quarta-feira, 10 de abril de 2013

Hipótese prática 2


Questões relevantes correspondentes a actividades administrativas:

1- Reunião ordinária do Conselho Directivo do instituto;
·        Questões de competência:
o       A data e hora da reunião são fixadas pelo presidente (art. 16º CPA), assim como a ordem de trabalhos (art. 18º CPA).
o       É o presidente que preside às reuniões, orienta os seus trabalhos e assegura o cumprimento das deliberações (art. 23º nº1 alínea a)).
o       As regras de competência foram cumpridas no caso em análise.

·        Questões procedimentais:
o       As deliberações feitas na reunião têm que constar na ordem do dia, se não forem urgentes (art. 19º). Esta questão, como vem descrita na hipótese, está em conformidade com a lei.
o       O conselho directivo é, segundo o art. 19º da LQIP, composto pelo presidente e por um máximo de dois vogais, portanto o conselho directivo da hipótese tem, geralmente, dois vogais a mais do que o permitido por lei.


2- Delegação no presidente da competência para atribuir o estatuto de "utente associado" dos serviços do instituto;
·        Questões de competência:
o       Estamos perante uma delegação não hierárquica.
o       Para ser exercida uma delegação de poderes têm que estar cumpridos três requisitos que se encontram expostos no artigo 35º nº1 CPA: o órgão que delega o poder, tem que ter competência para decidir sobre a matéria em estão; tem que estar expressa na lei a possibilidade de delegar competências (lei habilitante); e tem que haver um acto de vontade expressa desse órgão – acto de delegação.
o       Para que a delegação seja eficaz, é necessário que seja publicada em Diário da República (art. 37º nº2 CPA).
o       O conselho directivo, que é o órgão que define a actuação dos institutos (art. 18º LQIP), tem poder para exercer a competência delegada (art. 21º nº1 alínea a) LQIP).
o       O presidente tem competência para que lhe sejam delegadas competências do conselho directivo (art.23º nº1 alínea d) LQIP).
o       Não sabemos se há lei habilitante porque não temos o estatuto do instituto, que refere concretamente as competências do conselho directivo.
o       Há um acto de delegação de poderes porque a deliberação foi aprovada.
o       No entanto a delegação não foi publicada em Diário da República portanto carece de eficácia.

·        Questões procedimentais:
o       O quórum para a deliberação está sempre cumprido na hipótese, quer se conte com os 4 vogais (nesse caso estariam presentes 3 dos 5 membros com direito de voto, o que corresponde à maioria) ou com os 2 vogais que supostamente teriam que compor o conselho directivo (nesse caso estariam presentes todos os membros com direito de voto); cf art. 22º CPA.
o       A votação da deliberação sobre a delegação das competências ficou empatada, portanto o presidente usou o seu voto de qualidade como está previsto no artigo 26º nº1 CPA.
o       O voto favorável de um dos vogais e do presidente leva se tenha verificado maioria absoluta dos presentes, portanto a deliberação podia ser adoptada.
o       O presidente começou, logo após a deliberação, a aceitar requisições do estatuto de “utente associado”. Essa acção do presidente carece de qualquer eficácia nos termos do artigo 27º nº4 CPA, que determina que as deliberações aprovadas são ineficazes até que a acta da reunião seja aprovada e assinada pelos presentes. Só após esta situação é que o presidente podia proceder à aceitação de requisições do estatuto.


3- Delegação na empresa OTL da competência para organizar e desenvolver o programa "Idoso em Movimento", conferindo à empresa competências para, nomeadamente, celebrar os contratos necessários para a organização do evento;
·        Questões de competência:
o       Colocou-se a mesma questão quanto à delegação anterior e ela é resolvida segundo a mesma base legal.
o       Está prevista, no art. 54º nº1 da LQIP, a possibilidade do conselho directivo delegar algumas das suas atribuições e competências, nomeadamente de celebração de contratos, numa entidade privada, que é o caso da empresa OTL.

·        Questões procedimentais:
o       Esta delegação só pode ser feita mediante a autorização do ministro da tutela (art. 54º nº 1 LQIP), a qual faltou no processo de delegação de competência na empresa, tornando-a ilegal, e, por isso, inválida.
o       A votação tem que ser feita nominalmente (ou seja, tem que ser possível identificar o votante com o respectivo voto), como dispõe o nº1 do art.24º CPA, a não ser que recaia nas excepções do nº2 do mesmo artigo, o que não é o caso.
o       De qualquer forma, estamos perante um caso de impedimento correspondente ao do art. 44º nº1 alínea b) CPA, portanto o vogal casado com a dona da empresa OTL deveria ter-se dirigido ao presidente (art. 45º nº1 CPA), o que parece ter feito, e deveria ter sido o presidente do conselho directivo a declarar o vogal impedido (art. 45º nº3 CPA). O vogal em questão deveria então ter sido substituído (art. 47º nº1 CPA) ou, dado que o conselho directivo é um órgão colegial, poderia continuar o seu funcionamento sem ele (art. 47º nº2 CPA).
o       Em qualquer dos casos, o quórum para poder haver deliberação estaria cumprido (art. 22º CPA).
o       Como isto não sucedeu, o acto que aprova a delegação de poderes na empresa OTL é anulável (art. 51º CPA).


4- Subdelegação do presidente no dirigente do serviço das competência que lhe tinham sido delegadas;
·        Questões de competência:
o       O presidente pode subdelegar as competências, desde que não haja nenhuma disposição legal em contrário (o que parece ser o caso) e que seja autorizado pelo conselho directivo (órgão delegante), o que não há referência de ter acontecido, portanto a subdelegação seria ilegal – cf art. 36º CPA.
o       Coloca-se a questão de saber se o presidente pode subdelegar as competências no director máximo dos serviços do instituto, mesmo sendo este competente na matéria, dado que o art. 23º nº2 LQIP só refere os vice-presidentes e os vogais.

·        Questões procedimentais:
o       As directivas e instruções emitidas pelo presidente (órgão subdelegante) são vinculativas, o que significa que o directo é obrigado a respeitá-las – cf art. 39º CPA.

·        Questões materiais:
o       Coloca-se a questão de saber se as instruções dadas pelo presidente ao directo de serviços são ou não contrárias aos fins do instituto público (fins sociais e de solidariedade) e aos princípios que devem reger a actuação da administração pública presentes no capítulo II do CPA, assim como a generalidade dos princípios constitucionais que consistem em deveres liberdades e garantias dos cidadãos.
o       Quanto à instrução que determina que o estatuto de “utente associado” só pode ser concedido, por um lado, aos trabalhadores por conta de outrem e, por outro, aos trabalhadores que aufiram menos de dois salários mínimos nacionais (ou seja, menos de 970 euros), será pacífico defender que a segunda parte da instrução vai de encontro aos objectivos do instituto de ajudar as pessoas carenciadas e não desrespeita qualquer princípio. Relativamente à atribuição do referido estatuto apenas a trabalhadores por conta de outrem, já se pode considerar essa questão mais discutível, uma vez que não parece haver nenhuma razão que sustente o tratamento diferenciado de um trabalhador por conta própria, impedindo que lhe seja possível obter o estatuto, desde que ganhe menos que dois salários mínimos. Poderá então concluir-se que esta instrução está a desrespeitar o princípio da igualdade, presente no art. 13º CRP e 5º CPA, na medida em que trata de maneira diferente o que é igual para o que importa no caso concreto (longe de nós defender que não há diferenças entre trabalhadores pró conta de outrem e trabalhadores por conta próprias, as diferenças só não são relevantes no caso). Posto isso, conclui-se que a instrução é inválida e não tem que ser respeitada pelo director dos serviços.
o       Quanto à instrução que limita a mil o número de estatutos a atribuir, essa já vincula o director pois consiste numa decisão que recai na livre margem decisória da administração pública. Este é um exemplo da manifestação do poder discricionário dos órgãos administrativos. Cabe-lhes a eles decidir qual a capacidade dos seus serviços. E se o órgão delegante define um limite, o órgão delegado não pode definir um diferente, por força do art. 39º CPA.
o       Quanto à instrução que proíbe o director de atribuir o estatuto a 5 funcionários do instituto que tinham sido despedidos no ano anterior, já se pode considerar que há violação do princípio da justiça e da imparcialidade. Pode até considerar-se esta ordem atentatória do direito ao tratamento não discriminatório dos cidadãos, disposto no artigo 26º nº1 CRP. Por essa razão, a instrução é ilegal e, consequentemente, inválida.
o       Isto leva-nos a concluir que os actos do órgão delegado que consistem, por um lado, na atribuição de mais 1500 estatutos dos que os indicados pelo presidente e, por outro, na atribuição de estatutos a trabalhadores por conta de outrem que auferem mais do que dois salários mínimos, podem, nos termos do art. 39º nº2, ser revogados pelo presidente.

5- Revogação da delegação das competências no presidente pelo ministro da tutela;
  • Questões de competência:
    • A administração central, ou seja, o ministro em questão, tem poderes de tutela (poderes de controlo) e superintendência (poderes de orientação) sobre o instituto, na medida em que ele faz parte da administração indirecta do Estado – cf art. 199 alínea d) CRP.
    • O ministro tem, sobre este instituto, tanto tutela de mérito como de legalidade – cf art. 41º LQIP.
    • Como a tutela administrativa não se presume (princípio geral), temos que verificar se o ministro tem poderes de tutela revogatória sobre o instituto, que é o que está em questão. Dado que a tutela revogatória é excepcional, tem que estar especificamente indicada no estatuto do instituto, o que não sabemos se é o caso. Parece, todavia, exagerado considerar a existência de tutela revogatória relativamente a um instituto desta natureza. Portanto em princípio, não seria permitido ao ministro revogar a delegação de competências no presidente.
    • O único tipo de tutela que vem especificamente determinado na LQIP é a tutela substitutiva (art. 41º nº2 LQIP).

6- Demissão do presidente pelo ministro da tutela;
  • Questões de competência:
    • Não conseguimos resolver este problema, mesmo após a análise dos art. 20º LQIP e do art. 25º do Estatuto do Pessoal da Administração Pública.

7- Determinação, pelo ministro da tutela, de que o Conselho Directivo tem que revogar todas as delegações análogas;
  • Questões de competência:
    • Aplica-se a esta questão o que se disse sobre a revogação da delegação de competências no presidente.

8- Determinação, pelo ministro da tutela, dos objectivos a prosseguir pelo instituto;
  • Questões de competência:
    • O ministro da tutela tem, como já foi dito, poderes de superintendência sobre o instituto, pelo que pode definir os objectivos da sua actuação, através de directivas, que só vinculam quanto aos fins, não quanto aos meios – cf art. 4º nº1 LQIP. Tal como a tutela, a superintendência não se presume.

9- Subordinação, pelo ministro da tutela das delegações de competências a autorização ministerial;
  • Questões materiais:
    • Não sendo, do nosso ponto de vista, clara esta questão, pensamos que o ministro não pode ter essa actuação, por um lado porque extravasa os seus poderes de tutela e superintendência sobre o instituto, e por outro, consiste num desrespeito ao princípio da descentralização, constante do art. 267º CRP.
    • Relativamente ao facto desta decisão ir para lá dos poderes de tutela e superintendência que o ministro possui, a realidade é que a questão se coloca aqui mais ligada à tutela: terá o ministro poder de tutela integrativa sobre o instituto? Não sendo de descurar esta hipótese, até porque ela vem prevista no art. 41º nº3 LQIP, em que, de entre os actos previstos não consta a delegação de poderes, pensamos que ela, a existir no estatuto do instituto mais desenvolvida, será só sobre actos de administração extraordinária, ou seja, actos mais gravosos do que uma simples delegação de competências (por exemplo: arrendamento de um andar do imóvel onde o instituto está fisicamente estabelecido). É aqui que entra o desrespeito pelo princípio da descentralização. Considerar viável esta decisão do ministro significaria que se estaria a reduzir desproporcionalmente a autonomia administrativa do instituto público, que é o mesmo que dizer que passaria a haver uma interferência desmesurada na organização e actividade do instituto, que contrariaria a razão de ser do referido princípio. É preciso não esquecer que apesar de, na sua essência, os poderes dos institutos serem poderes do Estado que lhe são conferidos através da devolução de poderes, estes poderes acabam por estar na disponibilidade dos institutos, o que significa duas coisas: por um lado, os actos por eles praticados são-no feitos em nome próprio, e por outro, o Estado pode retirar esses poderes aos institutos a qualquer momento.
    • Concluindo, esta decisão do ministro é inválida, e, inclusivamente, inconstitucional.

10- Abertura, pelo ministro da tutela, de um processo disciplinar contra o director do serviço por este ter ignorado directivas ministeriais, com subsequente declaração de invalidade dos contratos celebrados por este;
  • Questão de competência:
    • O ministro pode abrir este inquérito nos termos do art. 41º nº8 alínea b).

  • Questão material:
    • É a invalidade a consequência para os actos praticados pelo director à revelia das directivas ministeriais? Pensamos que sim, mas não conseguimos fundamentar juridicamente de outra maneira que a de declarar que existe um desrespeito pelo princípio da legalidade, na medida em que o art. 199º CRP alínea d) e o art. 41º nº1 LQIP determinam que a acção dos órgãos dos institutos públicos está sujeita ao poderes de superintendência do governo.

11- Atribuição, pelo ministro da tutela, do estatuto de “utente associado”
  • Questões de competência:
    • Estamos perante um caso de tutela substitutiva, que é um poder conferido ao ministro só no caso de não estar a ser cumprido pelo órgão responsável, ou seja, tem que haver uma omissão grave por parte do conselho directivo, o que não é o caso – cf art.41º nº9 LQIP.


Conclusão:
            Posto isto, pode concluir-se que a delegação no presidente da competência para atribuir o estatuto de "utente associado" dos serviços do instituto não produziu quaisquer efeitos; a delegação de poderes na empresa OTL para organizar um programa específico, apesar de ser legalmente permitida, não foi válida por violações procedimentais; a subdelegação feita pelo presidente acaba por não ter base legal, dado que a delegação que lhe tinha sido feita foi ineficaz; não obstante, mesmo se esta tivesse produzido efeitos, os actos do director (órgão subdelegado) são passíveis de revogação pelo presidente.
            Quanto às acções do ministro da tutela ele não pode revogar as delegações de competências feitas pelo conselho directivo nem subordinar futuras delegações à sua prévia aprovação, nem pode substituir-se aos órgãos e passar a ser ele a atribuir os estatutos de “utente associado”. Pode, no entanto, definir novos objectivos para o instituto e abrir um inquérito contra o director do serviço. A questão da demissão do presidente é, para já, uma incógnita.

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