quarta-feira, 3 de abril de 2013


Modelo Administrativo Anglo-Saxónico

Até aos séculos XVII e XVIII vigorava na Europa o sistema tradicional que se caracterizava pela inexistência de separação de poderes e inexistência de um Estado de Direito. Ou seja, as funções administrativa e judicial misturavam-se. O Rei era simultaneamente o supremo administrativo e supremo juiz, sendo que não havia subordinação da Administração Pública ao princípio da legalidade, e por isso não havia normas que a regulassem nem que conferissem direitos aos particulares face a esta.
O Direito anglo-saxónico teve uma lenta formação ao longo dos séculos, existindo sempre um papel destacado do costume. Embora vinculados à regra do precedente, é de referir a grande independência dos juízes e prestígio do poder judicial.
O sistema anglo-saxónico surgiu como um forte opositor a este modelo administrativo, e surgiu com a Grande Revolução em Inglaterra, em 1688, que foi um dos eventos mais importantes na evolução dos poderes do Parlamento do Reino Unido e da Coroa Britânica.
Este modelo caracterizou-se então por uma verdadeira separação de poderes, onde o Rei, devido à abolição da Star Chamber, em 1641, se viu impossibilitado de resolver questões de natureza contenciosa. A Star Chamber consistia num Tribunal Britânico em que se julgavam as pessoas de mais alto nível que nunca conseguiriam ser acusados nos tribunais comuns, sendo que as sessões eram feitas em segredo, e sem testemunhas. Era pois um tribunal controlado pelo monarca, que com cuja abolição ficou assim impedido de dar ordens aos juízes, transferi-los ou demiti-los. Tal deveu-se também à criação do Act of Settlement, em 1701, graças ao qual os juízes ganharam grande independência face ao Rei.
A Bill of Rights, em 1689, veio estabelecer os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos britânicos e estipular um verdadeiro reino do direito, rule of law. O Bill of Rights determinou que o Direito comum seria “aplicável a todos os ingleses – Rei ou súbdito, servidor da coroa ou particular, militar ou civil, - de qualquer parte da Grã-Bretanha”, ou seja, o Direito estava acima de qualquer pessoa ou entidade pública ou privada. Portanto, o Rei e Administração ficaram subordinados ao Direito e sujeitos ao controlo jurisdicional dos tribunais comuns. Ou seja, tanto o Rei como os seus conselhos e funcionários se regem pelo mesmo direito que qualquer cidadão anónimo. Esta subordinação significa que não existem, por via de regra, privilégios ou prerrogativas de autoridade pública. Daqui decorre que no sistema administrativo de tipo britânico a Administração Pública não pode executar as decisões por autoridade própria, através de meios coactivos. Em suma, são conferidos aos Tribunais Comuns poderes de injunção face à Administração. As decisões unilaterais da Administração não têm força executória própria, não podendo ser impostas por coacção sem intervenção judicial. Quer isto dizer que se o particular se recusar a acatar as suas ordens, aquela terá de se dirigir ao tribunal comum, por forma a obter uma sentença que torne imperativa a sua decisão.
É ainda de referir que o poder no sistema britânico era descentralizado, pois as autarquias locais gozavam de ampla autonomia face a uma intervenção central diminuta.
No sistema britânico os particulares possuíam um leque de garantias jurídicas contra as ilegalidades e abusos da Administração Pública, e os tribunais comuns gozam de plena jurisdição face à Administração Pública, exercendo um papel preponderante.
Existe então uma unicidade de jurisdição que garante melhor aposição do particular, um direito unitário, e melhor defesa judicial dos direitos subjectivos. Há então uma maior tendência para o compromisso e tutela dos particulares.

A mudança sentida na administração traz consigo métodos mais eficazes de controlo da administração pública. Estes métodos traduziram-se na criação de instituições chamadas Administrative Tribunals. Estes não eram tribunais mas antes órgãos especiais que, diversos, procuravam ser autónomos e independentes. Primeiramente foram-lhes atribuídos poderes de actuação coactiva da Constituição na lógica do sistema francês, mas vêm a adquirir mais tarde poderes administrativos.
Mais tarde estes Tribunals ganham em muitos casos poderes de decidir os litítios sem que seja preciso recorrer a um tribunal. Contudo, a partir dos anos 20 um conjunto de políticas prosseguidas pelo Governo vem estabelecer que a última palavra deve pertencer a um court. Tinhamos tribunais comuns, depois os tribunos e depois a necessidade de os refrear. Surge a ideia de que a última palavra deverá ser a de um court. Visto isto, a Administração começa a ser prestadora e surgem, ao lado de órgãos dotados de poderes coactivos, órgãos administrativos que exercem a função jurisdicional.
Na existem hoje verdadeiros Tribunais Administrativos em Inglaterra. No entanto, o conceito britânico é relativamente diferente do Português. Em Portugal os Tribunais Administrativos constituem uma jurisdição autónoma e têm nos três níveis órgãos de natureza jurisdicional. Na Inglaterra esta especialização funcional da função administrativa só existe na primeira instância. Assim sendo, podemos caracterizar a estrutura de Civil Courts em Inglaterra do seguinte modo:




SUPREME COURT --» CIVIL COURT OF APPEAL --» HIGH COURT OF JUSTICE --» COUNTY COURT

O Administrative Court é uma instituição relativamente recente em Inglaterra. Este é uma subdivisão do Queen’s Bench incluído, juntamente com a Chancery Division e a Family Division no High Court of Justice. Este é um Civil Court.
O Administrative Court é um tribunal de segunda instância e, como tal, a sua função é apreciar a validade das decisões de outros tribunais. Qualquer indivíduo poderá trazer a este tribunal uma decisão de outro tribunal desde que tenha um interesse directo na mesma. Será pois um fórum legal onde as decisões oficiais de outros tribunais são apreciadas quanto à sua validade.

Neste contexto é importante distinguir este sistema Anglo-Saxónico do sistema Francês.
A distinção entre os modelos Francês e Britânico assenta em três características, que no início eram radicalmente diferentes e que hoje em dia, ainda diferentes, são muito mais próximas da realidade hoje em causa. Em primeiro lugar, existe no sistema Francês um ramo de normas de um direito privativo da Administração, que pode ser considerado como correspondendo ao Direito Administrativo. Em segundo, distingue-se a necessidade de apurar se as autoridades públicas têm poderes de autotutela, ou se, pelo contrário, dependem dos tribunais para exercer essa execução coactiva (heterotutela). A autotutela é realizada directamente pela Administração enquanto a heterotutela é realizada pelos tribunais. Por último, encontramos a diferença acerca da existência ou não, nos diferentes países, de tribunais especializados em razão da matéria administrativa. Poderá haver unidade, onde existe apenas uma jurisdição que resolve todos os litígios, ou dualidade de jurisdições, onde existem duas ou mais jurisdições encarregadas de resolver todos os litígios.
O Prof. Freitas do Amaral, ao tratar a matéria das características da Organização Administrativa afirma que ou há uma organização administrativa concentrada e centralizada, que assenta numa pessoa colectiva Estado sendo que, neste quadro, os poderes são exercidos de forma concentrada, ou seja, é o Governo que toma a maioria das decisões, ou, pelo contrário, há uma organização administrativa descentralizada e desconcentrada, que corresponde a várias pessoas colectivas e a vários centros de poder dentro de cada uma das pessoas colectivas. Tal corresponderá à dicotomia entre estes sistemas. Esquematizando:

Sistema Britânico:
·       Descentralizado
·        Entrega o controlo jurisdicional aos tribunais comuns
·         Direito comum regula a Administração (Direito privado)
·         Decisões administrativas dependem da sentença do tribunal
·         Administração é subordinada aos tribunais comuns

Sistema Francês:
·         Centralizado
·         Entrega controlo jurisdicional aos tribunais administrativos
·         Direito administrativo regula a Administração
·         Decisões administrativas dispensam intervenção do tribunal
·         Administração independente do poder judicial.

Curiosamente, a evolução entre os sistemas Anglo-Saxónico e Francês tem sido num sentido de aproximação. Assim, em Inglaterra têm vindo a surgir os já referidos Administrative Tribunals e em França aumentaram as relações entre os particulares e o Estado submetidas à fiscalização dos tribunais judiciais.
Relativamente ao direito aplicável à Administração, enquanto em Inglaterra, dada a transição para o Estado social de Direito, começaram a aparecer cada vez mais leis administrativas, em França, a Administração passou a actuar sob o domínio do Direito Privado em várias situações. Quanto à execução das decisões da Administração, em Inglaterra, passaram a ser obrigatórias para os particulares as decisões dos Administrative Tribunals e, em França, passou a ser possível os particulares obterem a suspensão da eficácia de decisões unilaterais da Administração Pública. Deste modo, como afirmou Hauriou, podemos concluir que estes dois sistemas são distintos mas são também duas espécies do mesmo género pois ambas são democracias pluralistas de tipo ocidental.

Trabalho realizado por:
-Inês Casanova
-Inês Metello
-Maria Ermida
-Mariana Carvalho
-Sebastião Lorena

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