terça-feira, 9 de abril de 2013

Hipótese Prática 1 - Problemas na vila de Cascais...


RESOLUÇÃO da HIPÓTESE 1.

Actuações jurídicas-administrativas:
-1ª decisão: indeferimento, um ano atrás
-2ª decisão: recusa de apreciação do pedido
-3ª decisão: indeferimento

1ª decisão.
CompetênciaQuanto à submissão de pedidos de licença de construção, estabelece o artigo 64º/5/a) da LAL, que compete à câmara municipal conceder licenças nos casos e nos termos estabelecidos por lei, designadamente para construção e para utilização de edifícios. - Portanto, a câmara tinha competência para indeferir.
Questão procedimental: a autarquia tem 100 000 eleitores recenseados. O artigo 56º/1 da Lei das Autarquias Locais (LAL) estabelece, para além de que a câmara municipal é o órgão colegial do município, que é constituída por um presidente, um vice-presidente, designado de entre os vereadores e os demais vereadores. Estabelece, ainda, que este órgão é eleito pelos cidadãos recenseados na sua área. Sendo que no município de Cascais há mais de 100 000 cidadãos recenseados, dispõe o art. 57º/2/c) da LAL que, "Para além do presidente, a câmara municipal é composta por:" "dez vereadores nos municípios com 100 ou mais eleitores". Sabemos então que há ao todo onze membros na câmara municipal, sendo que um deles é o presidente, outro o vice-presidente, e que os restantes nove serão vereadores. Para efeito de apuramento de quorum, por força do artigo 89º/1 da LAL, os órgãos das autarquias locais só podem reunir e deliberar quando esteja presente a maioria do número legal dos seus membros, o que se verifica, uma vez que seis, é mais de metade do número total de membros da câmara municipal (onze). Recorremos aqui a uma norma constante da LAL, mas o regime é o regime geral, plasmado no artigo 22º do CPA.
Questões Materiais: Levanta-se a questão de saber se a câmara municipal tinha de se ter pronunciado em relação ao pedido: por força do artigo 9º/1 do CPA: "Os órgãos administrativos têm, nos termos regulados neste Código, o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados pelos particulares". A resposta é, pois, que a câmara municipal estava vinculada, por força do princípio da decisão a apreciar o pedido, tendo se pronunciado pelo seu indeferimento. 

2ª decisão:
Competência: a competência encontra-se no âmbito da possibilidade de decidir por parte da câmara, formalmente, e decorre do já referido artigo 64/5/c) da LAL.
Questão do Procedimento: do ponto de vista procedimental, é necessário que o pedido seja admitido a apreciação por parte da câmara municipal.
Questões Materiais: decorre do artigo 9º/2 do CPA, que: "Não existe o dever de decisão quando, há menos de dois anos contados da data da apresentação do requerimento, o órgão competente tenha praticado um acto administrativo sobre o mesmo pedido formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos. Sabe-se se o pedido é o mesmo através da identidade do sujeito, identidade do pedido e identidade da causa do pedido. Se não houver diferenciação, a administração não pode ser obrigada a pronunciar-se, desde que ocorram dentro do prazo previsto. Não havendo dever legal, pode contudo haver decisão, que simplesmente não é obrigatória.
A intervenção do filho é perfeitamente inaceitável e consubstancia uma clara violação do artigo 44/1/b do CPA. Estamos aqui perante uma invalidade por violação do princípio da imparcialidade.

3ª decisão:
Competência: repete-se o que se disse quando se falou de competência em relação às anteriores decisões.
Questão do Procedimento: Por força do artigo 89º/1 da LAL, os órgãos das autarquias locais só podem reunir e deliberar quando esteja presente a maioria do número legal dos seus membros, o que se verifica, uma vez que seis, é mais de metade do número legal dos membros da câmara municipal (que é onze). A deliberação dá-se por maioria simples.
Questões Materiais: a intervenção do filho de Afonso na deliberação é proibida pelo artigo 44º/1/b) do CPA, que dispõe que: "Nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo (...) quando, por si ou como representante de outra pessoa, nele tenha interesse o seu cônjuge, algum parente ou afim em linha recta ou até ao 2º grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum". Esta deliberação é nula, por força do artigo 133º/1/g do CPA. O filho não só não deveria ter estado presente no momento da deliberação, como não faria parte do número de vereadores para apuramento do quórum, sendo portanto a própria verificação da deliberação nula.

O dever de fundamentação administrativa, previsto no artigo 124/1/c do CPA,  é cumprido:
A- o requerente não juntou os projectos na especialidade, exigidos por lei; - este ponto da fundamentação contradiz as afirmações de Afonso de que teria entregue os projectos. Uma vez que a hipótese não nos fornece mais informação podemos apenas dizer que caberá ao tribunal decidir quem tem razão.
B-  construção de um colégio cor de laranja ofende a estética da povoação; - a lógica da cor é um juízo estético que não deve estar vinculado. A administração não está em posição de fazer o julgamento melhor de que um particular.
C- não é possível construir naquela área porque se trata de uma zona "non edificandi", segundo o plano director municipal; - este argumento justificaria a validade da decisão. De facto, se o plano director municipal proíbe a construção em determinado sítio, a câmara municipal está obrigada, por força do princípio da legalidade a fazer cumprir o plano.
D- a construção tem duas chaminés, o que agravaria a poluição atmosférica naquela área; - o número de chaminés não tem qualquer relação com a poluição produzida. Este argumento não é fundamento de decisão no quadro da tutela dos interesses que estão em causa.
E- a construção não respeita as distâncias mínimas previstas no regime geral das edificações urbanas e no art. 1360 do C.C. - a câmara municipal deve conformar-se com a disposição legal do Código Civil, que pretende salvaguardar a intimidade da vida privada, para além da prevenção de problemas ambientais e de recolha de resíduos que poderiam emergir  da construção muito próxima de prédios.


- Afonso não pode recorrer hierarquicamente para o presidente da câmara, uma vez que o presidente da câmara não é superior hierárquico, mas membro do órgão colegial, câmara municipal (recurso impróprio - artigo 51/1/c do CPA). Afonso poderia recorrer para a Assembleia Municipal, que tem deveres de fiscalização no âmbito da actividade da câmara municipal, ou para o ministro da tutela (ministro da Administração Interna), que exerce tutela sobre as câmaras municipais.

a)      Que apresentara os projectos na especialidade, tempestivamente, tendo confirmado que constavam do processo. - já falei sobre este problema.

b)      Que a proibição de pintar o colégio de cor de laranja consubstanciava um atentado ao seu direito fundamental à liberdade artística e de expressão pessoal, além de que consistia numa manifesta perseguição política, por ser facto sobejamente conhecido que o requerente é militantante activo do PPD/PSD. - este problema é menor em relação ao da liberdade de expressão artística. Mas já tratei, fundamentalmente, deste problema acima.

c)       Que existem diversas construções naquela área, sendo discriminatório que seja o único proprietário que não possa construir. - se o plano director municipal proíbe a construção naquele sítio Afonso tem de se conformar, se este estabelece características diferenciadas, no quadro da diferenciação não há discriminação. No caso de as outras construções serem ilegais, isso de nada aproveita a Afonso, uma vez que na ilegalidade não existe o princípio da igualdade.

d)      Que ao longo do procedimento, nomeadamente em sede de audição dos interessados, tinha-lhe sido dito que o pedido seria deferido, pelo que inclusive teria dado início às obras para adiantar trabalho. - tudo o que lhe tenha sido dito durante o procedimento carece de força vinculativa e não constitui mais do que mero indicativo do curso do procedimento. Afonso não tem expectativa juridicamente tutelável. 
A decisão da câmara não é válida, uma vez que as fundamentações apresentadas não são, todas, válidas.




Sem comentários:

Enviar um comentário