quinta-feira, 11 de abril de 2013

Caso prático 2

Como nos foi sugerido para fazermos, irei - para o caso prático em análise - identificar os factos relevantes em termos de actuação administrativa, numa lógica cronológica, e de seguida analisar questões de competência, de forma e de conteúdo. Trata-se de um Instituto Público com atribuições na área de promoção do aproveitamento de tempos livres, férias e lazer das populações mais carenciadas, que se insere na Administração Indirecta do Estado, tendo o Governo poderes de superintendência e tutela sobre o mesmo, nos termos do artigo 199º, al. d) da Constituição, do Código do Procedimento Administrativo e da Lei nº 3/2004 (Lei Quadro dos Institutos Públicos).


1 - O Conselho Directivo do referido IP reúne-se ordinariamente (artigo 22º/1 LQIP). Na ordem de trabalho, delegou no Presidente do Conselho Directo a competência para aceitar inscrições e atribuir o estatuto de "utente associado" dos serviços do IP. Em termos de competência, pelos artigos 21º/1, alíneas a) e i) e 23º/1, alínea d) da LQIP e pelo artigo 35º/3 do CPA, pode haver delegação de poderes neste caso em análise. Para tal, exigem-se três requisitos de validade (haver dois órgãos ou agentes, uma lei habilitante e um acto de delegação) e um requisito de eficácia (publicação pelo 37º CPA). Reúnem-se o requisitos de validade, falta o requisito de eficácia.
 2 - Quanto à delegação de podes na empresa "OTL", para desenvolver o programa "idoso em movimento", celebrando os contratos necessários, esta é abrangida pelo artigo 54º da LQIP, desde que tenha havido prévia autorização do Ministro da Tutela e que o prazo de delegação seja determinado.
 3 - Compareceram na reunião o Presidente e dois dos quatro vogais, verificando-se o quórum exigido pelo artigo 22º do CPA, na medida em que o Conselho é composto por um Presidente e - neste caso - quatro vogais (artigo 19º/1 LQIP).
 Todavia, por violação do princípio da imparcialidade (art. 6º CPA), que remete para o art. 44º e seguintes para mecanismos de prevenção, nomeadamente 44º/1, al. a), o Presidente estaria impedido de votar, não podendo sequer estar presente (24º/4 CPA) na medida em que tem interesse na votação em causa, que consiste em delegar-lhe poderes. Assim, não se verifica afinal o quórum para a delegação de poderes no Presidente do Conselho Directivo, sendo a mesma anulável pelo art. 51º do CPA.
 Quanto à delegação de poderes na empresa "OTL", pertencendo esta à mulher de um dos vogais, mais uma vez o princípio da imparcialidade exige um mecanismo de prevenção, que passa pelo art. 44º/1, al. b), impedindo assim o vogal em causa de votar - não servindo de nada aqui a votação secreta, que aliás só se poderá fazer mediante disposição legal em contrário (artigo 24º/1 CPA), sendo a regra a votação nominal - o que mais uma vez nos coloca o problema de falta de quórum, sendo a delegação anulável pelo art. 51º do CPA. Para se ser mais rigoroso, as delegações seriam nulas pelo artigo 133º, al. g) do CPA, sobrepondo-se a nulidade à anulabilidade, visto que há dois vícios : o impedimento e a falta de quórum.
 4 - O Presidente, no decorrer da reunião, assinou quinze aceitações para "utentes associados". Já vimos que para tal não tem competência, por haver uma delegação de poderes inválida; mas, ainda que tivesse preenchido os requisitos de validade, faltaria sempre o requisito da eficácia (art. 37º/2 CPA), que impediria que as quinze atribuições produzissem qualquer efeito.
 5 - O Presidente do Conselho Directivo subdelega a competência no dirigente máximo dos serviços do IP. A subdelegação vem prevista no artigo 36º do CPA e na própria LQIP, pelo artigo 23º/2, exigindo-se, para isso, autorização prévia por parte do Conselho Directivo, sendo que não há qualquer disposição legal em contrário. É de realçar que o delegante tem poderes de avocação e de revogação sobre o delegante, podendo emitir directivas ou até instruções vinculativas para o delegado (artigo 39º CPA). Nesse sentido, tem todo o direito de i) obrigar o subdelegado a conceder o estatuto de "utente associado" a todos os trabalhadores por conta de outrem, que aufiram mensalmente menos de três salários mínimos nacionais, ii) proibir a atribuição do estatuto a mais do que 1000 trabalhadores por ano e iii) proibir também de atribuir o estatuto a cinco ex-funcionários do IP, despedidos no ano anterior.
Em termos materiais, o que se poderia pôr em causa nestas instruções dadas pelo delegante ao delegado seria se as instruções vão de encontro à finalidade do IP e se violam os princípios da igualdade (ponto ii)) ou da imparcialidade (ponto iii)).
 6 - Ignorando as instruções vinculativas, o dirigente máximo dos serviços do IP está desde logo sujeito a que o Presidente do Conselho Directivo não só revogue os seus actos, como revogue a própria subdelegação de poderes.
 7 - O Ministro da Tutela, previsto no artigo 7º e 41º e seg. da LQIP, tem - como já referido - poderes de superintendência e tutela sobre o Conselho Directivo do IP. A superintendência traduz-se no poder de guiar e estabelecer objectivos, deixando ao IP autonomia para os prosseguir. Não pode dar ordens, não pode instruir directamente. Quanto à tutela, não se presume, estando prevista no artigo 41º da LQIP, nomeadamente tutela integrativa prévia e posterior (números 1-7), sancionatória (número 8) e substitutiva (número 9).
 Nesse sentido, o Ministro da Tutela:
a) não tem competência para revogar a deliberação do Presidente do Conselho Directivo;
b) tem competência para demitir o Presidente do Conselho Directivo, nos termos do artigo 20º, números 3, 6 e 7 da LQIP;
c) tem competência para ordenar ao Conselho Directivo que revogue todas as delegações análogas em vigor (trata-se de uma directiva em função de um objectivo, e não de uma ordem);
d) tem também o poder de definir como objectivo a atribuição anual de 2500 novos cartões de "utentes associados"(apesar de materialmente haver aqui uma desconformidade quanto à invocação da violação do princípio de igualdade relativamente à primeira ordem do Presidente do Conselho Directo aquando da subdelegação de poderes, quanto à atribuição a um máximo de 1000, na medida em que limitar a 1000 ou a 2500 não tem grande diferença em termos de efeitos práticos);
e) as delegações de competências têm como requisito de validade já uma lei habilitante (artigo 35º e seguintes CPA);
f) Pelo artigo 41º/8, alínea a) LQIP, pode o Ministro da Tutela exercer acção disciplinar sobre os membros dos órgãos dirigentes;
g) Mais uma vez, o poder de superintendência não pode ser confundido com o poder de decisão e supervisão que a caracteriza a Administração Directa. Nesse sentido, superintendência consagra o poder de guiar, de estabelecer objectivos, não de dar ordens directas ao órgão em causa. Dependerá a validade deste preceito da interpretação que se faça. Será uma directiva ou uma ordem? Creio tratar-se de uma ordem, estando aqui o Ministro da Tutela a imiscuir-se na autonomia deixado ao IP para a prossecução da sua finalidade.

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