quarta-feira, 10 de abril de 2013

Resolução da Hipótese Prática nº2


Nesta hipótese prática estão em causa vários actos jurídico-públicos:

1)       Delegação pelo conselho directivo do IP no seu presidente da competência para, nos termos da lei, aceitar inscrições e atribuir o estatuto de utente associado dos serviços do instituto.
2)       Delegação pelo conselho directivo do IP na empresa OTL da competência para organizar e desenvolver o programa excursionista “idoso em movimento”, celebrando os contratos necessários, designadamente com os interessados e com as unidades hoteleiras.
3)       Assinatura de expediente pelo presidente durante os trabalhos do conselho directivo (atribuição de estatutos de utentes associados).
4)       Subdelegação das competências delegadas pelo conselho directivo no dirigente máximo dos serviços do referido IP, competente em razão da matéria.
5)       Atribuição dos estatutos de utentes associados pelo dirigente máximo dos serviços.
6)       Actuações do ministro da tutela (elencadas no enunciado da hipótese).

Para cada actuação será necessário analisar questões de competência, formais e de procedimento e materiais.

Antes de mais é conveniente fazer uma pequena introdução. Este é um caso relativo a um instituto público que é (seguindo os ensinamentos do Professor Freitas do Amaral) uma pessoa colectiva pública, de tipo institucional, criada para assegurar o desempenho de determinadas funções administrativas de carácter não empresarial, pertenecentes ao Estado ou a outra pessoa colectiva pública. Os institutos públicos fazem, pois, parte da Administração indirecta do Estado, e, de acordo com os arts.267º/2 e 199º/d) da CRP e com os arts.41º e 42º da LQIP (Lei-Quadro dos Institutos Públicos – Lei nº3/2004, de 15 de Janeiro), estão sujeitos aos poderes de superintendência e de tutela por parte do Governo.
Aos institutos públicos aplicam-se as normas da já citada LQIP e do CPA (art.6º/2/a) LQIP).

1)       Delegação pelo conselho directivo do IP no seu presidente da competência para, nos termos da lei, aceitar inscrições e atribuir o estatuto de utente associado dos serviços do instituto.

Competência
O conselho directivo é o órgão executivo dos IP (arts.17º e 18º e ss LQIP). As suas competências estão definidas no art.21º da LQIP. De acordo com as alíneas a) e b) do número 1 do citado artigo, compete a este órgão dirigir a a actividade do IP e assegurar a execução dos planos de actividades.
Assim, aceitar inscrições e atribuir o estatuto de utente associado dos serviços do IP parece estar dentro das suas competências (embora nos pareça que aceitar inscrições seja mais uma função própria dos serviços que auxiliam o conselho directivo – art.33º LQIP).

Questões formais e procedimentais
Não havendo na LQIP norma que preveja expressamente a delegação de poderes por parte deste órgão, é de aplicar subsidiariamente as normas gerais do CPA sobre esta matéria: arts.35º e ss. Diz o art.35º/1 (mais concretamente, ver nº3) que os órgãos administrativos podem delegar competências próprias noutro órgão ou agente, sempre que para tal estejam habilitados por lei. Ora, como já dissemos, nas competências do conselho directivo previstas na LQIP não se prevê a competência deste órgão de delegar competências… Mas: nas competências do presidente (art.23º71/d) LQIP) prevê-se a de exercer as competências delegadas pelo conselho directivo. Considera-se, portanto, que esta é norma habilitante da delegação de poderes em causa, estando verificado o requisito imposto pelo CPA. Conclui-se que conselho directivo tinha competência para praticar este acto.
O conselho directivo é composto por um presidente e até dois vogais, podendo ter ainda 1 vice-presidente (art.19º/1 LQIP – artigo alterado pelo DL nº5/2012, de 17 de Janeiro). Neste caso concreto, diz-se que o conselho directivo do IP tinha 4 vogais – não cumprindo o limite imposto pela LQIP. Claramente este IP não se sujeitou à restruturação orgânica exigida pela alteração da LQIP e que está prevista como forma de cessação do mandato no art.20º/4/c) LQIP. Consideraremos a questão partindo do pressuposto que os 2 vogais que compareceram à reunião são os únicos vogais do conselho directivo.
Sendo este um órgão colegial aplicam-se-lhe as normas dos arts.14º e ss do CPA.
O quórum (art.22º CPA) neste caso foi cumprido porque compareceram todos os membros do órgão (não sabemos se existia ou não um vice-presidente mas mesmo que existisse o quórum estava verificado - estavam presentes 3 em 4 membros o que é mais do que a maioria legal de membros). Tendo havido empate na votação, aplica-se o art.26º/1 que determina que o presidente tem voto de qualidade. Na hipótese em apreço tudo se verificou de acordo com a lei já que o acto foi adoptado porque o presidente votou a favor da delegação de poderes.

Questões materiais
Não parecem existir neste acto problemas materiais.


2)       Delegação pelo conselho directivo do IP na empresa OTL da competência para organizar e desenvolver o programa excursionista “idoso em movimento”, celebrando os contratos necessários, designadamente com os interessados e com as unidades hoteleiras.

Questões de competência
Aplica-se o referido para o acto anterior (1º parágrafo).
Consideramos que organizar e desenvolver o programa excursionista cabe nas competências do conselho directivo – art.21º/1/a) e b) LQIP.

Questões procedimentais e formais
No entanto, não basta ter competência para se poder delega-la. É necessário uma norma habilitante (art.35º/1 CPA). Como estamos perante uma delegação de poderes numa empresa privada não há norma habilitante. Aliás, seria estranho que o conselho directivo de um IP pudesse delegar competências numa empresa particular. Seria antes mais normal a celebração de um contrato de prestação de serviços com essa empresa. Consideramos que quanto a esta segunda delegação houve violação do disposto no art.35º/1 sofrendo de uma invalidade formal.
Quanto à votação também existem outros vícios. Na verdade, pelo facto de a empresa interessada na deliberação pertencer à mulher de um vogal, ele deveria ter-se declarado impedido ao presidente do conselho directivo nos termos dos arts.44º/1/b) e 45º/1. Como consequência, o vogal em questão não deveria ter participado nem na discussão nem na votação da 2ª deliberação (art.47º/1). Como se trata de um órgão colegial discutiriam e deliberariam a questão o outro vogal e o presidente. Esta deliberação, como violou os artigos citados, é anulável (art.51º CPA). No caso concreto votou-se por escrutínio secreto o que só é exigido quando estejam em causa “deliberações que envolvam a apreciação de comportamentos ou das qualidades de qualquer pessoa” (art.24º/2 CPA).

Questões materiais
Não parecem existir problemas materiais.


3)       Assinatura de expediente pelo presidente durante os trabalhos do conselho directivo (atribuição de estatutos de utentes associados).

Questões de competência
As competências foram-lhe delegadas em virtude da deliberação. Não parece haver nenhuma razão legal que leve a crer que o momento da delegação foi outro que não o da adopção do acto com a votação favorável.

Questões procedimentais e formais
Não parecem existir.

Questões materiais
Poderá aqui levantar-se a questão de saber se o presidente pode assinar expediente duarnate os trabalhos do conselho directivo. Por um lado isso pode afectar a sua concentração nos trabalhos de forma a contribuir para a celeridade e qualidade das decisões. Além disso, havendo tão poucos membros não se parece justificar o aproveitamento do tempo a assinar expediente… Poderá até ser uma violação do princípio da eficiência (art.10º CPA). Além disso, o presidente tem a função de orientar os trabalhos das reuniões do conselho directivo (art.23º/1/a) LQIP e art.14º/2 CPA), o que não parece deixar espaço para assinatura de expediente. É de notar que está em causa a atribuição de estatuto de utente associado, o que implica, tendo em conta o fim do IP (ajudar populações carenciadas), a análise das características dos candidatos. Em confronto pode-se colocar o dever de celeridade dos procedimentos administrativos previsto no art.57º do CPA. Consideramos, apesar de tudo, que a celeridade deve ser prejudicada em favor da tomada de decisões mais acertadas, com maior ponderação.


4)       Subdelegação das competências delegadas pelo conselho directivo no dirigente máximo dos serviços do referido IP, competente em razão da matéria.

Questões de competência
A subdelegação de poderes está prevista em termos genéricos no art.36º/1 do CPA. De forma diferente da prevista para a delegação, o legislador estabelece que a subdelegação é possível se houver autorização do delegado. Não é necessário lei habilitante, mas a subdelegação pode ser impedida por norma especial que disponha em contrário. Neste caso, não parece ter existido autorização do conselho directivo para o presidente subdelegar competências. Assim, não está cumprido o requisto do art.36º/1 do CPA e esta subdelegação sofre de um vício de competência.
Quanto às orientações dadas pelo presidente ao dirigente dos serviços. O art.37º do CPA determina os requisitos do acto de delegação ou subdelegação. Apenas se exige que estejam especificados os actos a praticar e os órgãos/agentes em causa. Porém, o art.39º/1 CPA estabelece como poder do subdelegante emitir directivas ou instruções vinculativas para o subdelegado sobre o modo como devem ser exercidos os poderes subdelegados. Assim, é dentro desta competência que o presidente está apto a dirigir as três orientações que dirigiu ao dirigente máximo dos serviços.

Questões formais ou procedimentais
Não parecem existir.

Questões materiais
Parecem levantar-se vários problemas materiais quanto às orientações definidas pelo presidente relativamente ao exercícios dos poderes subdelegados no dirigente máximo dos serviços.

a)       conceder o estatuto de utente associado a todos os trabalhadores por conta de outrem, que aufiram mensalmente menos de três salários mínimos nacionais
A primeira parte desta directiva parece ser violadora do princípio da igualdade, consagrado no art.5º/1 do CPA. Uma vez que o IP se destina a ajudar as populações mais carenciadas, parece ser discriminatório o critério de atribuição do estatuto com base em ser-se trabalhador por conta própria ou por conta de outrem. Os critérios razoáveis e diferenciadores justificados são os que têm em conta os rendimentos mensais, o número de membros do agregado familiar (especialmente atendendo a menores dependentes dos pais), entre outros. Por isso, a segunda parte (que tem em conta os rendimentos mensais) não parece ser discriminatória.

b)       não atribuir tal estatuto a mais do que mil trabalhadores por ano
Esta directiva não parece, à partida, opor-se a nenhum princípio material a que deve obrigação a Administração Pública. De facto, o IP na prossecução dos seus fins deve sempre ter em conta as suas possibilidades: a nível financeiro, organizatório, etc., ver p.ex. o arts.5º/1/b) e 5º/2 da LQIP. Porém, o IP para decidir este limite máximo deve fazer as contas e fundamentar a sua decisão. Se esta decisão não tiver fundamentos na sua base violará o princípio da prossecução do interesse público (prossegue-se antes fins de interesse privado: menos trabalho para funcionários do instituto p.ex.).

c)       não atribuir tal estatuto a 5 ex-funcionários do instituto que haviam sido despedidos no ano anterior
Esta instrução é claramente atentatória do princípio da imparcialidade (art.6º CPA), enquanto decorrência do princípio da igualdade (art.5º/1 CPA). Como dissemos anteriormente, a atribuição do estatuto de utente associado deve ter como critérios aqueles que apontem para a situação de carência do candidato.


5)       Atribuição dos estatutos de utentes associados pelo dirigente máximo dos serviços.

Questões de competência
Na medida em que o acto de subdelegação for válido (que não parece ter sido) o dirigente máximo dos serviços do IP é competente para atribuir o estatuto. No entanto, terá competência para atribuir estatutos em violação do disposto pelas directivas do subdelegante. Parece-nos que é competente porque a competência afere-se pelo acto de subdelegação e como dissemos anteriormente, neste só se prevêm as entidades subdelegante e subdelegado e os poderes delegados e os actos que podem ser praticados (art.37º/1 CPA). A questão de saber qual a consequência dos actos do subdelegante em contradição com o disposto pelo subdelegante já é questão procedimental.

Questões procedimentais ou formais
Os actos de atribuição do estatuto em contradição com o disposto pelo presidente parecem à partida ser válidos mas podem ser revogados por este nos termos do art.39º/2 do CPA. Esta revogação implicaria a extinção da subdelegação, tal como disposto no art.40º/1/a) CPA.

Questões materiais
A única questão que aqui se poderia colocar era: se o subdelegado considerar as directivas e instruções do subdelegante injustas o que deve fazer? Praticar os actos sem as aplicar ou comunicar por exemplo ao órgão de fiscalização (art.26º LQIP) ou ao ministro da tutela (art.7º LQIP)? Não encontrámos resposta para esta questão, no entanto, parece-nos pouco eficiente a 1ª solução visto que, como já vimos, os actos podem ser simplesmente revogados pelo subdelegante.


6)       Actuações do ministro da tutela (elencadas no enunciado da hipótese).
Como já dissemos, os IP estão sujeitos a poderes de tutela (poderes de controlo que garantem a eficácia do poder de superintendência). Estes poderes estão previstos nos arts.41º e 42º da LQIP.

a)       Revogar essa deliberação

Questões de competência
O ministro da tutela não tem poder de tutela revogatória sobre IP.

b)       Demitir com efeitos imediatos o presidente do conselho directivo

Questões de competência
De acordo com o art.41º/8/a) da LQIP o ministro tem poder de tutela sancionatória.

Questões formais ou procedimentais
Parece-nos que o ministro não pode despedir imediatamente o presidente. Terá primeiro de instaurar um processo disciplinar que poderá levar à demissão ou não (art.20º/4/e) LQIP).

c)       Ordenar ao conselho directivo que revogue todas as decisões análogas que estejam em vigor

Questões de competência
Ministro da tutela tem poderes de superintendência, podendo, por isso, emitir directivas e dirigir orientações (art.42º/1 LQIP), mas não pode dar ordens ou intruções directas, isso seriam antes poderes de direcção (que só existem nas relações hierárquicas).

d)       Determinar como objectivo a prosseguir pelo instituto a atribuição anual de 2500 novos cartões de utente associado

Questões de competência
Esta é considerada uma directiva o que cabe no âmbito do poder de superintendência previsto no art.42º/1 LQIP. o ministro é competente para a prática deste acto.

e)       Determinar que para o futuro, as delegações de competências dos serviços ficam sujeitas à autorização ministerial

Questões de competência
De acordo com o art.41º/3 da LQIP, os actos sujeitos ao poder de tutela integrativa a priori devem estar previstos na lei ou nos estatutos. Não é ao ministro que cabe determinar. O ministro não é competente para a prática deste acto.

f)        Determinar a abertura de processo disciplinar ao director dos serviços de aprovisionamento do instituto por ter ignorado um conjunto de directivas ministeriais relativas à aquisição de material informático, declarando inválidos os contratos celebrados

Questões de competência

O ministro é competente para a abertura do processo disciplinar, no âmbito do seu poder de tutela sancionatória (art.41º/8/a) LQIP). já não é competente para declarar inválidos os contratos celebrados. A declaração de invalidade cabe, em nome do princípio da separação de poderes, aos tribunais administrativos. No entanto, no âmbito da sua tutela inspectiva pode reportar os actos que considerou inválidos em resultado de inquéritos e sindicâncias (art.41º/8/b LQIP) aos tribunais parece-nos.

g)       Conferir estatuto de utente associado a todos os requerente que, tendo-se inscrito há mais de 2 anos, ainda tinham os respectivos pedido pendentes para apreciação

Questões de competência
O art.41º/9 da LQIP estabelece o poder de tutela substitutiva. No entanto, este poder só existe para a prática de actos legalmente devidos e em caso de inércia grave do órgão responsável. Neste caso, o acto em questão não é exigido por lei logo o ministro não é competente. 

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