segunda-feira, 8 de abril de 2013

Hipótese Nº1



Em primeiro lugar, importa distinguir as seguintes formas de actuação presentes na hipótese: decisão de não apreciar o pedido; decisão de indeferimento do pedido; e o recurso hierárquico interposto por Afonso para o Presidente da Câmara.
A primeira questão que se coloca é saber se a CM Cascais é competente para decidir sobre a licença de construção. Nos termos do art.º 64/5 alínea a) da Lei das Autarquias Locais (Lei nº 169/99 de 18 de Setembro), compete à câmara municipal, em matéria de licenciamento e fiscalização, conceder licenças nos casos e nos termos estabelecidos por lei, designadamente para construção, reedificação, utilização, conservação ou demolição de edifícios, assim como para estabelecimentos insalubres, incómodos, perigosos ou tóxicos.
O procedimento administrativo consiste numa sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua execução. Neste caso, estamos perante um procedimento de iniciativa particular, que é permitido nos termos do art.º 54º do CPA. Se é o particular que o inicia então tem de apresentar um requerimento por escrito e conter as menções exigidas no art.º 74º do CPA.
No que toca à decisão da CM de Cascais, importa analisar os seguintes aspectos:
1.           Em primeiro lugar, a CM de cascais não tinha o dever de se pronunciar sobre o pedido de Afonso, uma vez que, nos termos do art.º 9/2 do CPA, “não existe o dever de decisão quando, há menos de dois anos contados da data da apresentação do requerimento, o órgão competente tenha praticado um acto administrativo sobre o mesmo pedido formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos”, o que é o caso;
2.           Em segundo lugar, quanto à intercessão de Afonso junto do filho, vereador da CM, parece estar em causa uma violação do princípio da imparcialidade. Este princípio tem duas vertentes, uma negativa que impede os titulares dos órgãos de intervir em procedimentos em que se discutam interesses pessoais, familiares ou de pessoas com quem tenham relações de proximidade e outra positiva que impõe que os titulares ponderem todos os interesses. Neste caso, está a ser violada a vertente negativa, nomeadamente o art.º 44/1 alínea b) do CPA que impede o titular de intervir quando no procedimento esteja em causa o interesse de algum parente em linha recta, o que é o caso de Afonso que é pai do vereador. Nos termos do art.º 51º, a intervenção do filho de Afonso determina a anulabilidade do acto;
A instrução do pedido, que consiste na segunda fase do procedimento administrativo que se segue à iniciativa vem regulada nos arts.º 86º a 99º do CPA e destina-se a averiguar os factos que interessem à decisão final e, nomeadamente, à recolha das provas que se mostrem necessárias à decisão. Em regra, é conduzida pelo órgão competente para tomar a decisão final, ou por um instrutor especialmente nomeado para o efeito, nos termos do art.º 86º. Contudo, o órgão competente pode delegar esta competência em subordinado seu, que passará a dirigir a instrução (nº2) ou encarregar um subordinado da realização de diligências instrutórias avulsas (nº3). Neste caso, o órgão competente é a Câmara municipal.
Quanto à alegação de que requerente não juntou os projectos na especialidade exigidos por lei, esta tem em conta o art.º 20/4 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, regulado pelo Decreto-Lei nº 555/99 de 16 de Dezembro, que estatui que “o interessado deve requerer a aprovação dos projectos das especialidades necessários à execução da obra no prazo de seis meses a contar da notificação do acto que aprovou o projecto de arquitectura, caso não tenha apresentado tais projectos com o requerimento inicial”. Contudo, a não apresentação destes projectos implica a caducidade do acto que aprovou o projecto de arquitectura e o arquivamento oficioso do processo de licenciamento, nos termos do art.º 20/6 do mesmo diploma. Se de facto Afonso os entregou, tem o ónus de o provar.
No que toca à alegação de que a construção de um colégio cor-de-laranja ofende a estética da povoação e ao facto de não ser possível construir naquela área por ser uma zona non aedificanti segundo o PMD, o art.º 20/1 estatui que a apreciação do projecto de arquitectura incide, entre outros aspectos, sobre a sua conformidade com planos municipais de ordenamento no território e quaisquer normas legais e regulamentares relativas ao aspecto exterior e a inserção urbana e paisagística das edificações. Assim, parece lícito recusar a construção de um colégio cor-de-laranja, por não se enquadrar na povoação e a construção naquela área, por ser contra o PMD. Quanto à alegação de Afonso de que a proibição de pintar o colégio de cor-de-laranja era um atentado ao direito fundamental à liberdade artística e de expressão pessoal, além de que era uma perseguição política por ser facto que Afonso é militante activo do PSD, então caso tal fosse provado, a CM estaria a agir em desconformidade com os direitos fundamentais aos quais está vinculada por força do art.º 18º da CRP, bem como estaria a violar o princípio da igualdade consagrado nos arts.º 13º da CRP 5º do CPA que proíbem a discriminação por convicções políticas ou ideológicas, tanto pela proibição de pintar o colégio de cor-de-laranja, como por proibir a construção naquela área por ser contrária ao PDM, quando já tinha autorizado outros particulares a fazê-lo.
No que respeita ao argumento de que a construção agravaria a poluição atmosférica por ter duas chaminés, embora a poluição possa ser um factor a ter em conta na tomada de decisão, tal decisão parece não ir de encontra ao princípio da proporcionalidade.
Por último, quando ao facto de a construção não respeitar as distâncias mínimas previstas no regime geral das edificações urbanas e no art.º 1360º do Código Civil, a Câmara municipal deve ter em conta o princípio da legalidade, consagrado no art.º 3º do CPA, que condiciona as suas diligências à promoção da respectiva conformidade legal, o que não estaria verificado por causa da violação do art.º 1360º do CC.
No que concerne à alegação de Afonso de que ao longo do procedimento, nomeadamente em sede de audição dos interessados, tinha sido dito que o pedido seria diferido pelo que deu início às obras para adiantar trabalhos, esta surge no contexto da fase da audiência prévia dos interessados, regulada nos arts.º 100º e seguintes do CPA e que é a fase do procedimento em que é assegurado aos interessados num procedimento o direito de participarem na formação das decisões que lhes digam respeito (art.º 100/1). É nesta fase que se concretiza, na sua plenitude, o “direito de participação dos cidadãos na formação de decisões que lhes digam respeito”, nos termos do art.º 268º CRP. O art.º 100/1 estatui que os interessados devem ser informados sobre o sentido provável da decisão. Assim, se durante o procedimento foi dito que o pedido seria diferido, parece estar aqui em causa uma situação de venire contra factum proprium: a primeira conduta da CM contradiz a segunda. Assim, haverá uma violação do princípio da boa-fé, nomeadamente do seu corolário da tutela da confiança, se houver uma situação de confiança, justificação para essa confiança, investimento na confiança e essa confiança for imputável à CM.

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