terça-feira, 9 de abril de 2013

Resolução do Caso Prático 1


Em primeiro lugar deveremos considerar que tipo de atuação administrativa se trata neste caso. Estamos perante um requerimento de particular feito à Câmara Municipal de Cascais com o intuito de lhe ser concedida uma licença de construção, já indeferida anteriormente.
Pelo artigo 54º do Código do Procedimento Administrativo, com o requerimento de particular dá-se início oficioso ao procedimento administrativo sendo que a legitimidade de iniciar um procedimento administrativo recai sobre todos os titulares de direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos (53º/1 do CPA) como é o caso de Afonso.

Antes de mais é necessário alegar a competência da Câmara Municipal de Cascais para receber o requerimento e para conceder a licença. Pela Lei 169/99 de 18 de Setembro, artigo 64º/5a, a concessão de licenças de construção é da competência da Câmara Municipal, competência essa reforçada pelo artigo 5º/1 em conjugação com o 4º/2c ambos da Lei 555/99 de 16 de Dezembro. Pelo artigo 4º/2c do mesmo diploma, essa competência pode ser delegada no Presidente da Câmara e subdelegada nos vereadores. O artigo 9º/1 da Lei 555/99 de 16 de Setembro diz-nos ainda que o requerimento inicial deveria ter sido dirigido ao Presidente da Câmara Municipal e nele deveriam constar todos os requisitos de validade como: a identificação do requerente, indicação do pedido em termos claros e precisos. Os requisitos de validade constam não apenas pelo artigo 9º da Lei 555/99 de 16 de Setembro mas também do CPA no seu artigo 74º.

Dada a recusa de apreciação do pedido por parte da Câmara por já ter indeferido o pedido um ano antes – actuação que se justifica pelo artigo 57º do CPA que consagra o dever de celeridade nas decisões da Administração, dando-lhe a capacidade de recusar tudo o que for impertinente ou dilatório – Afonso decidiu interceder junto do seu filho, vereador da Câmara. Esta actuação violou o princípio da imparcialidade consagrado no artigo 44º do CPA cuja alínea b) do número 1 impede a intervenção de qualquer titular de órgão ou agente da Administração Pública no procedimento administrativo de acto que recai no interesse de seu cônjuge ou algum parente de linha recta, como é o caso. Deste modo, o filho de Afonso não poderia ter levado o requerimento de volta à Câmara para discussão.

Relativamente à votação que foi feita do requerimento, dado que falamos da Câmara de Cascais, com 100 mil eleitores, falamos também de um caso que recai sobre a alínea c) do número 2 do artigo 57º da Lei 169/99 de 18 de Setembro que nos diz que além do Presidente da Câmara, esta deve ser composta por 10 vereadores. Para que a Câmara Municipal possa tomar decisões, é necessário que esteja reunido o quórum exigido no artigo 89º/1 da Lei 169/99 de 18 de Setembro, quórum esse constituído pela maioria do número legal dos seus membros.

Após votação, o pedido foi de novo dado como indeferido. Pelo artigo 24º da Lei 555/99 de 16 de Dezembro, pode-se proceder ao indeferimento do pedido de licenciamento quando esteja presente qualquer das violações previstas nesse artigo. Deste modo, passo à análise dos argumentos dados pela Câmara para o indeferimento:

A)     Um primeiro argumento diz-nos que não foram juntados os projectos na especialidade, exigência feita pela Lei 555/99 de 16 de Dezembro ao dizer no artigo 20º/4 que o interessado deveria entregar os projectos na especialidade até 6 meses após ser notificado para o fazer se não os tiver entregue na proposta inicial. O artigo 20º define ainda no seu número 1 com que planos municipais deve o projecto de arquitectura estar em conformidade e, no seu número 6, que a não entrega dos projectos na especialidade nesse prazo implica a caducidade do acto que aprovou o projecto de arquitectura. Assim sendo, dado que Afonso insiste que entregou tais projectos, deverá provar essa entrega ou talvez enviá-los de novo para confirmar a legitimidade do seu requerimento.

B)     É, depois, remetida à ofensa à estética urbanística da povoação, argumento legítimo uma vez que o artigo 20º/2 do diploma acima referido define que deve ser feita uma apreciação objectiva da inserção urbana do projecto tendo em conta o edificado existente e o espaço público envolvente. Ainda, pelo artigo 24º/3 do mesmo documento, em conjugação com o seu artigo 4º/2c, o pedido de licenciamento pode ser indeferido quando afecte manifestamente a estética das povoações, a sua adequada inserção no ambiente urbano ou a beleza das paisagens. Afonso critica este argumento por acreditar que vai contra o seu direito à liberdade artística. De facto, este poderia ser visto como um atentado ao princípio da igualdade previsto no artigo 5º do CPA e 13º da Constituição da República Portuguesa, mas trata-se de por o interesse público acima da vontade de um particular. A Administração Pública personificada pela Câmara Municipal de Cascais, indeferiu o pedido de Afonso como o faria para o pedido de qualquer cidadão que quisesse actuar da mesma maneira e ofender a estética da povoação envolvente.

C)     O facto de esta ser uma zona non-aedificandi faz com que, no momento, não seja possível autorizar nessa zona qualquer construção de edifícios, mais uma vez, tentando proteger o interesse público em detrimento do interesse de um particular como é dever da Administração pelo artigo 4º do CPA. Deste modo, pela Lei 555/99 de 16 de Dezembro, quaisquer projectos de arquitectura propostos que estejam previstos no artigo 4º/2c do mesmo diploma devem estar: “em conformidade com planos municipais de ordenamento no território, planos especiais de ordenamento do território, medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária, servidões administrativas, restrições de utilidade pública e quaisquer outras normas legais e regulamentares relativas ao aspecto exterior e a inserção urbana e paisagística das edificações”. Ainda, pelo artigo 24º/1a do mesmo diploma, o pedido de licenciamento pode ser indeferido sempre que esteja em violação de qualquer dos planos acima referidos ou, pelo 24º/2ª, que afecte negativamente o património arqueológico, histórico, cultural ou paisagístico, natural ou edificado, respectivamente.

Afonso argumenta que outras construções foram feitas naquela zona, indo esta proibição contra o princípio da igualdade presente na CRP (artigo 13º) e no CPA (9º) e princípio fundamental do Estado Português mas pode ter ocorrido uma de três situações: ou nessa zona foi um dia possível edificar e deixou de ser, sendo lícita a proibição; ou essas construções não foram autorizadas; ou a Administração autorizou as construções contrariamente ao disposto no Plano Municipal da zona, ou seja, ilegalmente. De qualquer das maneiras não há legitimidade para conceder a Afonso autorização de construir numa zona onde essa edificação é proibida por lei.

D)     Quanto ao argumento da poluição atmosférica, mais uma vez a Lei 555/99 de 16 de Dezembro refere que os projectos de arquitectura devem ter em conta outras medidas preventivas, restrições de utilidade pública – este argumento é aceitável na medida de que a protecção do ambiente e do ar é do interesse público cuja protecção é a principal função da Administração Pública.

E)      Um último argumento remete ao não cumprimento das distâncias mínimas por parte do projecto de arquitectura exigidas por lei. O projecto tem de estar em conformidade com quaisquer normas legais e regulamentares relativas á inserção urbana (20º/1 da Lei 555/99 de 16 de Dezembro) pelo que deve seguir, como qualquer edificação, as regras de distâncias mínimas e máximas previstas no regime geral das edificações e no Código Civil, nomeadamente no artigo 1360º que prevê certas restrições. As restrições previstas tratam de melhorar a adaptação das várias edificações e principalmente de respeitar os direitos dos outros cidadãos quando efectuamos alguma obra de construção – mais uma vez, trata-se do interesse público.


Surgem duas últimas questões: uma primeira relativa a Afonso ter iniciado as obras por lhe ter sido garantido que o pedido seria deferido; uma segunda relativa ao recurso feito por Afonso para o Presidente da Câmara.

Face à primeira somos confrontados com o artigo 61º/1 do CPA que remete ao direito dos particulares interessados, neste caso, de Afonso, se ser informado sobre o andamento dos procedimentos em que seja directamente interessado. Pelo artigo 100º/1 do mesmo Código, os interessados têm o direito de ser ouvidos e, mais que isso, ser informados sobre o sentido provável da decisão, o que ocorreu neste caso. Deste modo, se Afonso agiu de boa-fé e se foi, de facto, informado da forma referida, considera-se que criou confiança na decisão da Administração e teve prejuízos por isso. Deve ser considerada, portanto, boa-fé receber uma indemnização pelos danos causados ao seu património ao iniciar as obras uma vez que é parte no CPA a alínea a) do número 2 do artigo 6º-A que refere como situação considerada relevante face à boa-fé este caso de ter sido suscitada na contraparte confiança na actuação em causa da Administração.

Para responder à segunda questão, e concluindo a resolução do caso prático, devendo o requerimento inicial ter sido entregue ao Presidente da Câmara e a decisão tomada pela Câmara Municipal como um todo, não poderá ser entregue mais tarde ao Presidente como recurso hierárquico uma vez que o presidente é-o apenas do órgão colegial. Dentro de um órgão colegial não existe hierarquia de forma que não se poderá recorrer ao presidente como superior hierárquico do órgão colegial porque não o é, é apenas um membro deste que tem várias funções destacadas. Se, por outro lado, a Câmara Municipal enquanto órgão colegial tivesse delegado no presidente a competência de conceder esta licença, como está previsto no artigo 65º/1 da Lei 169/99 de 18 de Setembro, poderia Afonso, pelo número 6 do mesmo artigo, recorrer ao plenário da Câmara Municipal de Cascais para nova apreciação do seu requerimento. 

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