No caso em questão, perante uma solicitação de um particular
de concessão de uma licença de construção de um colégio, a Câmara Municipal
(órgão colegial executivo do município, integrado na Administração Autónoma)
emana um acto administrativo de indeferimento relativo àquele pedido.
A primeira questão que aqui se coloca é a de saber se a
Câmara Municipal é o órgão competente para emanar aquele acto administrativo.
Nos termos do artigo 64º/5 a) da Lei nº 169/99 de 18 de Setembro: “compete à
câmara municipal, em matéria de licenciamento e fiscalização conceder licenças
nos casos e nos termos estabelecidos por lei, designadamente para construção,
reedificação, utilização, conservação ou demolição de edifícios(…)”. Daqui se
retira que o requisito da competência se encontra verificado.
Considerada a questão da competência, importa agora analisar
os aspectos procedimentais. A este respeito importa sublinhar que a emissão de
actos administratvos está procedimentalizada, sendo que só em casos de estado
de sítio ou emergência podem ser praticados actos administrativos
desprocedimentalizados. O procedimento é composto por seis fases: a fase
inicial (artigo 74º a 85º CPA), fase de instrução (86º a 99º), fase de
audiência dos interessados (100º a 105º), fase de preparação da decisão (104º e
105º), fase da decisão e fase complementar.
Sendo a Câmara Municipal de Cascais um município com mais de
100 mil eleitores, nos termos do artigo 57º/2 c) da Lei nº 169/99 de 18 de
Setembro, para além do presidente a Câmara é composta por 10 vereadores (o que,
neste caso, perfaz um total de 11). Para sabermos se está verificado o quórum
de deliberação, temos de ter em conta o artigo 22º do Código do Procedimento
Administrativo, que estabelece no seu número 1 que “Os órgãos colegiais só
podem, regra geral, deliberar quando esteja presente a maioria do número legal
dos seus membros com direito a voto”. Nesta hipótese, exigia-se, assim, um
quórum de 6 membros, que se encontra verificado.
Relativamente à recusa da Câmara em apreciar o pedido não há
qualquer problema uma vez que a Câmara Municipal já havia indeferido aquele
pedido há menos de um ano e, nos termos do artigo 9º/2 CPA, “Não existe o dever
de decisão quando, há menos de dois anos contados da data da apresentação do
requerimento, o órgão competente tenha praticado um acto administrativo sobre o
mesmo pedido formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos”. Assim,
a administração não estava obrigada a pronunciar-se sobre a pretensão daquele
particular.
Importa agora saber se a maioria da deliberação se encontra
verificada. De acordo com o artigo 25º CPA, exige-se que se verifique uma
maioria absoluta de votos dos membros presentes à reunião. Tendo, neste caso,
havido decisão por unanimidade, a maioria encontra-se verificada.
Levanta-se, ainda, a questão se saber se Afonso poderia
interceder junto do seu filho e se este podia, sequer, estar presente naquela
reunião. De acordo com o artigo 44º/1 b) CPA, o filho de Afonso não podia intervir
naquele procedimento por ser seu parente em linha recta. Nos termos do artigo
51º/1 CPA, tendo sido incumprida a norma do 44º/1 b) CPA, o acto é anulável nos
termos gerais.
Analisados estes aspectos iniciais, importa agora avaliar o
fundamento da decisão da Câmara Municipal. Relativamente ao argumento
apresentado na alínea a), o particular deveria ter apresentado os documentos
necessários (os que achasse relevantes para a decisão) na fase inicial (artigos
74º e seguintes CPA). A Câmara Municipal tinha a obrigação de pedir ao
particular os documentos necessários na
fase de instrução (artigo 89º/1 CPA).
No que diz respeito ao argumento enunciado na alínea b),
ter-se-ía de analisar a legislação aplicável àquelas licenças de construção. A
haver alguma norma que impusesse que aquelas casas fossem pintadas de uma
determinada cor, estaríamos perante um deferimento condicionado, ou seja,
poder-se-ía autorizar a construção de casas, mas estas apenas poderiam ser
pintadas de branco, por exemplo. A justificação dada pela Câmara Municipal de
que um colégio cor-de-laranja ofenderia a estética da povoação pode levantar
alguns problemas. Como em qualquer decisão da Administração, há aspectos
vinculados e aspectos discricionários. A questão de saber se se pode ou não
pintar um colégio de uma determinada cor corresponde a um aspecto que integra a
margem de livre decisão da Câmara. Contudo, nas zonas em que a lei que regula a
concessão de licenças de construção deixa ao órgão margem de livre apreciação e
decisão, a própria Câmara poderá autovincular-se. Ou seja, pode densificar os
critérios subjectivos estabelecidos na lei através, por exemplo, de um
regulamento aplicável àquele município, no sentido de melhor preservar a
identidade e estética daquela localidade.
Relativamente ao argumento enunciado na alínea c), se o
Plano Director Municipal impede que se construa naquela área, então a Câmara
não pode, de facto, autorizar a construção daquele colégio.
Quanto ao argumento da alínea d), não nos é possível saber
em concreto se as duas chaminés agravariam a poluição atmosférica daquela área.
Presumindo que a Câmara tinha feito uma prévia avaliação que lhe permitiu
concluir nesse sentido, este parece ser, também, um argumento plausível, uma
vez que o direito ao ambiente é um dos direitos que nasceu com o Estado
pós-Social e está consagrado no artigo 66º da Constituição. Cabe, então, à Administração, agir no sentido de preservar esse direito.
Por fim, o argumento mencionado na alínea e) parece ser
suficientemente claro e objectivo, dando cumprimento ao disposto no artigo
20º/1 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação. Uma nota a respeito deste
fundamento relaciona-se com o facto de a Administração se encontrar vinculada
ao princípio da legalidade, por força do artigo 266º/2 CRP e 3º CPA, devendo
agir em conformidade com o direito (entendido numa acepção ampla).
Vista a argumentação da Câmara Municipal, cabe agora
analisar as alegações de Afonso no recurso.
No que respeita ao primeiro argumento, não sabemos se o particular
apresentou, de facto, os projectos na especialidade, pelo que não há muito que
possamos dizer.
Relativamente à questão de saber se a Câmara podia indeferir
o pedido com base na cor que iria ser pintado o colégio teríamos de ver se a
lei o proibia ou não.
Em relação ao argumento da alínea c), temos de analisar se
há, de facto, uma discriminação e actuação arbitrária por parte da Câmara
Municipal, e consequente violação do princípio da igualdade previsto no artigo
5º CPA e nos artigos 13º e 266º/2 CRP. Neste aspecto importa ter em
consideração que o Plano Director Municipal (que assume a forma de regulamento)
tem uma abrangência, tal como o nome indica, meramente municipal e uma duração
limitada, sendo elaborado com base na Lei que deixa determinados aspectos à
margem de livre decisão da administração. As Câmaras Municipais vão, então,
elaborar para o município um Plano Director Municipal, autovinculando-se nos
aspectos para os quais a Lei tinha deixado margem de livre decisão. Quanto ao
facto de existirem outras construções naquela área, essas podem ter sido
anteriores àquele PDM e poderá, ainda assim, não haver uma decisão
discriminatória por parte da Câmara Municipal.
Quanto ao último argumento de Afonso, importa realçar que o
sentido provável que é apresentado na audiência dos interessados não tem
necessariamente de ser o sentido da decisão final. O que se poderia alegar é
que deveria ter sido feita uma nova audiência prévia ao segundo indeferimento. Ainda
assim, e apelando a um princípio de boa fé (artigo 6º-A CPA) e, mais
concretamente, ao sub-princípio da tutela da confiança, poder-se-ía levantar um
problema em relação a esta alínea, podendo Afonso alegar uma violação deste mesmo princípio. Contudo, e em conformidade com o que ficou
acima dito, parece-me que seria extremamente difícil provar a existência de uma
verdadeira situação de confiança.
Assim, parece-me que os argumentos invocados pela Câmara
Municipal para o indeferimento do pedido de Afonso são válidos. Afonso, se estivesse inconformado com a decisão poderia, em suma invocar a violação do princípio da imparcialidade, uma vez que o seu filho interveio no procedimento (artigo 44º/1 b) CPA) e a violação do princípio da igualdade e da boa fé. Apesar disto, o recurso de Afonso não seria provavelmente procedente por uma razão simples: a construção daquele colégio consubstanciaria uma violação de preceitos constitucionais (nomeadamente, do artigo 66º relativo ao "ambiente e qualidade de vida") e normas do Plano Director Municipal, conforme ficou anteriormente demonstrado.
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