quinta-feira, 4 de abril de 2013

“Quod homines non solum vivant, sed bene vivant”


“Quod homines non solum vivant, sed bene vivant”

Princípio da Prossecução do Interessa Público

Começo esta exposição sobre o princípio da Prossecução do Interesse Público com a frase latina de S. Tomás de Aquino, que significa “aquilo que é necessário para que os homens não apenas vivam, mas vivam bem”[1]. É desta ideia que parte toda a concepção da Administração tal como a entendemos hoje. A Administração Pública tem como função, não só manter-nos vivos, mas mais do que isso: deve providenciar para que nós, enquanto comunidade, tenhamos acesso aos mais diversos meios que permitam a satisfação das nossas necessidades, as necessidades da colectividade (as necessidades colectivas). É, pois, do nosso interesse, enquanto comunidade, que estas e outras manifestações da actividade Administrativa continuem a estar presentes na sociedade. Este nosso interesse que corresponde à satisfação das nossas necessidades é o interesse público. “A administração pública e o direito administrativo só podem compreender-se com recurso à ideia de interesse público”[2] – de facto como se disse, a Administração não teria razão de existir se não estivesse orientada ao interesse público.

O princípio da prossecução do interesse público é - no dizer do Professor Freitas do Amaral – o princípio motor da Administração pública[3], ou o seu norte[4]. A própria razão de ser da Administração, assim como a sua actuação se devem e orientam ao interesse público, tendo-o como princípio e como fim, sendo inclusivamente o seu único fim[5].

No entanto, dada a extensão deste princípio, há que proceder a um maior aprofundamento: a Administração prossegue o interesse público de acordo com determinados critérios, dentro de limites e respeitando certos valores. Não o faz “de qualquer maneira”[6]. Para garantir a melhor prossecução do interesse público há que atender a dois princípios que se subordinam ao da prossecução do interesse público, são eles o princípio da legalidade[7], e o princípio do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos particulares[8].

Dentro dos limites impostos por estes princípios, a Administração actua muitas vezes com recurso ao poder discricionário, que corresponde a uma margem de liberdade decisória. Este poder não é arbitrário, mas resulta da lei que o regula e condiciona[9].

Este poder deve ser exercido com justiça e imparcialidade, daqui decorrendo os princípios enunciados no artigo 6º do CPA, determinando precisamente, este artigo, que: “No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação”.

Análise do princípio: uma vez que este princípio se encontra plenamente consagrado no artigo 266/1, primeira parte, da CRP, é a partir daqui que partimos para a análise deste princípio. O “interesse público” de que a lei fala é o interesse de toda a comunidade, da colectividade, é o “bem-comum”[10].

Sendo a função administrativa uma função secundária do Estado, deve subordinar-se à lei (princípio da legalidade), a quem cumpre definir as opções políticas fundamentais, a serem concretizadas pela Administração. Não é, pois, a Administração que decide o que é que são os interesses públicos que deve prosseguir. De facto, os fins prosseguidos pela Administração são aqueles que a Constituição e a lei concretizam[11], cabe-lhe, no entanto, a “identificação dos contornos da necessidade colectiva a satisfazer”[12], assim como a decisão da sua satisfação por processos colectivos e a definição dos termos que pautam o processo de satisfação dessas necessidades. Este princípio actua como limite à margem de livre decisão administrativa: é permitido à Administração actuar, desde que no interesse público que a lei define como tal.

Deste modo, a Administração está proibida de prosseguir quaisquer interesses que não sejam os públicos (o que não impede que outros interesses sejam beneficiados pela acção da Administração, mas nunca como fim, mas meramente como consequência, e nunca tendo estes como meta). Estes interesses públicos estão definidos pela lei, e é nesses termos que a Administração os deve prosseguir. O interesse público deve, pois ser concreta e normativamente definido.

Qualquer actuação administrativa que actue de forma diversa (prosseguindo interesses que não sejam os públicos, ou diversos dos normativamente fixados) é ilegal, e resultará em invalidade.

Pode, também, ocorrer a violação deste princípio, caso, ainda que na prossecução do interesse público, este seja prosseguido por um órgãos distinto àquele a que a compete a mesma prossecução. Traduz-se esta violação num vício de incompetência.

Independentemente dos limites que este princípio impõe, dada a sua amplitude, este reveste-se de um elevado grau de indeterminação[13]. Não é, de todo, possível, a partir deste princípio, definir qual é, em cada caso concreto, a melhor forma de prosseguir o interesse público. Neste sentido, a Administração goza de uma ampla liberdade no exercício do seu poder discricionário. De facto, há várias formas de prosseguir o interesse público, e é só isso que pode ser controlado, não se avalia o mérito da actuação administrativa, no sentido de saber se o interesse público estar a ser prosseguido da melhor ou da pior forma, desde que prossiga o interesse público legalmente definido. Poder-se-ia pensar, então, que a Administração estaria dispensada do dever de boa administração (dever de prosseguir os interesses públicos legalmente definidos da melhor maneira possível[14]), não é verdade. A Administração, por força do princípio da eficiência[15], está vinculada ao cumprimento do dever de boa administração, a questão é que, por força do princípio da separação de poderes, este não pode ser controlado pelos tribunais[16], estando na esfera do mérito da actuação da Administração, sendo este dever meramente intra-administrativo. O controlo do dever de boa administração opera-se através da revogação, modificação ou substituição de actos ou regulamentos administrativos violadores do mesmo, pelos órgãos para tal competentes. Violações neste campo, podem, também, ocasionar a utilização de meios administrativos de impugnação por parte dos particulares, ou despoletar o exercício de poderes de intervenção interorgânicos ou intersubjectivos[17]. Pode ter, ainda, diversas consequências, tanto no campo jurídico, como extrajurídicas, no entanto, é certo que de maneira nenhuma a violação deste dever de boa administração envolve a ilegalidade ou invalidade da actuação administrativa.

Assim sendo, o princípio da Prossecução do Interesse Público, embora não seja o único principio orientador da actividade administrativa, é o princípio basilar, o que não obsta à existência de vários outros princípios de grande importância para a actividade administrativa, no entanto, estes acabam por constituir-se como decorrentes deste princípio.

Rodrigo Lobo Machado, 140111033



[1] Cfr. “Direito Administrativo” vol. II, Diogo Freitas do Amaral, Lisboa, 1988, pág. 35
[2] Cfr. “Direito Administrativo – Introdução e princípios fundamentais” Tomo I, Marcelo rebelo de Sousa, André Salgado de Matos, 3ª edição reimpressão, D. Quixote, pág. 208
[3] Cfr. “Direito Administrativo” vol. II, Diogo Freitas do Amaral, Lisboa, 1988, pág. 33
[4] Cfr. “Direito Administrativo – Introdução e princípios fundamentais” Tomo I, Marcelo rebelo de Sousa, André Salgado de Matos, 3ª edição reimpressão, D. Quixote, pág. 208
[5] Cfr. “Direito Administrativo” vol. II, Diogo Freitas do Amaral, Lisboa, 1988, pág. 33
[6] Cfr. Idem, pág. 34
[7] Princípio da Legalidade: Constituição da República Portuguesa, artigo 266º/2/1ª parte: “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei”
[8] Princípio do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos particulares: Constituição da República Portuguesa, artigo 266º/1: “A administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.”; Código de Procedimento Administrativo, artigo 4º: “Compete aos órgãos administrativos prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”.
[9] Cfr. “Direito Administrativo” vol. II, Diogo Freitas do Amaral, Lisboa, 1988, pág. 34
[10] Cfr. Idem, pág. 36
[11] Cfr. “Direito Administrativo – Introdução e princípios fundamentais” Tomo I, Marcelo rebelo de Sousa, André Salgado de Matos, 3ª edição reimpressão, D. Quixote, pág. 208
[12] Cfr. Idem
[13] Cfr. Ibidem
[14] Cfr. “Direito Administrativo – Introdução e princípios fundamentais” Tomo I, Marcelo rebelo de Sousa, André Salgado de Matos, 3ª edição reimpressão, D. Quixote, pág. 209
[15] Código de Procedimento Administrativo, artigo 10º
[16] Cfr. “Direito Administrativo – Introdução e princípios fundamentais” Tomo I, Marcelo rebelo de Sousa, André Salgado de Matos, 3ª edição reimpressão, D. Quixote, pág. 209
[17] Direcção, superintendência, tutela de mérito

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