segunda-feira, 1 de abril de 2013


PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O princípio da legalidade é o princípio central da Administração Pública, no âmbito de um Estado de Direito Democrático, como o portguês. Ele está consagrado na ordem jurídica portuguesa: arts.2º e 266º/2 CRP e art.3º CPA. Este é um princípio com várias vertentes e que levanta inúmeras questões. Assim, tratarei deste tema por partes.

Em primeiro lugar, só é possível compreender o princípio da legalidade tendo sempre presente os seus dois fundamentos originários[1]:

1. Garantístico: “visa assegurar que a actuação administrativa não ocorre em termos imprevisíveis para os cidadãos”
2. Democrático: “visa assegurar que a actuação administrativa não ocorre à margem da legitimidade democrática, designadamente com base num título de legitimidade próprio do executivo”


Em segundo lugar, é necessário tratar separadamente cada uma das suas dimensões: preferência de lei e reserva de lei.
Começo pela PREFERÊNCIA DE LEI.

Na sua formulação original significa que a Administração não pode ir contra a lei e em caso de conflito entre acto administrativo e lei prevalece esta última.

No entanto, com o evoluir do Estado liberal para o Estado social, a primazia da lei como “razão escrita” foi sendo atenuada pela crescente importância das Constituições e, a nível internacional, de outras fontes jurídicas (de forma premente em Portugal, pelo Direito da UE). Assim, pode-se dizer que a lei deixou “de constituir o único parâmetro jurídico da actividade administrativa; tal parâmetro é, agora, todo o bloco de legalidade” (ordem jurídica globalmente considerada). É este entendimento lato da expressão “lei” que foi acolhido pelo CPA, no seu art.3º. Portanto, são parâmetros de legalidade da actuação da Administração: a Constituição, o direito internacional (convencional, consuetudinários e decisões de organizações internacionais), o direito da UE, a lei ordinária (art.112º/1 CRP), regulamentos e costume interno para quem o aceite como fonte de Direito. Ou seja, são parâmetros todos os actos normativos (existindo no entanto quem abarque neste conceito actos não normativos)[2].

Perante esta evolução, parece existir um afastamento do segundo fundamento que referimos: este princípio de conformidade normativa vertical assegura a intangibilidade não só da lei pelas actuações administrativas, mas assegura “também a intangibilidade de determinados actos da própria administração”[3]. No entanto, os regulamentos no caso português, são emitidos pelo Governo que é um órgão com legitimidade democrática, ao passo que os actos administrativos não normativos subordinados aos regulamentos são emitidos por entidades que podem não ter (e geralmente não têm) esta legitimidade (são agentes administrativos contratados por concurso público, não por eleição dos cidadãos portugueses). Já mais difícil se torna de explicar a subsistência deste fundamento face à subordinação da actuação administrativa portuguesa ao Direito da UE quando se trate de actos normativos não provenientes do Parlamento Europeu nem da Comissão (ver art.17º/7 Tratado da União Europeia), nomeadamente do Conselho, por falta de legitimidade democrática[4]. No entanto, em último caso, pode-se considerar que o Direito da União está numa posição hierárquica inferior à da Constituição (posição defendida por Jorge Miranda, Miguel Galvão Telles, Blanco de Morais, entre outros)[5] e assim a sua legitimidade decorre dela – art.8º/4 CRP. Para quem adopte a tese da primazia do Direito da UE será mais problemático justificar a permanência do fundamento democrático. Porém, o Conselho não tendo legitimidade democrática europeia, é composto por membros dos Governos nacionais que são nomeados com base na vontade popular…
Existem duas consequências desta preferência de lei. A primeira é a ilegalidade (que se traduz geralmente em invalidade) de todos os actos administrativos que contrariem a ordem jurídica e também de todas as omissões da Administração quando a lei lhe impusesse uma determinada actuação. A segunda é o facto de a ordem jurídica prever mecanismos destinados à “erradicação dos actos ilegais” e das omissões.

Coloca-se, na prática, o seguinte problema à aplicação deste princípio da preferência da lei: perante “normas conflituantes no interior do bloco de legalidade” (Constituição vs. lei/ lei vs. regulamento) tem a Administração competência de desaplicação da norma desconforme hierarquicamente inferior (lei no 1ºcaso, regulamento no 2º)? A doutrina portuguesa, na sua maioria, aceita uma competência de desaplicação limitada ou excepcional. Procura-se fazer a aplicação do próprio princípio de preferência de lei entendida como ordem jurídica. Porém, há uma posição minoritária que rejeita totalmente a competência de desaplicação. Esta assenta em argumentos como a separação de poderes (da qual decorre a reserva ao poder jurisdicional de desaplicação de leis inconstitucionais) e a tutela da confiança dos particulares (que pode ser afectada pela insegurança possivelmente causada por uma desaplicação administrativa da lei)[6].



BIBLIOGRAFIA
AMARAL, Diogo Freitas do [et al] – Código do Procedimento Administrativo Anotado, Almedina, 2007 (6ª edição).
SOUSA, Marcelo Rebelo de e MATOS, André Salgado de - Direito Administrativo Geral, tomo I - Introdução e Princípios Fundamentais, D. Quixote, 2010 (3ª edição reimpressão)
MIRANDA, Jorge – Curso de Direito Internacional Público, Principia, 2012 (5ª edição).


[1] SOUSA, Marcelo Rebelo de e MATOS, André Salgado de - Direito Administrativo Geral, tomo I - Introdução e princípios fundamentais, p.160.
[2] Ibid p.164.
[3] Ibid.
[4] Ibid p.165.
[5] MIRANDA, Jorge – Curso de Direito Internacional Público, pp.164 e ss.
[6] SOUSA, Marcelo Rebelo de e MATOS, André Salgado de - Direito Administrativo Geral, tomo I - Introdução e princípios fundamentais, p.166 e 167.

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