A participação dos particulares no procedimento
administrativo surge como contraponto da maior liberdade decisória da
Administração, representando uma importante forma de controlo e de limitação do
poder administrativo, democratizando a Administração Pública.
Torna-se manifesta a necessidade de participação dos
particulares, pois perante o direito à audiência, pode este provar à
Administração que aquilo que defende faz sentido ou tem determinado direito,
podendo mudar a opinião da Administração. Quer isto dizer que não basta a
Administração ouvir o particular, pois terá de considerar aquilo que foi
ouvido. Ou seja, é necessário que a autoridade administrativa leve em conta o
que foi defendido na fase da audiência do procedimento, considerando a
integralidade das consequências que resultam da decisão que tomar.
É neste sentido que se equipara a fase de audiência a um “Manifesto
Anti-Dantas”, em que tudo se critica e tudo é discutido, onde se apresentam as
mais variadas posições, na convicção de que estas serão tidas em conta e
alterarão o resultado final. A audiência dos particulares como momento prévio e
obrigatório à tomada da decisão vem permitir ao particular defender-se
preventivamente.
A participação dos particulares permite então a ponderação
pelas autoridades administrativas dos interesses que estão a ser postos em causa
com a sua decisão, possibilitando-lhes uma melhor configuração dos problemas
colocados e perspectivas de sua resolução. A audiência dos particulares permite
ainda uma acrescida legitimação das decisões, tornando-as mais racionais, tutelando
os direitos subjectivos dos particulares.
A audiência dos interessados vem prevista no ART.100 e
seguintes do Código do Procedimento Administrativo (de ora em diante referido
por CPA), e consiste num importante momento do procedimento administrativo. Segundo
o disposto neste artigo, os interessados têm o direito a ser ouvidos no
procedimento antes de ser tomada a decisão final. Quer isto dizer que a
audiência consiste no momento em que se chama os interessados e se vai
ouvi-los. A referência a “interessados” quer dizer que os particulares a ser
chamados serão não apenas os destinatários imediatos de determinada decisão,
mas quaisquer interessados, mesmo que não haja uma protecção de tutela jurídica
para a sua posição.
O direito à audiência será então corolário de alguns
direitos constitucionalmente consagrados como o direito à informação dos
particulares (ART.37 da Constituição da República Portuguesa, de ora em diante
CRP), isto é, direito a informar e ser informado. Será ainda consequência do
direito de participação dos particulares (ART.267/5 CRP), e efeito de uma
administração participada. No caso do direito português a formulação do dever
de audiência deve ainda partir da prossecução do interesse público no respeito
pelos direitos e interesses dos particulares (ART.266 da CRP), o que significa
ouvi-los e considerar o que dizem.
Visto isto, poderemos considerar que a audiência prévia é
direito fundamental, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.
O ART.100 do CPA estabeleceu um procedimento quadrifásico.
Se antes existia apenas uma iniciativa, uma instrução e decisão, então agora
veio estabelecer-se, antes de decisão, a obrigatória audiência dos interessados.
Numa segunda parte do ART.100, os particulares devem ser
informados sobre o sentido provável da decisão, o que significa que embora a
Administração ainda não tenha decidido, já terá uma opinião que deverá
transmitir. Contudo, o facto de se referir a sentido provável mostra que a
decisão final poderá não ser a mesma que é exteriorizada na audiência.
Em última análise é de ter com conta a consequência jurídica
para a falta de audiência do particular, sendo que a solução dependerá do
entendimento que se tenha deste direito. Existe uma querela sobre que tipo de
direito será este, discutindo-se se este direito é um direito fundamental ou
se, por outro lado, não tem essa natureza e não está sujeito aos direitos
fundamentais da Constituição.
Para Rui Machete, a participação dos privados no
procedimento administrativo não deve ser vista como um instrumento de defesa de
posições jurídicas subjectivas, mas como parte de um processo de aquisição de
conhecimentos pela Administração, por dar relevância e significado a interesses
até aí despercebidos. Por outro lado, Gomes Canotilho entende que tal
participação representa uma dimensão intrínseca dos direitos fundamentais.
Será de entender que, no direito português, se formula uma
junção da protecção jurídica de interesses individuais com os interesses de uma
Administração Pública democrática, isto é, o direito à audiência será
simultaneamente protector dos interesses dos particulares como instrumento
democrático de formação da vontade administrativa.
Para os que defendam que será um direito fundamental, a sua
falta gerará nulidade do acto final do procedimento. Chegar-se-ia ainda a esta
nulidade pelo facto de este direito de audiência constituir uma formalidade
essencial de um acto administrativo, permitindo aplicar o ART.133/1 do CPA, e
número 2, al. d). Por outro lado, quem não o considere como tal direito,
defenderá a mera anulabilidade do acto definitivo.
Em suma, o direito à audiência, considerado pelo Prof.
Freitas do Amaral como uma pequena grande revolução na ordem jurídica
portuguesa, representa a importante ideia de que os particulares, antes da
tomada de uma medida administrativa, devem ser consultados, e as suas
considerações devem ser tomadas em conta. A sua importância advém de, do ponto de vista subjectivo, vim
permitir a tutela dos direitos dos particulares e, do ponto de vista objectivo,
permitir à Administração corrigir as suas decisões, pois poderá alterar a sua
ideia original.
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