“Quod homines non
solum vivant, sed bene vivant”
Princípio da Prossecução do Interessa Público
Começo esta exposição sobre o princípio da Prossecução do
Interesse Público com a frase latina de S. Tomás de Aquino, que significa
“aquilo que é necessário para que os homens não apenas vivam, mas vivam bem”[1]. É desta ideia que parte
toda a concepção da Administração tal como a entendemos hoje. A Administração
Pública tem como função, não só manter-nos vivos, mas mais do que isso: deve
providenciar para que nós, enquanto comunidade, tenhamos acesso aos mais
diversos meios que permitam a satisfação das nossas necessidades, as
necessidades da colectividade (as necessidades colectivas). É, pois, do nosso
interesse, enquanto comunidade, que estas e outras manifestações da actividade
Administrativa continuem a estar presentes na sociedade. Este nosso interesse
que corresponde à satisfação das nossas necessidades é o interesse público. “A
administração pública e o direito administrativo só podem compreender-se com
recurso à ideia de interesse público”[2] – de facto como se disse,
a Administração não teria razão de existir se não estivesse orientada ao
interesse público.
O princípio da prossecução do interesse público é - no dizer
do Professor Freitas do Amaral – o princípio motor da Administração pública[3], ou o seu norte[4]. A própria razão de ser da
Administração, assim como a sua actuação se devem e orientam ao interesse
público, tendo-o como princípio e como fim, sendo inclusivamente o seu único fim[5].
No entanto, dada a extensão deste princípio, há que proceder
a um maior aprofundamento: a Administração prossegue o interesse público de
acordo com determinados critérios, dentro de limites e respeitando certos
valores. Não o faz “de qualquer maneira”[6]. Para garantir a melhor
prossecução do interesse público há que atender a dois princípios que se
subordinam ao da prossecução do interesse público, são eles o princípio da legalidade[7], e o princípio do respeito pelos direitos
e interesses legítimos dos particulares[8].
Dentro dos limites impostos por estes princípios, a
Administração actua muitas vezes com recurso ao poder discricionário, que
corresponde a uma margem de liberdade decisória. Este poder não é arbitrário,
mas resulta da lei que o regula e condiciona[9].
Este poder deve ser exercido com justiça e imparcialidade,
daqui decorrendo os princípios enunciados no artigo 6º do CPA, determinando
precisamente, este artigo, que: “No exercício da sua actividade, a
Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com
ela entrem em relação”.
Análise do princípio: uma vez que este princípio se encontra
plenamente consagrado no artigo 266/1, primeira parte, da CRP, é a partir daqui
que partimos para a análise deste princípio. O “interesse público” de que a lei
fala é o interesse de toda a comunidade, da colectividade, é o “bem-comum”[10].
Sendo a função administrativa uma função secundária do
Estado, deve subordinar-se à lei (princípio da legalidade), a quem cumpre
definir as opções políticas fundamentais, a serem concretizadas pela
Administração. Não é, pois, a Administração que decide o que é que são os
interesses públicos que deve prosseguir. De facto, os fins prosseguidos pela
Administração são aqueles que a Constituição e a lei concretizam[11], cabe-lhe, no entanto, a
“identificação dos contornos da necessidade colectiva a satisfazer”[12], assim como a decisão da
sua satisfação por processos colectivos e a definição dos termos que pautam o
processo de satisfação dessas necessidades. Este princípio actua como limite à
margem de livre decisão administrativa: é permitido à Administração actuar,
desde que no interesse público que a lei define como tal.
Deste modo, a Administração está proibida de prosseguir
quaisquer interesses que não sejam os públicos (o que não impede que outros
interesses sejam beneficiados pela acção da Administração, mas nunca como fim,
mas meramente como consequência, e nunca tendo estes como meta). Estes
interesses públicos estão definidos pela lei, e é nesses termos que a
Administração os deve prosseguir. O interesse público deve, pois ser concreta e
normativamente definido.
Qualquer actuação administrativa que actue de forma diversa
(prosseguindo interesses que não sejam os públicos, ou diversos dos
normativamente fixados) é ilegal, e resultará em invalidade.
Pode, também, ocorrer a violação deste princípio, caso,
ainda que na prossecução do interesse público, este seja prosseguido por um
órgãos distinto àquele a que a compete a mesma prossecução. Traduz-se esta
violação num vício de incompetência.
Independentemente dos limites que este princípio impõe, dada
a sua amplitude, este reveste-se de um elevado grau de indeterminação[13]. Não é, de todo,
possível, a partir deste princípio, definir qual é, em cada caso concreto, a
melhor forma de prosseguir o interesse público. Neste sentido, a Administração
goza de uma ampla liberdade no exercício do seu poder discricionário. De facto,
há várias formas de prosseguir o interesse público, e é só isso que pode ser
controlado, não se avalia o mérito da actuação administrativa, no sentido de
saber se o interesse público estar a ser prosseguido da melhor ou da pior
forma, desde que prossiga o interesse público legalmente definido. Poder-se-ia
pensar, então, que a Administração estaria dispensada do dever de boa
administração (dever de prosseguir os interesses públicos legalmente definidos
da melhor maneira possível[14]),
não é verdade. A Administração, por força do princípio da eficiência[15], está vinculada ao
cumprimento do dever de boa administração, a questão é que, por força do
princípio da separação de poderes, este não pode ser controlado pelos tribunais[16], estando na esfera do
mérito da actuação da Administração, sendo este dever meramente
intra-administrativo. O controlo do dever de boa administração opera-se através
da revogação, modificação ou substituição de actos ou regulamentos
administrativos violadores do mesmo, pelos órgãos para tal competentes.
Violações neste campo, podem, também, ocasionar a utilização de meios
administrativos de impugnação por parte dos particulares, ou despoletar o
exercício de poderes de intervenção interorgânicos ou intersubjectivos[17]. Pode ter, ainda,
diversas consequências, tanto no campo jurídico, como extrajurídicas, no
entanto, é certo que de maneira nenhuma a violação deste dever de boa
administração envolve a ilegalidade ou invalidade da actuação administrativa.
Assim sendo, o princípio da Prossecução do Interesse
Público, embora não seja o único principio orientador da actividade administrativa,
é o princípio basilar, o que não obsta à existência de vários outros princípios
de grande importância para a actividade administrativa, no entanto, estes
acabam por constituir-se como decorrentes deste princípio.
Rodrigo Lobo Machado, 140111033
[1]
Cfr. “Direito Administrativo” vol. II, Diogo Freitas do Amaral, Lisboa, 1988,
pág. 35
[2]
Cfr. “Direito Administrativo – Introdução e princípios fundamentais” Tomo I, Marcelo
rebelo de Sousa, André Salgado de Matos, 3ª edição reimpressão, D. Quixote,
pág. 208
[3]
Cfr. “Direito Administrativo” vol. II, Diogo Freitas do Amaral, Lisboa, 1988,
pág. 33
[4]
Cfr. “Direito Administrativo – Introdução e princípios fundamentais” Tomo I, Marcelo
rebelo de Sousa, André Salgado de Matos, 3ª edição reimpressão, D. Quixote,
pág. 208
[5]
Cfr. “Direito Administrativo” vol. II, Diogo Freitas do Amaral, Lisboa, 1988,
pág. 33
[6]
Cfr. Idem, pág. 34
[7]
Princípio da Legalidade: Constituição da República Portuguesa, artigo 266º/2/1ª
parte: “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e
à lei”
[8]
Princípio do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos particulares:
Constituição da República Portuguesa, artigo 266º/1: “A administração Pública
visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses
legalmente protegidos dos cidadãos.”; Código de Procedimento
Administrativo, artigo 4º: “Compete aos órgãos administrativos prosseguir o
interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente
protegidos dos cidadãos”.
[9]
Cfr. “Direito Administrativo” vol. II, Diogo Freitas do Amaral, Lisboa, 1988,
pág. 34
[10]
Cfr. Idem, pág. 36
[11]
Cfr. “Direito Administrativo – Introdução e princípios fundamentais” Tomo I, Marcelo
rebelo de Sousa, André Salgado de Matos, 3ª edição reimpressão, D. Quixote,
pág. 208
[12]
Cfr. Idem
[13]
Cfr. Ibidem
[14]
Cfr. “Direito Administrativo – Introdução e princípios fundamentais” Tomo I, Marcelo
rebelo de Sousa, André Salgado de Matos, 3ª edição reimpressão, D. Quixote,
pág. 209
[15]
Código de Procedimento Administrativo, artigo 10º
[16]
Cfr. “Direito Administrativo – Introdução e princípios fundamentais” Tomo I, Marcelo
rebelo de Sousa, André Salgado de Matos, 3ª edição reimpressão, D. Quixote,
pág. 209
[17]
Direcção, superintendência, tutela de mérito
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