quarta-feira, 3 de abril de 2013

Duelo de Direitos Subjectivos: Concepção Trinitária vs. Concepção Unitária


A ordem jurídica portuguesa trata os particulares como sujeitos de direito, titulares de direitos subjectivos perante as autoridades públicas e susceptíveis de estabelecer relações jurídicas com a Administração. Os direitos subjectivos públicos que são, de acordo com o Prof. Vasco Pereira da Silva, tanto aqueles que expressamente conferidos pela ordem jurídica, como aqueles que decorrem de uma agressão administrativa na esfera privada protegida pelos direitos fundamentais, podem ter por fonte a Constituição, o direito, internacional, a lei ordinária, o regulamento, o acto administrativo ou o contrato; enfim, será o Direito e não apenas a lei que define o estatuto jurídico dos particulares e da Administração.
Existe contudo um duelo doutrinal acerca da concepção como os direitos dos particulares devem ser encarados.

Desde logo a doutrina portuguesa tradicional, e tomando como ponto de referência o Prof. Freitas do Amaral, estabelece uma distinção tradicional entre direito subjectivo e interesse legítimo. O que estava em jogo assentava na lógica da substancialização da posição dos particulares, mas não se admitia ainda que todas as situações correspondessem a direitos subjectivos. Tanto na figura de direito subjectivo como na do interesse legítimo existe um interesse privado reconhecido e protegido pela lei. No direito subjectivo essa protecção é imediata e plena, sendo que o particular tem a faculdade de exigir à Administração um ou mais comportamentos que satisfaçam integralmente o seu interesse privado, obtendo a sua completa realização em juízo em caso de violação ou não cumprimento. No interesse legítimo a protecção legal é mediata ou de segunda linha, sendo não plena mas mitigada, e por isso o particular não pode exigir à Administração que satisfaça integralmente o seu interesse privado, mas apenas o que não o prejudique ilegalmente. O particular não poderá realizar plenamente o seu interesse em tribunal, mas eliminar os actos ou comportamentos ilegais que o tenham prejudicado. Ou seja, no direito subjectivo existe um direito à satisfação de um interesse próprio, e no interesse legítimo existe apenas uma garantia da legalidade das decisões que versem sobre um interesse próprio, ou seja, o cidadão era protegido reflexamente.

No entanto, a questão é saber se se confere ou não um direito subjectivo, independentemente das diferenças no seu conteúdo, pois ou há protecção ou não. Aliás, o reflexo estaria apenas relacionado com o modo como a norma jurídica atribui o direito, e não com a sua natureza. Esta construção será um contra-senso, pois se nos encontramos perante uma norma que atribui uma posição de vantagem, esta pode ter um conteúdo diferente, que não deixa de corresponder a uma realidade que é idêntica. Se a Administração tem o dever de actuar, então do outro lado estará um particular titular de um direito, que terá extensão diferente consoante o dever em causa.
Esta concepção evoluiu para uma ideia tripartida. A doutrina dominante continua agora a falar de direitos de primeira, ou direitos subjectivos, direitos de segunda, ou interesses legítimos, e direitos de terceira, ou interesses difusos. Ao lado dos direitos subjectivos e dos interesses legítimos existiriam então outros tipos de situações jurídico-públicas dos particulares em face da Administração, os interesses simples, e ainda interesses que não pertencem a pessoas individualmente consideradas, como os interesses colectivos e os interesses locais gerais, e os interesses difusos que, desprovidos de radicação subjectiva, cabem a um grupo muito vasto de pessoas.

Contudo, como defende o Prof. Vasco Pereira da Silva, o que está verdadeiramente em causa são direitos subjectivos de conteúdo diferente, mas todos direitos subjectivos públicos no quadro da relação entre o particular e a Administração. Mais, o legislador português quando regula os direitos subjectivos, tende a utilizar a expressão “direitos ou interesses legalmente protegidos”, o que corresponde aos direitos subjectivos. Ao equiparar estas realidades, a doutrina já não encontra diferenças entre uma coisa e outra. A relação será jurídica e paritária.

Assim, será defensável a teoria da norma de protecção unitária, em que se entende que sempre que o particular tenha uma qualquer posição de vantagem que lhe é atribuída pela ordem jurídica, quer esta resulte de uma norma que atribua expressamente um direito, de uma que crie um dever na esfera de outro, ou proteja simultaneamente uma situação objectiva, o particular é titular de um direito subjectivo. A consagração de direitos fundamentais implica, como já foi referido, que possam ser protegidos particulares que não apenas aqueles cujos direitos subjectivos decorrem da aplicação de normas de direito ordinário, ou que são imediatos destinatários de normas de direito administrativo, mas outros que sejam lesados pela actuação administrativa no domínio protegido por esses mesmos direitos.

Em jeito de conclusão, estaremos sempre perante verdadeiros direitos subjectivos públicos, não sendo correcto distinguir entre direitos subjectivos de primeira e de segunda, ou mesmo de terceira, pois todas as posições substantivas de vantagem dos privados perante a Administração devem ser entendidas como direitos subjectivos.

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