Em primeiro lugar, importa distinguir as seguintes formas de actuação
presentes na hipótese: decisão de não apreciar o pedido; decisão de indeferimento
do pedido; e o recurso hierárquico interposto por Afonso para o Presidente da
Câmara.
A primeira questão que se coloca é saber se a CM Cascais é competente
para decidir sobre a licença de construção. Nos termos do art.º 64/5 alínea a) da
Lei das Autarquias Locais (Lei nº 169/99 de 18 de Setembro), compete à câmara
municipal, em matéria de licenciamento e fiscalização, conceder licenças nos
casos e nos termos estabelecidos por lei, designadamente para construção,
reedificação, utilização, conservação ou demolição de edifícios, assim como
para estabelecimentos insalubres, incómodos, perigosos ou tóxicos.
O procedimento administrativo consiste numa sucessão
ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade
da Administração Pública ou à sua execução. Neste caso, estamos perante um
procedimento de iniciativa particular, que é permitido nos termos do art.º 54º
do CPA. Se é o particular que o
inicia então tem de apresentar um requerimento por escrito e conter as menções
exigidas no art.º 74º do CPA.
No que toca à decisão da CM de Cascais, importa analisar os seguintes
aspectos:
1.
Em primeiro lugar, a CM de
cascais não tinha o dever de se pronunciar sobre o pedido de Afonso, uma vez
que, nos termos do art.º 9/2 do CPA, “não existe o dever de decisão quando, há menos
de dois anos contados da data da apresentação do requerimento, o órgão competente
tenha praticado um acto administrativo sobre o mesmo pedido formulado pelo
mesmo particular com os mesmos fundamentos”, o que é o caso;
2.
Em segundo lugar, quanto à
intercessão de Afonso junto do filho, vereador da CM, parece estar em causa uma
violação do princípio da imparcialidade. Este princípio tem duas vertentes, uma
negativa que impede os titulares dos órgãos de intervir em procedimentos
em que se discutam interesses pessoais, familiares ou de pessoas com quem
tenham relações de proximidade e outra positiva que
impõe que os titulares ponderem todos os interesses. Neste caso, está a
ser violada a vertente negativa, nomeadamente o art.º 44/1 alínea b) do CPA que
impede o titular de intervir quando no procedimento esteja em causa o interesse
de algum parente em linha recta, o que é o caso de Afonso que é pai do
vereador. Nos termos do art.º 51º, a intervenção do filho de Afonso determina a
anulabilidade do acto;
A instrução do pedido, que consiste na segunda
fase do procedimento administrativo que se segue à iniciativa vem regulada nos
arts.º 86º a 99º do CPA e destina-se a averiguar os factos que interessem à decisão
final e, nomeadamente, à recolha das provas que se mostrem necessárias à
decisão. Em regra, é conduzida pelo órgão competente para tomar a decisão
final, ou por um instrutor especialmente nomeado para o efeito, nos termos do art.º
86º. Contudo, o órgão competente pode delegar esta competência em subordinado
seu, que passará a dirigir a instrução (nº2) ou encarregar um subordinado da
realização de diligências instrutórias avulsas (nº3). Neste caso, o órgão competente
é a Câmara municipal.
Quanto à alegação de que requerente não
juntou os projectos na especialidade exigidos por lei, esta tem em conta o
art.º 20/4 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, regulado pelo
Decreto-Lei nº 555/99 de 16 de Dezembro, que estatui que “o interessado deve
requerer a aprovação dos projectos das especialidades necessários à execução da
obra no prazo de seis meses a contar da notificação do acto que aprovou o
projecto de arquitectura, caso não tenha apresentado tais projectos com o
requerimento inicial”. Contudo, a não apresentação destes projectos implica a
caducidade do acto que aprovou o projecto de arquitectura e o arquivamento
oficioso do processo de licenciamento, nos termos do art.º 20/6 do mesmo
diploma. Se de facto Afonso os entregou, tem o ónus de o provar.
No que toca à alegação de que a construção de um colégio cor-de-laranja
ofende a estética da povoação e ao facto de não ser possível construir naquela
área por ser uma zona non aedificanti segundo
o PMD, o art.º 20/1 estatui que a apreciação do projecto de arquitectura incide,
entre outros aspectos, sobre a sua conformidade com planos municipais de
ordenamento no território e quaisquer normas legais e regulamentares relativas
ao aspecto exterior e a inserção urbana e paisagística das edificações. Assim,
parece lícito recusar a construção de um colégio cor-de-laranja, por não se
enquadrar na povoação e a construção naquela área, por ser contra o PMD. Quanto
à alegação de Afonso de que a proibição de pintar o colégio de cor-de-laranja
era um atentado ao direito fundamental à liberdade artística e de expressão
pessoal, além de que era uma perseguição política por ser facto que Afonso é
militante activo do PSD, então caso tal fosse provado, a CM estaria a agir em
desconformidade com os direitos fundamentais aos quais está vinculada por força
do art.º 18º da CRP, bem como estaria a violar o princípio da igualdade consagrado
nos arts.º 13º da CRP 5º do CPA que proíbem a discriminação por convicções políticas
ou ideológicas, tanto pela proibição de pintar o colégio de cor-de-laranja,
como por proibir a construção naquela área por ser contrária ao PDM, quando já
tinha autorizado outros particulares a fazê-lo.
No que respeita ao argumento de que a construção agravaria a poluição atmosférica
por ter duas chaminés, embora a poluição possa ser um factor a ter em conta na tomada de
decisão, tal decisão parece não ir de encontra ao princípio da
proporcionalidade.
Por último,
quando ao facto de a construção não respeitar as distâncias mínimas previstas
no regime geral das edificações urbanas e no art.º 1360º do Código Civil, a
Câmara municipal deve ter em conta o princípio da legalidade, consagrado no
art.º 3º do CPA, que condiciona as suas diligências à
promoção da respectiva conformidade legal, o que não estaria verificado por
causa da violação do art.º 1360º do CC.
No que concerne à alegação de Afonso de que ao
longo do procedimento, nomeadamente em sede de audição dos interessados, tinha
sido dito que o pedido seria diferido pelo que deu início às obras para
adiantar trabalhos, esta surge no contexto da fase da audiência prévia dos
interessados, regulada nos arts.º 100º e seguintes do CPA e que é a fase do procedimento em que é assegurado aos
interessados num procedimento o direito de participarem na formação das
decisões que lhes digam respeito (art.º 100/1). É nesta fase que se concretiza,
na sua plenitude, o “direito de
participação dos cidadãos na formação de decisões que lhes digam respeito”, nos
termos do art.º 268º CRP. O art.º 100/1 estatui que os interessados
devem ser informados sobre o sentido provável da decisão. Assim, se durante o
procedimento foi dito que o pedido seria diferido, parece estar aqui em causa
uma situação de venire contra factum proprium: a primeira conduta da CM contradiz
a segunda. Assim, haverá uma violação do princípio da boa-fé, nomeadamente do
seu corolário da tutela da confiança, se houver uma situação de
confiança, justificação para essa confiança, investimento na confiança e essa
confiança for imputável à CM.
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