segunda-feira, 8 de abril de 2013

Caso Prático 1

Resolverei o caso prático ditado na aula pelo Professor de acordo com a matéria dada nas aulas de Direito Administrativo e tendo o Código do Procedimento Administrativo CPA; a Lei nº 169/99 LAL; o Decreto-Lei nº 555/99 (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação RJUE); o Decreto-Lei nº 38382/51 (Regulamento Geral das Edificações Urbanas RGEU) e o Regulamento nº 78/2013 (Urbanização e Edificação do Município de Cascais RUEM) como suporte positivo.

 Afonso solicitou uma licença de construção de um colégio à Câmara Municipal de Cascais. Nos termos do artigo 54º e seguintes do CPA, Afonso tem toda a legitimidade para o fazer, iniciando dessa forma o procedimento administrativo. Além disso, o requerimento foi correctamente dirigido à Câmara Municipal, pelo artigo 64º/5, alínea a) da LAL, órgão com competência para conceder licenças para a construção de edifícios.
 É-nos dito que a Câmara se recusou a apreciar o pedido, pelo facto de o ter indeferido há um ano atrás. Ora, o artigo 9º do CPA, quanto ao princípio da decisão, não deixa muitas dúvidas no que toca ao seu número 2 : tendo o pedido sido formulado com os mesmos fundamentos, não existe o dever de decisão. Procede o argumento da Câmara Municipal.
 Afonso intercedeu junto de seu filho, vereador da Câmara, sendo que o referido órgão municipal indeferiu o pedido, por unanimidade, estando presentes 6 dos seus membros. O artigo 57º/2, alínea c) da LAL refere que as Câmaras Municipais nos municípios com 100 000 ou mais eleitores são compostas por 10 vereadores, que acrescem ao Presidente da Câmara. O artigo 89º da mesma Lei dá-nos requisitos para o quórum (nomeadamente a maioria do número legal dos seus membros). À partida, portanto, estaria esta decisão de acordo com o procedimento administrativo, na medida em que a maioria do número legal de 10 vereadores é precisamente 6 vereadores. Todavia, acontece que um dos vereadores era filho do requerente, o que à luz do princípio da imparcialidade (artigo 6º CPA), remete para os artigos 44º e seguintes do CPA, como mecanismos preventivos, de forma a evitar que a Administração actue objectivamente, sem qualquer tipo de interesse na decisão. Sendo o requerente Pai de um vereador, a alínea b) do número 1 do referido artigo 44º estabelece esse facto como um caso de impedimento, devendo nesse sentido ser respeitado o processo de comunicação e de suspensão (não havendo necessidade de substituição por se tratar de um órgão colegial), pelos artigos 45º, 46º e 47º/2, respectivamente. São anuláveis, pelo artigo 51º, os actos em que tiverem intervindo titulares de órgãos impedidos, podendo Afonso requerer a anulabilidade do indeferimento por impedimento, violando-se o princípio da imparcialidade (se bem que, se houve votação unânime à partida a decisão não seria diferente). Não obstante, não participando o filho de Afonso na votação, pelo artigo 90º/6 da LAL, não estaria reunido o quórum necessário, na medida em que só 5 vereadores estariam presentes para a tomada de decisão.
 Fundamentação do indeferimento pela Câmara Municipal :

  • Requerente não juntou os projectos na especialidade legalmente exigidos. Os artigos 3º e 5º do RGEU e o artigo 20º, números 4 e 6 do RJUE exigem todos os elementos estritamente necessários ao esclarecimento das condições, cabendo ao interessado requerer os projectos na especialidade num prazo de 6 meses, sob pena de caducidade e arquivamento oficioso do mesmo. Procede o argumento da Câmara.
  • Construção de colégio cor de laranja ofende estética da povoação. O artigo 3º do RGEU e, concretamente, o artigo 13º/1 e 2 do RUEM, realçam que as cores a aplicar nas fachadas do edifícios devem ser escolhidos de modo a proporcionar uma adequada integração no local, sendo apenas admitidas cores das quais resulte uma harmonização cromática com a cor envolvente. Assim sendo, é perfeitamente legítimo que a Câmara Municipal indefira o pedido de licença com base na sua cor, ainda que considere que o indeferimento seja desproporcionado neste ponto, podendo violar o princípio da proporcionalidade (artigo 5º CPA), designadamente no que ao critério da adequação diz respeito. Creio que um aviso para alterar a cor da fachada do colégio seria suficiente. Procede o argumento da Câmara, mas com reservas.
  • Trata-se de uma zona non aedificandi, não sendo possível construir no local. O artigo 3º/1 e 20º/1 do RJUE e o artigo 5º/1 do RUEM remetem para os planos municipais qualquer decisão acerca de edificação e urbanização municipal. Assim sendo, é - mais uma vez - perfeitamente legítimo que a Câmara Municipal não esteja de acordo com a construção de um colégio numa zona onde não se prevê qualquer construção (e mesmo que se previsse alguma, não seria exigido que a construção do colégio fosse aprovada, visto que o princípio da igualdade, pelo artigo 5º do CPA e 13º CRP, impõe tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente. Um colégio é naturalmente diferente de um edifício de habitação comum).
  • Tendo duas chaminés, agrava-se a poluição atmosférica na zona. Quando nos referimos à multifuncionalidade do procedimento, enunciámos as funções de a) legitimação das relações administrativas em função dos particulares; b) racionalidade do procedimento, estudando consequências e dando uma lógica à decisão; c) manifestação e composição dos interesses públicos e privados em causa e d) tutela antecipada e preventiva dos direitos subjectivos dos particulares, tutela essa feita em sede específica, nomeadamente na audiência, prevista nos artigos 53º e 100º e seguintes do CPA. O próprio procedimento administrativo segue uma lógica faseada de iniciativa, instrução, audiência e decisão. É nesta sede que a questão ambiental se deve colocar, contrapondo-se os interesses ambientais aos educacionais/urbanísticos/económicos, e não numa fase anterior. (Ademais, não é o facto de haver duas chaminés que aumenta a poluição atmosférica, mas sim o nível de poluição produzido pelo colégio, independentemente do número de chaminés). Não procede o argumento da Câmara.
  • Desrespeito pelas distâncias mínimas previstas quanto ao RGEU e artigo 1360º do Código Civil. Aqui não há muito a dizer, até porque não nos são dadas as distâncias. Mas tanto o RUEM, como o RGEU ou o RJUE remetem para o plano urbanístico municipal, que por sua vez estabelece distâncias mínimas entre edifícios. Se não forem respeitados, a licença não poderá, numa lógica de respeito pelo princípio da legalidade (artigo 3º CPA e 266º), ser concedida. 
Afonso recorre hierarquicamente para o Presidente da Câmara. A Câmara Municipal actua como órgão colegial, fora as excepções do artigo 65º da LAL, no que toca a delegação de poderes no Presidente da Câmara. Não há hierarquia jurídica do Presidente em relação à Câmara, não se "recorrendo" para o Presidente da Câmara. (Não obstante o Presidente ter voto de qualidade na votação, pelo artigo 89º, alínea 2 da LAL).

Alega Afonso, que : 
  • Apresentou os referidos projectos na especialidade. Exigindo-se registo para a apresentação de requerimentos, nos termos do artigo 80º CPA, pelo responsável pela instrução (artigo 9º/8 do RJUE), bastará verificar-se no registo se os projectos na especialidade foram entregues ou não. (Terá Afonso o ónus da prova de que efectivamente os entregou, caso suspeite de uma falha no procedimento administrativo).
  • Proibição da cor cor de laranja consubstancia atentado à sua liberdade fundamental artística e de expressão pessoal, constituindo além disso manifesta perseguição política, por ser facto conhecido que Afonso é militante activo do Partido Social-Democrata. Quanto à liberdade fundamental artística e de expressão pessoal, não é de certeza o facto de se poder construir um colégio cor de laranja que o garante. É preciso compreender que estamos no domínio da actuação da Administração Pública, pelas Autarquias Locais, em matéria de urbanização e edificação municipal, exclusiva das respectivas Autarquias. Exigem-se licenças com regras específicas e concretas, que têm de ser respeitadas. Não há qualquer direito fundamental desrespeitado, apenas o cumprimento de regras de procedimento administrativo, racionais e objectivas. No que toca à questão partidária, não vale a pena estar a alongar muito o assunto, na medida em que se trata de uma acusação de dificílima prova e aparentemente sem qualquer fundamento. (Apesar de o princípio da igualdade proteger situações como estas, prevendo situações de conflito político (não obstante a enunciação não ser taxativa)).
  • Discriminação, por existirem diversas construções na área. O princípio da igualdade (artigo 5º CPA e 13º CRP) estabelece que se deve tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente. É evidente que o facto de haver construções na área, para as quais foram emitidas licenças, não exige que se garanta uma licença de construção de um colégio no mesmo local (apesar de refutar o argumento da Câmara de que se trava de uma zona non aedificandi). A construção de um colégio, por toda a sua envolvente (especial precaução com medidas de segurança, de circulação e estacionamento de automóveis, existência de determinada distância requerida para próximo colégio, entre outras), tem de ser muito mais ponderada do que a mera construção de edifícios de habitação. Além de que a zona pode ter especial interesse público, entre mil outras razões. Não é o facto de haver diversas construções que fará com que a construção do colégio seja imposto pelo princípio da igualdade.
  • Ao longo do procedimento, nomeadamente em sede de audição dos interessados, teria sido dito a Afonso que o pedido seria deferido, pelo que este tinha inclusive dado início às obras, para adiantar trabalho. A audiência dos interessados (artigo 100º e seguintes CPA) promove uma tutela antecipada dos direitos subjectivos dos particulares. O artigo 100º/1 refere, inclusivamente, que os interessados deverão ser informados sobre o sentido provável deste. Ora, o próprio CPA estabelece o princípio da boa fé, no seu artigo 6º-A, concretizando os subprincípios da tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente. Num anterior comentário a um dos princípios, escolhi precisamente este princípio da boa fé, tendo alegado na altura que os interesses em causa e que eram visados pela boa fé eram idênticos tanto em Direito Público, como em Direito Privado, nomeadamente atender às particularidades do caso concreto e exprimir uma preocupação para com os valores ético jurídicos da comunidade, tal qual o Prof. Menezes Cordeiro refere no seu Tratado de Direito Civil, Tomo I, pp.174 e seguintes. Nesta situação, há dois pontos em consideração : por um lado, Afonso foi informado acerca do sentido provável - e não do sentido definitivo - da audiência. Por outro, há que ter em conta que a informação dada em audiência a um particular não pode ser feita de ânimo leve, e que carece de uma maior responsabilização do que a informação dada num contexto diferente. Assim sendo, a análise tem de ser feita sobre o espectro dos requisitos da boa fé, que o já referido Prof. Menezes Cordeiro adianta nas pp.186 e seguintes, nomeadamente haver uma situação de confiança, uma justificação para essa confiança, um investimento feito à base dessa confiança e por último a imputação da situação de confiança a quem vai ser atingido pela protecção dada ao confiante. Caso se verifiquem estes requisitos, poderá Afonso pedir uma indemnização por danos emergentes, cobrindo as despesas tidas com o adiantamento da obra, mas já não por lucros cessantes.
Em suma, e após uma análise amadora ao procedimento administrativo, parece-me que Afonso pode requerer a anulabilidade do indeferimento por uma razão formal, nomeadamente a violação do princípio da imparcialidade, mas já não por qualquer das razões materiais invocadas, pelas razões acima mencionadas.

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