Essencial – vital – ao Direito Administrativo e aos demais ramos do direito que
constituem qualquer ordenamento jurídico, a Justiça, e o Princípio que a
enforma, é um ponto crucial e obrigatório para a formação de um jurista ou de
quem quer que seja, pois trata-se de uma questão que tanto importa ao Direito
como à sociedade.
Contudo, apesar de se estar bem
ciente do referido, “Afinal, o que é a Justiça?” é uma das perguntas que mais
se ouve desde que um estudante de Direito decide enveredar pelo referido caminho.
Muitos não a conseguem definir, mas todos a têm como algo necessário e basilar
para que a vivência em comum se desenvolva da melhor e mais equilibrada
maneira. Conscientes da sua intensa omnipresença, foque-se em particular o peso
deste princípio no Direito Administrativo.
Antes de
mais, e como se sabe, o Princípio da Justiça é consagrado constitucionalmente. Ao
atribuir-se-lhe dignidade constitucional, ele ganha uma força e protecção que
faz jus à sua importância e que, de outra forma, não poderia ser atingida. Que
faz, diga-se, que quase faz pois, citando Otto Mayer, “O direito constitucional
passa, [e mesmo assim] o direito administrativo permanece”. Exemplo desta
realidade é o facto de só ter entrado em vigor em 2004 uma reforma da
legislação do contencioso administrativo, quando já em 1982 o legislador da revisão
constitucional tinha estabelecido claras e sucessivas directrizes para que tal
acontecesse.
A “fragilidade” da Constituição
perante o Direito Administrativo poderia ser preocupante na medida em que
traria a possibilidade de o Princípio da Justiça vir a perder a sua dignidade
constitucional. Contudo, acredita-se que tal não acontecerá pois, hoje em dia,
o Direito Administrativo utiliza este princípio como um, se não o principal, dos
seus guias. Isto decorre do artigo 266º n2 da Constituição da República
Portuguesa (CRP). Para os órgãos e os agentes administrativos actuarem de
acordo com o referido princípio é necessário saber em que é que ele consiste,
em que é que na prática se traduz. Seguindo o Professor Freitas do Amaral, a Justiça
pode ser definida, embora de forma imperfeita, como sendo o conjunto de valores que impõem ao Estado e a
todos os cidadãos a obrigação de dar a cada um o que lhe é devido em função da
dignidade da pessoa humana. Da definição decorre que a Justiça é um
conjunto de valores que impõem uma obrigação geral que tem como critério geral
orientador a dignidade da pessoa humana.
Ora, sendo então a Justiça um
conjunto de valores que orientam o homem, por que linhas é que ele, em concreto, se deve guiar? Encarando dois planos diferentes, o plano da justiça colectiva e
o plano da justiça individual, no primeiro o essencial é o respeito pelos
Direitos Humanos (direitos, liberdades e garantias e direitos económicos,
sociais e culturais), sendo possível desta forma edificar, em primeira linha,
um Estado e uma sociedade justos e no segundo plano, o da justiça individual,
os critérios utilizados são a igualdade, a proporcionalidade e a boa fé.
Assim, os órgãos e os agentes
administrativos, ao actuar, terão que ter presentes e cumprir estas directrizes,
estes critérios. Daqui se retira que o Princípio da Justiça se subdivide em
quatro subprincípios, também eles essenciais e de maior relevância para o
ordenamento jurídico: Princípio da Igualdade, Princípio da Proporcionalidade, Princípio
da Boa Fé e Princípio da Justiça em sentido estrito. Refira-se muito sucintamente
cada um deles:
- O Princípio da Igualdade – artigos 13º e 266º n2 da CRP e 5º n1 do CPA – tratar por igual o que é juridicamente igual e por diferente o que é juridicamente diferente; traduzindo-se na proibição de discriminação (sentido negativo: não introduzir desigualdades no que deve ser igual e não introduzir igualdade no que deve ser desigual; sentido positivo: tratar igualmente o que deve ser igual e impedir que outrem trate desigualmente o que deve ser igual) e na obrigação de diferenciação (positivamente falando: tratar desigualmente o que, sendo igual, deve ser desigual, tratar desigualmente o que, sendo desigual, deve ser igual [discriminação positiva] e impedir que outrem trate igualmente o que deve ser desigual) constitui um importante limite que deve ser respeitado pelos tribunais, pelas autoridades administrativas e até pelo legislador.
- O Princípio da Proporcionalidade – artigo 266º n2 da CRP e 5º n2 do CPA – manifestação essencial do Princípio do Estado de Direito, concretiza-se pelo facto de a limitação de bens ou interesses privados por actos dos poderes públicos deve ser adequada, necessária aos fins concretos que os referidos actos visam atingir e tolerável quando confrontada com aqueles fins.
- O Princípio da Boa Fé – artigo 266º n2 da CRP e 6º-A do CPA – importada do Direito Privado, a boa fé pode ser definida como a conduta que todo o bom cidadão deve ter, o que desde já demonstra o elevado grau de abstração deste subprincípio. Determina a tutela das situações de confiança e procura assegurar a conformidade formal e material (questão da materialidade subjacente) das condutas aos objectivos do ordenamento jurídico.
- O Princípio da Justiça em sentido estrito – artigo 266º n2 da CRP e 6º do CPA – princípio aglutinador de outros princípios, é também directamente constitutivo de regras jurídicas decorrentes do que constitui o seu cerne.
Afirma-se então que, de acordo com o artigo 266º n2 da CRP,
a Justiça, é mais que a legalidade, pois apesar de esta já ter sido
explicitamente afirmada no artigo, a Justiça também o foi. Para além disso, o
Princípio da Justiça é ainda, e como já foi referido, visto como uma referência fundamental da Ordem Jurídica
considerada no seu todo, como sendo o fundamento último da juridicidade da
resposta dada pela referida ordem (/Administração) aos problemas que visa
resolver.
Mesmo que não se saiba muito bem
a definição de Justiça, mesmo que se desconheça a massividade do Princípio da
Justiça e mesmo que o órgão da Administração em questão não seja grande
conhecedor do Direito, é possível agir-se de acordo com este princípio. Porquê?
Porque está sempre presente, em qualquer lado, para nos guiar e, mesmo que não
se saiba procurar com a maior das perícias ou precisões, as coordenadas estão
lá, na Lei, e cá, na nossa consciência.
Basta deixar-se guiar.
Basta deixar-se guiar.
Bibliografia:
- AMARAL, Diogo Freitas do - Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2a edição, Almedina, 2011
- SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de - Direito Administrativo Geral, Tomo I - Introdução e Princípios Fundamentais, 3a edição (reimpressão) D. Quixote, 2010
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