dos particulares e restritivas dos seus direitos e interesses), para passar a ser também prestacional (atribuição de vantagens aos particulares) e infra-estrutural (passa a programar a prossecução futura do interesse público, por exemplo, através de planos).
Assim, hoje faz sentido falar num conceito amplo ou restrito de acto administrativo?
O Código do Procedimento Administrativo define, nos termos do artigo 120º, os actos administrativos como as “decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo das normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”. Deste modo, o legislador não utiliza na definição do acto administrativo as ideias de definitividade e executoriedade, aderindo a uma noção ampla. Só uma noção ampla do acto administrativo permite abranger tanto actos da Administração agressiva, como actos da Administração prestadora e infra-estrutural e tanto os actos praticados no decurso do procedimento, como aqueles que lhe põem termo, ou seja, só uma noção ampla é adequada à realidade.

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