A ordem jurídica portuguesa trata os particulares como
sujeitos de direito, titulares de direitos subjectivos perante as autoridades
públicas e susceptíveis de estabelecer relações jurídicas com a Administração. Os
direitos subjectivos públicos que são, de acordo com o Prof. Vasco Pereira da
Silva, tanto aqueles que expressamente conferidos pela ordem jurídica, como
aqueles que decorrem de uma agressão administrativa na esfera privada protegida
pelos direitos fundamentais, podem ter por fonte a Constituição, o direito,
internacional, a lei ordinária, o regulamento, o acto administrativo ou o
contrato; enfim, será o Direito e não apenas a lei que define o estatuto
jurídico dos particulares e da Administração.
Existe contudo um duelo doutrinal acerca da concepção como
os direitos dos particulares devem ser encarados.
Desde logo a doutrina portuguesa tradicional, e tomando como
ponto de referência o Prof. Freitas do Amaral, estabelece uma distinção
tradicional entre direito subjectivo e interesse legítimo. O que estava em jogo
assentava na lógica da substancialização da posição dos particulares, mas não
se admitia ainda que todas as situações correspondessem a direitos subjectivos.
Tanto na figura de direito subjectivo como na do interesse legítimo existe um
interesse privado reconhecido e protegido pela lei. No direito subjectivo essa
protecção é imediata e plena, sendo que o particular tem a faculdade de exigir
à Administração um ou mais comportamentos que satisfaçam integralmente o seu
interesse privado, obtendo a sua completa realização em juízo em caso de violação
ou não cumprimento. No interesse legítimo a protecção legal é mediata ou de
segunda linha, sendo não plena mas mitigada, e por isso o particular não pode
exigir à Administração que satisfaça integralmente o seu interesse privado, mas
apenas o que não o prejudique ilegalmente. O particular não poderá realizar
plenamente o seu interesse em tribunal, mas eliminar os actos ou comportamentos
ilegais que o tenham prejudicado. Ou seja, no direito subjectivo existe um
direito à satisfação de um interesse próprio, e no interesse legítimo existe
apenas uma garantia da legalidade das decisões que versem sobre um interesse
próprio, ou seja, o cidadão era protegido reflexamente.
No entanto, a questão é saber se se confere ou não um
direito subjectivo, independentemente das diferenças no seu conteúdo, pois ou
há protecção ou não. Aliás, o reflexo estaria apenas relacionado com o modo
como a norma jurídica atribui o direito, e não com a sua natureza. Esta
construção será um contra-senso, pois se nos encontramos perante uma norma que
atribui uma posição de vantagem, esta pode ter um conteúdo diferente, que não
deixa de corresponder a uma realidade que é idêntica. Se a Administração tem o
dever de actuar, então do outro lado estará um particular titular de um
direito, que terá extensão diferente consoante o dever em causa.
Esta concepção evoluiu para uma ideia tripartida. A doutrina
dominante continua agora a falar de direitos de primeira, ou direitos
subjectivos, direitos de segunda, ou interesses legítimos, e direitos de
terceira, ou interesses difusos. Ao lado dos direitos subjectivos e dos
interesses legítimos existiriam então outros tipos de situações
jurídico-públicas dos particulares em face da Administração, os interesses
simples, e ainda interesses que não pertencem a pessoas individualmente
consideradas, como os interesses colectivos e os interesses locais gerais, e os
interesses difusos que, desprovidos de radicação subjectiva, cabem a um grupo
muito vasto de pessoas.
Contudo, como defende o Prof. Vasco Pereira da Silva, o que
está verdadeiramente em causa são direitos subjectivos de conteúdo diferente,
mas todos direitos subjectivos públicos no quadro da relação entre o particular
e a Administração. Mais, o legislador português quando regula os direitos
subjectivos, tende a utilizar a expressão “direitos ou interesses legalmente
protegidos”, o que corresponde aos direitos subjectivos. Ao equiparar estas
realidades, a doutrina já não encontra diferenças entre uma coisa e outra. A
relação será jurídica e paritária.
Assim, será defensável a teoria da norma de protecção
unitária, em que se entende que sempre que o particular tenha uma qualquer
posição de vantagem que lhe é atribuída pela ordem jurídica, quer esta resulte
de uma norma que atribua expressamente um direito, de uma que crie um dever na
esfera de outro, ou proteja simultaneamente uma situação objectiva, o
particular é titular de um direito subjectivo. A consagração de direitos
fundamentais implica, como já foi referido, que possam ser protegidos particulares
que não apenas aqueles cujos direitos subjectivos decorrem da aplicação de
normas de direito ordinário, ou que são imediatos destinatários de normas de
direito administrativo, mas outros que sejam lesados pela actuação
administrativa no domínio protegido por esses mesmos direitos.
Em jeito de conclusão, estaremos sempre perante verdadeiros
direitos subjectivos públicos, não sendo correcto distinguir entre direitos
subjectivos de primeira e de segunda, ou mesmo de terceira, pois todas as
posições substantivas de vantagem dos privados perante a Administração devem
ser entendidas como direitos subjectivos.
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