PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
O
princípio da legalidade é o princípio central da Administração Pública, no
âmbito de um Estado de Direito Democrático, como o portguês. Ele está
consagrado na ordem jurídica portuguesa: arts.2º e 266º/2 CRP e art.3º CPA.
Este é um princípio com várias vertentes e que levanta inúmeras questões. Assim,
tratarei deste tema por partes.
Em
primeiro lugar, só é possível compreender o princípio da legalidade tendo
sempre presente os seus dois
fundamentos originários[1]:
1. Garantístico:
“visa assegurar que a actuação administrativa não ocorre em termos
imprevisíveis para os cidadãos”
2. Democrático:
“visa assegurar que a actuação administrativa não ocorre à margem da
legitimidade democrática, designadamente com base num título de legitimidade
próprio do executivo”
Em
segundo lugar, é necessário tratar separadamente cada uma das suas dimensões:
preferência de lei e reserva de lei.
Começo
pela PREFERÊNCIA DE LEI.
Na
sua formulação original significa que a Administração não pode ir contra a lei
e em caso de conflito entre acto administrativo e lei prevalece esta última.
No
entanto, com o evoluir do Estado liberal para o Estado social, a primazia da
lei como “razão escrita” foi sendo atenuada pela crescente importância das
Constituições e, a nível internacional, de outras fontes jurídicas (de forma
premente em Portugal, pelo Direito da UE). Assim, pode-se dizer que a lei
deixou “de constituir o único parâmetro jurídico da actividade administrativa;
tal parâmetro é, agora, todo o bloco de legalidade” (ordem jurídica
globalmente considerada). É este entendimento lato da expressão “lei” que foi
acolhido pelo CPA, no seu art.3º. Portanto, são parâmetros de legalidade da
actuação da Administração: a Constituição, o direito internacional
(convencional, consuetudinários e decisões de organizações internacionais), o
direito da UE, a lei ordinária (art.112º/1 CRP), regulamentos e costume interno
para quem o aceite como fonte de Direito. Ou seja, são parâmetros todos os
actos normativos (existindo no entanto quem abarque neste conceito actos não
normativos)[2].
Perante
esta evolução, parece existir um afastamento do segundo fundamento que
referimos: este princípio de conformidade normativa vertical assegura a
intangibilidade não só da lei pelas actuações administrativas, mas assegura
“também a intangibilidade de determinados actos da própria administração”[3].
No entanto, os regulamentos no caso português, são emitidos pelo Governo que é
um órgão com legitimidade democrática, ao passo que os actos administrativos
não normativos subordinados aos regulamentos são emitidos por entidades que
podem não ter (e geralmente não têm) esta legitimidade (são agentes
administrativos contratados por concurso público, não por eleição dos cidadãos
portugueses). Já mais difícil se torna de explicar a subsistência deste
fundamento face à subordinação da actuação administrativa portuguesa ao Direito
da UE quando se trate de actos normativos não provenientes do Parlamento
Europeu nem da Comissão (ver art.17º/7 Tratado da União Europeia), nomeadamente
do Conselho, por falta de legitimidade democrática[4].
No entanto, em último caso, pode-se considerar que o Direito da União está numa
posição hierárquica inferior à da Constituição (posição defendida por Jorge
Miranda, Miguel Galvão Telles, Blanco de Morais, entre outros)[5] e
assim a sua legitimidade decorre dela – art.8º/4 CRP. Para quem adopte a tese
da primazia do Direito da UE será mais problemático justificar a permanência do
fundamento democrático. Porém, o Conselho não tendo legitimidade democrática europeia, é composto por membros dos Governos
nacionais que são nomeados com base na vontade popular…
Existem
duas consequências desta preferência de lei. A primeira é a ilegalidade (que se
traduz geralmente em invalidade) de todos os actos administrativos que contrariem
a ordem jurídica e também de todas as omissões da Administração quando a lei
lhe impusesse uma determinada actuação. A segunda é o facto de a ordem jurídica
prever mecanismos destinados à “erradicação dos actos ilegais” e das omissões.
Coloca-se,
na prática, o seguinte problema à aplicação deste princípio da preferência da
lei: perante “normas conflituantes no
interior do bloco de legalidade” (Constituição vs. lei/ lei vs. regulamento)
tem a Administração competência de
desaplicação da norma desconforme hierarquicamente inferior (lei no 1ºcaso,
regulamento no 2º)? A doutrina
portuguesa, na sua maioria, aceita uma competência de desaplicação limitada ou
excepcional. Procura-se fazer a aplicação do próprio princípio de preferência
de lei entendida como ordem jurídica. Porém, há uma posição minoritária que
rejeita totalmente a competência de desaplicação. Esta assenta em argumentos
como a separação de poderes (da qual decorre a reserva ao poder jurisdicional
de desaplicação de leis inconstitucionais) e a tutela da confiança dos
particulares (que pode ser afectada pela insegurança possivelmente causada por
uma desaplicação administrativa da lei)[6].
BIBLIOGRAFIA
AMARAL,
Diogo Freitas do [et al] – Código do
Procedimento Administrativo Anotado, Almedina, 2007 (6ª edição).
SOUSA, Marcelo Rebelo de e MATOS, André Salgado de - Direito Administrativo Geral, tomo I - Introdução e Princípios Fundamentais, D. Quixote, 2010 (3ª edição reimpressão)
MIRANDA, Jorge – Curso de Direito Internacional Público,
Principia, 2012 (5ª edição).
[1] SOUSA, Marcelo Rebelo de e MATOS, André Salgado de - Direito Administrativo Geral, tomo I - Introdução e princípios fundamentais, p.160.
[2] Ibid p.164.
[3] Ibid.
[4] Ibid p.165.
[5] MIRANDA, Jorge –
Curso de Direito Internacional Público,
pp.164 e ss.
[6] SOUSA, Marcelo Rebelo de e MATOS, André Salgado de - Direito Administrativo Geral, tomo I - Introdução e princípios fundamentais, p.166 e 167.
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