quinta-feira, 4 de abril de 2013

UMA ESTRELA POLAR CHAMADA PRINCÍPIO DA JUSTIÇA


Essencial – vital – ao Direito Administrativo e aos demais ramos do direito que constituem qualquer ordenamento jurídico, a Justiça, e o Princípio que a enforma, é um ponto crucial e obrigatório para a formação de um jurista ou de quem quer que seja, pois trata-se de uma questão que tanto importa ao Direito como à sociedade.

Contudo, apesar de se estar bem ciente do referido, “Afinal, o que é a Justiça?” é uma das perguntas que mais se ouve desde que um estudante de Direito decide enveredar pelo referido caminho. Muitos não a conseguem definir, mas todos a têm como algo necessário e basilar para que a vivência em comum se desenvolva da melhor e mais equilibrada maneira. Conscientes da sua intensa omnipresença, foque-se em particular o peso deste princípio no Direito Administrativo.

Antes de mais, e como se sabe, o Princípio da Justiça é consagrado constitucionalmente. Ao atribuir-se-lhe dignidade constitucional, ele ganha uma força e protecção que faz jus à sua importância e que, de outra forma, não poderia ser atingida. Que faz, diga-se, que quase faz pois, citando Otto Mayer, “O direito constitucional passa, [e mesmo assim] o direito administrativo permanece”. Exemplo desta realidade é o facto de só ter entrado em vigor em 2004 uma reforma da legislação do contencioso administrativo, quando já em 1982 o legislador da revisão constitucional tinha estabelecido claras e sucessivas directrizes para que tal acontecesse.

A “fragilidade” da Constituição perante o Direito Administrativo poderia ser preocupante na medida em que traria a possibilidade de o Princípio da Justiça vir a perder a sua dignidade constitucional. Contudo, acredita-se que tal não acontecerá pois, hoje em dia, o Direito Administrativo utiliza este princípio como um, se não o principal, dos seus guias. Isto decorre do artigo 266º n2 da Constituição da República Portuguesa (CRP). Para os órgãos e os agentes administrativos actuarem de acordo com o referido princípio é necessário saber em que é que ele consiste, em que é que na prática se traduz. Seguindo o Professor Freitas do Amaral, a Justiça pode ser definida, embora de forma imperfeita, como sendo o conjunto de valores que impõem ao Estado e a todos os cidadãos a obrigação de dar a cada um o que lhe é devido em função da dignidade da pessoa humana. Da definição decorre que a Justiça é um conjunto de valores que impõem uma obrigação geral que tem como critério geral orientador a dignidade da pessoa humana.

Ora, sendo então a Justiça um conjunto de valores que orientam o homem, por que linhas é que ele, em concreto, se deve guiar? Encarando dois planos diferentes, o plano da justiça colectiva e o plano da justiça individual, no primeiro o essencial é o respeito pelos Direitos Humanos (direitos, liberdades e garantias e direitos económicos, sociais e culturais), sendo possível desta forma edificar, em primeira linha, um Estado e uma sociedade justos e no segundo plano, o da justiça individual, os critérios utilizados são a igualdade, a proporcionalidade e a boa fé.

Assim, os órgãos e os agentes administrativos, ao actuar, terão que ter presentes e cumprir estas directrizes, estes critérios. Daqui se retira que o Princípio da Justiça se subdivide em quatro subprincípios, também eles essenciais e de maior relevância para o ordenamento jurídico: Princípio da Igualdade, Princípio da Proporcionalidade, Princípio da Boa Fé e Princípio da Justiça em sentido estrito. Refira-se muito sucintamente cada um deles:
  • O Princípio da Igualdade – artigos 13º e 266º n2 da CRP e 5º n1 do CPA – tratar por igual o que é juridicamente igual e por diferente o que é juridicamente diferente; traduzindo-se na proibição de discriminação (sentido negativo: não introduzir desigualdades no que deve ser igual e não introduzir igualdade no que deve ser desigual; sentido positivo: tratar igualmente o que deve ser igual e impedir que outrem trate desigualmente o que deve ser igual) e na obrigação de diferenciação (positivamente falando: tratar desigualmente o que, sendo igual, deve ser desigual, tratar desigualmente o que, sendo desigual, deve ser igual [discriminação positiva] e impedir que outrem trate igualmente o que deve ser desigual) constitui um importante limite que deve ser respeitado pelos tribunais, pelas autoridades administrativas e até pelo legislador.
  • O Princípio da Proporcionalidade – artigo 266º n2 da CRP e 5º n2 do CPA – manifestação essencial do Princípio do Estado de Direito, concretiza-se pelo facto de a limitação de bens ou interesses privados por actos dos poderes públicos deve ser adequada, necessária aos fins concretos que os referidos actos visam atingir e tolerável quando confrontada com aqueles fins.
  • O Princípio da Boa Féartigo 266º n2 da CRP e 6º-A do CPA – importada do Direito Privado, a boa fé pode ser definida como a conduta que todo o bom cidadão deve ter, o que desde já demonstra o elevado grau de abstração deste subprincípio. Determina a tutela das situações de confiança e procura assegurar a conformidade formal e material (questão da materialidade subjacente) das condutas aos objectivos do ordenamento jurídico.
  • O Princípio da Justiça em sentido estrito – artigo 266º n2 da CRP e 6º do CPA – princípio aglutinador de outros princípios, é também directamente constitutivo de regras jurídicas decorrentes do que constitui o seu cerne.

Afirma-se então que, de acordo com o artigo 266º n2 da CRP, a Justiça, é mais que a legalidade, pois apesar de esta já ter sido explicitamente afirmada no artigo, a Justiça também o foi. Para além disso, o Princípio da Justiça é ainda, e como já foi referido, visto como uma referência fundamental da Ordem Jurídica considerada no seu todo, como sendo o fundamento último da juridicidade da resposta dada pela referida ordem (/Administração) aos problemas que visa resolver.

Mesmo que não se saiba muito bem a definição de Justiça, mesmo que se desconheça a massividade do Princípio da Justiça e mesmo que o órgão da Administração em questão não seja grande conhecedor do Direito, é possível agir-se de acordo com este princípio. Porquê? Porque está sempre presente, em qualquer lado, para nos guiar e, mesmo que não se saiba procurar com a maior das perícias ou precisões, as coordenadas estão lá, na Lei, e cá, na nossa consciência. 

Basta deixar-se guiar. 


Bibliografia:
- AMARAL, Diogo Freitas do - Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2a edição, Almedina, 2011
- SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de - Direito Administrativo Geral, Tomo I - Introdução e Princípios Fundamentais, 3a edição (reimpressão) D. Quixote, 2010 

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