Na hipótese prática em análise estão em causa os seguintes actos
administrativos:
1.
A deliberação sobre a delegação e a própria delegação no Presidente da
Competência nos termos da lei para aceitar inscrições e atribuir o estatuto de
utente associado dos serviços do Instituto;
2.
A deliberação sobre a delegação e a própria delegação na empresa
“Ocupação de Tempos Livres” da competência para organizar e desenvolver o
programa excursionista “idosos em movimento” e celebrar os contratos
necessários, designadamente com os interessados e unidades hoteleiras;
3.
A subdelegação do Presidente do Conselho
Directivo no dirigente máximo dos serviços do Instituto competente em razão da
matéria das respectivas competências;
4. A atribuição do estatuto a 2500 pessoas pelo
dirigente máximo dos serviços do Instituto;
5.
As actuações do Ministro da Tutela que revoga a segunda deliberação; demite com efeitos imediatos do Presidente do
Conselho Directivo; ordena ao Conselho Direito que revogue todas as
delegações em vigor; determina como objectivo a prosseguir a
atribuição anual de 2500 novos cartões de utente associado, que para a futuro
as delegações ficam sujeitas a autorização ministerial, a abertura de um
processo disciplinar ao director dos serviços do Instituto por ter ignorado as
directivas ministeriais relativas à aquisição de material informático,
declarando inválidos os contratos celebrados e que se deve conferir o estatuto
de utente associado a todos os inscritos há mais de dois anos com pedidos
pendentes para aprovação.
O art.º 18º da Lei-Quadro dos Institutos Públicos (Lei n.º
3/2004 de 15 de Janeiro) estatui que o “o
conselho directivo é o órgão colegial responsável pela definição da actuação do
instituto, bem como pela direcção dos respectivos serviços, em conformidade com
a lei e com as orientações governamentais”. No que toca à sua composição, nos
termos do art.º 19º da mesma Lei, o conselho directivo é composto
por um presidente e dois a quatro vogais, podendo ter também um
vice-presidente em vez de um dos vogais.
Quanto
à sua competência, o conselho directivo, no âmbito da orientação e gestão do
instituto, pode, nos termos do art.º 21.º a), dirigir a respectiva actividade
e, nos termos do art.º 21º d), praticar os demais actos de gestão decorrentes
da aplicação dos estatutos e necessários ao bom funcionamento dos serviços.
A delegação de poderes é o acto pelo qual o órgão de uma pessoa colectiva envolvida no exercício de uma actividade administrativa pública, normalmente competente em determinada matéria e devidamente habilitado por lei, possibilita que outro órgão ou agente pratiquem actos administrativos sobre a mesma matéria – art.º 35/1 CPA.
Para que possa haver
lugar à delegação de poderes tem de haver uma lei de habilitação, ou seja, uma
lei atributiva de competência para a prática de um acto de delegação. No que
toca à primeira deliberação sobre a delegação no Presidente da Competência nos
termos da lei para aceitar inscrições e atribuir o estatuto de utente associado
dos serviços do Instituto, o art.º 35/2 do CPA contém uma norma de habilitação
geral para a prática de actos de administração ordinária no âmbito da
hierarquia administrativa que vale, nos termos do art.º 35/3, para a delegação
de poderes dos órgãos colegiais nos respectivos presidentes. No que concerne à
segunda deliberação sobre a delegação na empresa “Ocupação de Tempos Livres” da
competência para organizar e desenvolver o programa excursionista “idosos em
movimento” e celebrar os contratos necessários, designadamente com os
interessados e unidades hoteleiras, o art.º 54.º da Lei-Quadro dos
Institutos Públicos prevê que os órgãos de direcção do instituto podem, mediante
prévia autorização do Ministro da Tutela, delegar em entidades privadas,
por prazo determinado, e com ou sem remuneração, a
prossecução de algumas das suas atribuições e os poderes necessários
para o efeito, assumindo o delegado a obrigação de prosseguir essas atribuições
ou colaborar na sua prossecução sob orientação do instituto.
No que respeita ao procedimento de
deliberação, o art.º 22/1 da Lei-Quadro dos Institutos Públicos estatui que o
conselho directivo reúne uma vez por semana e extraordinariamente sempre que o
presidente o convoque, por sua iniciativa ou a solicitação da maioria dos seus
membros e o nº2 do mesmo artigo estatui que nas votações não há abstenções, mas
podem ser proferidas declarações de voto.
Para que um órgão
colegial possa deliberar é necessário um quórum de deliberação que corresponde
ao número mínimo de membros que tem de estar presente. Este consiste, regra
geral, na maioria legal do número de membros do órgão (art.º 22º CPA), que
neste caso está preenchido. Um órgão colegial decide os seus assuntos
deliberando, neste caso por votação. Quando delibera através de votação esta
pode revestir duas formas, nos termos do art.º 24º do CPA:
1. Votação
nominal/votação pública – cada votante denuncia o seu sentido de voto perante
os restantes através de um meio físico (ex. erguer braço, levantar, …) ou
electrónico (ex. luz que se acende num painel). É a regra geral na administração
pública portuguesa, nos termos do art.º 24/1.
2. Votação
secreta – o sentido de voto de cada membro não se torna conhecido dos demais
(ex. boletins de voto, …).
Quanto à primeira deliberação tendo havido empate, o Presidente
desempatou com o seu voto qualificado a favor da delegação. Em caso de empate nas votações
nominais, a forma mais usual de resolver o problema é o recurso ao presidente
do órgão que se pode configurar num voto de qualidade que consiste em conferir,
na ponderação, um peso especial ao voto do presidente, atribuindo vencimento à
proposta empatada que obteve o voto deste, nos termos do art.º 26º do CPA. Quando
não participa na votação o voto do presidente é de desempate – o presidente do
órgão colegial não dispõe do direito de voto, salvo se ocorrer empate.
Quanto à segunda
deliberação que foi por voto secreto já que a empresa pertencia à mulher de um
dos vogais, importa dizer que a votação secreta tem lugar quando as
deliberações que envolvam a apreciação de comportamentos ou das qualidades de
qualquer pessoa, nos termos do art.º 24/2 CPA. Mas, o órgão pode decidir se toma a votação em termos nominais ou secretos, nos termos do art.º 24º nº2 e 3 do CPA. Neste caso, o facto de a empresa pertencer à mulher de um dos vogais não implicava que a votação fosse secreta, mas antes que, nos termos do art.º 24/4 do CPA, esse vogal não estivesse presente no momento da discussão nem da votação por estar impedido nos termos
do art.º 44/1 b). Assim, parece estar em causa uma violação do princípio da
imparcialidade que impede os titulares dos órgãos de intervir em procedimentos
em que se discutam interesses pessoais, familiares ou de pessoas com quem
tenham relações de proximidade e, por isso, nos termos do art.º 51º do CPA, a
sua intervenção determina a anulabilidade do acto. Assim, há uma invalidade que
decorre da violação do princípio da imparcialidade. Para além disso, não
podendo estar presente, tal significa que o quórum de deliberação já não
estaria preenchido.
Em relação ao
facto de o Presidente ter ido assinando expediente, para a delegação de
poderes ser eficaz tem de ser publicada, nos termos do art.º 37º do CPA. Assim,
estes actos são inválidos por incompetência.
Quanto à subdelegação do Presidente das
respectivas competências no dirigente máximo dos serviços do Instituto competente
em razão da matéria, tal actuação não lhe é permitida nos termos do art.º 23/2
da Lei-Quadro dos Institutos Públicos que permite ao Presidente delegar,
ou subdelegar, competências apenas no vice-presidente, quando exista, ou nos
vogais. Contudo, se existir uma norma habilitante no Estatuto do referido
instituto, então a subdelegação seria permitida. Para além disso, as subdelegações,
ou seja delegação de segundo grau, em que o delegado funciona também como
delegante, estando submetida ao mesmo regime jurídico das delegações, são
admitidas no art.º 36º do CPA, em condições distintas consoante se trate da
primeira subdelegação ou das subsequentes. Em qualquer um dos casos é
indispensável que a lei não interdite a subdelegação, mas na primeira subdelegação
tem de haver autorização expressa do delegante, conforme o art.º 36/1 CPA, não
havendo dados na hipótese que nos indiquem se o Conselho directivo autorizou ou
não a subdelegação.
Nos
termos do art.º 39º do CPA, o delegante tem poderes para orientar o
exercício dos poderes delegados através de directivas e instruções, que é o que
acontece quando o Presidente faz saber ao dirigente que este fica obrigado a
conceder estatuto de utente associado a todos os trabalhadores por conta de
outrem que aufiram mensalmente menos de três salários mínimos nacionais e que
não deve atribuir tal estatuto a mais do que 1000 trabalhadores por ano, bem
como não o deve fazer a 5 ex-funcionários do Instituto despedidos no ano
anterior. Sendo que o dirigente dos serviços do instituto não cumpriu tais
instruções, o Presidente pode revogar os actos praticados pelo delegado ao
abrigo da delegação. Contudo, o dirigente ignora tais instruções por entender
que todos os trabalhadores por conta de outrem devem poder usufruir do serviço.
Assim, parece estar aqui em causa o princípio da igualdade que vincula a
Administração e que é consagrado no art.º 13º da CRP e no art.º 5º do CPA.
Nos termos do art.º 199º alínea
d), os Institutos Públicos, pertencendo à Administração indirecta, estão
sujeitos aos poderes de superintendência e tutela do Governo.
Quanto à revogação
da segunda deliberação pelo Ministro da Tutela, importa dizer que a tutela
administrativa é o conjunto dos poderes de intervenção de uma pessoa colectiva
pública na gestão de outra pessoa colectiva, a fim de assegurar a legalidade ou
o mérito da sua actuação. Quanto ao conteúdo, a tutela
pode ser integrativa, inspectiva,
sancionatória, revogatória ou substitutiva. Neste caso estamos perante a tutela
revogatória que é o poder de revogar os actos administrativos praticados
pela entidade tutelada. A tutela administrativa não se presume, ou seja, só
existe quando a lei a prevê expressamente e nos precisos termos em que a lei a
estabelecer. Assim, nos termos do art.º 41º da Lei-Quadro dos Institutos
Públicos, os institutos públicos encontram-se sujeitos
a tutela governamental integrativa (nº2 e nº3) e substitutiva (nº 9), mas não
revogatória.
Quanto à demissão com efeitos
imediatos do Presidente do Conselho Directivo, o art.º 20º da Lei-Quadro dos Institutos Públicos estabelece, no nº3, que
os membros do conselho directivo podem ser livremente
exonerados por quem os nomeou, podendo a exoneração fundar-se em mera
conveniência de serviço. Para que tal acontece, considera-se motivo
justificado, nos termos do nº6:
a) A falta grave de observância da lei ou
dos estatutos do instituto;
b) A violação grave dos deveres que lhe
foram cometidos como membro do conselho directiv
Se tal se verificar, o Presidente pode ser
demitido, mas nos termos do nº7 o apuramento do motivo justificado pressupõe a
prévia audiência do membro do conselho sobre as razões invocadas, mas não
implica o estabelecimento ou organização de qualquer processo.
Quanto
às outras actuações do Ministro da Tutela – ordena ao Conselho Direito
que revogue todas as delegações em vigor; determina como objectivo a prosseguir
a atribuição anual de 2500 novos cartões de utente associado; determina que
para a futuro as delegações ficam sujeitas a autorização ministerial; determina
a abertura de um processo disciplinar ao director dos serviços do Instituto por
ter ignorado as directivas ministeriais relativas à aquisição de material
informático, declarando inválidos os contratos celebrados; determina
que se deve conferir o estatuto de utente associado a todos os inscritos há
mais de dois anos com pedidos pendentes para aprovação – estas inserem-se no
plano da superintendência que é o poder conferido ao Estado, ou a outra pessoa
colectiva de fins múltiplos de definir os objectivos e guiar a actuação das
pessoas colectivas públicas de fins singulares colocadas por lei na sua
dependência. É um poder mais amplo e intenso do que a tutela administrativa,
porque é a entidade exterior que define os objectivos e guia, nas suas linhas
gerais, a actuação das entidades subordinadas. Inclui o poder de supervisão que
é o poder de definir a orientação da actividade a desenvolver pelas pessoas
colectivas públicas que exerçam formas de administração indirecta, que é o que
acontece com as determinações, já que a superintendência se traduz numa
faculdade de emitir directivas ou recomendações. Contudo o poder de supervisão
distingue-se do poder de direcção do superior hierárquico que consiste na
faculdade de dar ordens ou instruções, porque as ordens são comandos concretos,
específicos e determinados que impõem a necessidade de adoptar imediata e completamente
uma certa conduta, enquanto as directivas são orientações genéricas que definem
imperativamente os objectivos a cumprir pelos seus destinatários, mas que lhes
deixam liberdade de decisão quanto aos meios a utilizar e às formas a adoptar
para atingir esses objectivos e as recomendações – conselhos emitidos sem a
força de qualquer sanção para a hipótese de não cumprimento. Tal como a tutela,
a superintendência também não se presume, ou seja, os poderes que a
consubstanciam são os que a lei conferir. Assim, nos termos do art.º 42º da
Lei-Quadro dos Institutos Públicos, o Ministro da tutela pode dirigir
orientações, emitir directivas ou solicitar informações aos órgãos dirigentes
dos institutos públicos sobre os objectivos a atingir na gestão do instituto e
sobre as prioridades a adoptar na respectiva prossecução, mas não dar ordens.
Assim, a
determinação como objectivo a prosseguir da atribuição anual de 2500 novos
cartões de utente associado consiste numa directiva, mas a determinação de que
se deve conferir o estatuto de utente associado a todos os inscritos há mais de
dois anos com pedidos pendentes para aprovação consiste já numa ordem que não
se enquadra no poder de supervisão, tal como a determinação de que para a futuro
as delegações ficam sujeitas a autorização ministerial não pode ser feita pelo
Ministro da Tutela, mas por Lei, o que já acontece no art.º 54.º
da Lei-Quadro dos Institutos Públicos.
Quanto à determinação da abertura de um
processo disciplinar ao director dos serviços do Instituto por ter ignorado as
directivas ministeriais relativas à aquisição de material informático,
declarando inválidos os contratos celebrados, nos termos do art.º 43/8
a), compete ao Ministro da Tutela no domínio disciplinar exercer acção
disciplinar sobre os membros dos órgãos dirigentes.
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