Em primeiro lugar deveremos considerar que tipo de atuação
administrativa se trata neste caso. Estamos perante um requerimento de
particular feito à Câmara Municipal de Cascais com o intuito de lhe ser
concedida uma licença de construção, já indeferida anteriormente.
Pelo artigo 54º do Código do Procedimento Administrativo,
com o requerimento de particular dá-se início oficioso ao procedimento
administrativo sendo que a legitimidade de iniciar um procedimento
administrativo recai sobre todos os titulares de direitos subjetivos ou
interesses legalmente protegidos (53º/1 do CPA) como é o caso de Afonso.
Antes de mais é necessário alegar a competência da Câmara
Municipal de Cascais para receber o requerimento e para conceder a licença.
Pela Lei 169/99 de 18 de Setembro, artigo 64º/5a, a concessão de licenças de
construção é da competência da Câmara Municipal, competência essa reforçada
pelo artigo 5º/1 em conjugação com o 4º/2c ambos da Lei 555/99 de 16 de
Dezembro. Pelo artigo 4º/2c do mesmo diploma, essa competência pode ser
delegada no Presidente da Câmara e subdelegada nos vereadores. O artigo 9º/1 da
Lei 555/99 de 16 de Setembro diz-nos ainda que o requerimento inicial deveria
ter sido dirigido ao Presidente da Câmara Municipal e nele deveriam constar
todos os requisitos de validade como: a identificação do requerente, indicação
do pedido em termos claros e precisos. Os requisitos de validade constam não
apenas pelo artigo 9º da Lei 555/99 de 16 de Setembro mas também do CPA no seu
artigo 74º.
Dada a recusa de apreciação do pedido por parte da Câmara
por já ter indeferido o pedido um ano antes – actuação que se justifica pelo
artigo 57º do CPA que consagra o dever de celeridade nas decisões da
Administração, dando-lhe a capacidade de recusar tudo o que for impertinente ou
dilatório – Afonso decidiu interceder junto do seu filho, vereador da Câmara. Esta
actuação violou o princípio da imparcialidade consagrado no artigo 44º do CPA
cuja alínea b) do número 1 impede a intervenção de qualquer titular de órgão ou
agente da Administração Pública no procedimento administrativo de acto que
recai no interesse de seu cônjuge ou algum parente de linha recta, como é o
caso. Deste modo, o filho de Afonso não poderia ter levado o requerimento de
volta à Câmara para discussão.
Relativamente à votação que foi feita do requerimento, dado que
falamos da Câmara de Cascais, com 100 mil eleitores, falamos também de um caso
que recai sobre a alínea c) do número 2 do artigo 57º da Lei 169/99 de 18 de
Setembro que nos diz que além do Presidente da Câmara, esta deve ser composta
por 10 vereadores. Para que a Câmara Municipal possa tomar decisões, é
necessário que esteja reunido o quórum exigido no artigo 89º/1 da Lei 169/99 de
18 de Setembro, quórum esse constituído pela maioria do número legal dos seus
membros.
Após votação, o pedido foi de novo dado como indeferido. Pelo
artigo 24º da Lei 555/99 de 16 de Dezembro, pode-se proceder ao indeferimento
do pedido de licenciamento quando esteja presente qualquer das violações
previstas nesse artigo. Deste modo, passo à análise dos argumentos dados pela
Câmara para o indeferimento:
A)
Um primeiro argumento diz-nos que não foram
juntados os projectos na especialidade, exigência feita pela Lei 555/99 de 16
de Dezembro ao dizer no artigo 20º/4 que o interessado deveria entregar os
projectos na especialidade até 6 meses após ser notificado para o fazer se não os
tiver entregue na proposta inicial. O artigo 20º define ainda no seu número 1
com que planos municipais deve o projecto de arquitectura estar em conformidade
e, no seu número 6, que a não entrega dos projectos na especialidade nesse prazo
implica a caducidade do acto que aprovou o projecto de arquitectura. Assim sendo,
dado que Afonso insiste que entregou tais projectos, deverá provar essa entrega
ou talvez enviá-los de novo para confirmar a legitimidade do seu requerimento.
B)
É, depois, remetida à ofensa à estética
urbanística da povoação, argumento legítimo uma vez que o artigo 20º/2 do
diploma acima referido define que deve ser feita uma apreciação objectiva da
inserção urbana do projecto tendo em conta o edificado existente e o espaço público
envolvente. Ainda, pelo artigo 24º/3 do mesmo documento, em conjugação com o
seu artigo 4º/2c, o pedido de licenciamento pode ser indeferido quando afecte
manifestamente a estética das povoações, a sua adequada inserção no ambiente
urbano ou a beleza das paisagens. Afonso critica este argumento por acreditar
que vai contra o seu direito à liberdade artística. De facto, este poderia ser
visto como um atentado ao princípio da igualdade previsto no artigo 5º do CPA e
13º da Constituição da República Portuguesa, mas trata-se de por o interesse
público acima da vontade de um particular. A Administração Pública personificada
pela Câmara Municipal de Cascais, indeferiu o pedido de Afonso como o faria
para o pedido de qualquer cidadão que quisesse actuar da mesma maneira e ofender
a estética da povoação envolvente.
C)
O facto de esta ser uma zona non-aedificandi faz
com que, no momento, não seja possível autorizar nessa zona qualquer construção
de edifícios, mais uma vez, tentando proteger o interesse público em detrimento
do interesse de um particular como é dever da Administração pelo artigo 4º do
CPA. Deste modo, pela Lei 555/99 de 16 de Dezembro, quaisquer projectos de
arquitectura propostos que estejam previstos no artigo 4º/2c do mesmo diploma
devem estar: “em conformidade com planos municipais de ordenamento no
território, planos especiais de ordenamento do território, medidas preventivas,
área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária, servidões
administrativas, restrições de utilidade pública e quaisquer outras normas
legais e regulamentares relativas ao aspecto exterior e a inserção urbana e
paisagística das edificações”. Ainda, pelo artigo 24º/1a do mesmo diploma, o
pedido de licenciamento pode ser indeferido sempre que esteja em violação de
qualquer dos planos acima referidos ou, pelo 24º/2ª, que afecte negativamente o
património arqueológico, histórico, cultural ou paisagístico, natural ou
edificado, respectivamente.
Afonso argumenta que outras construções
foram feitas naquela zona, indo esta proibição contra o princípio da igualdade
presente na CRP (artigo 13º) e no CPA (9º) e princípio fundamental do Estado
Português mas pode ter ocorrido uma de três situações: ou nessa zona foi um dia
possível edificar e deixou de ser, sendo lícita a proibição; ou essas
construções não foram autorizadas; ou a Administração autorizou as construções
contrariamente ao disposto no Plano Municipal da zona, ou seja, ilegalmente. De
qualquer das maneiras não há legitimidade para conceder a Afonso autorização de
construir numa zona onde essa edificação é proibida por lei.
D)
Quanto ao argumento da poluição atmosférica,
mais uma vez a Lei 555/99 de 16 de Dezembro refere que os projectos de
arquitectura devem ter em conta outras medidas preventivas, restrições de
utilidade pública – este argumento é aceitável na medida de que a protecção do
ambiente e do ar é do interesse público cuja protecção é a principal função da
Administração Pública.
E)
Um último argumento remete ao não cumprimento
das distâncias mínimas por parte do projecto de arquitectura exigidas por lei. O
projecto tem de estar em conformidade com quaisquer normas legais e regulamentares
relativas á inserção urbana (20º/1 da Lei 555/99 de 16 de Dezembro) pelo que
deve seguir, como qualquer edificação, as regras de distâncias mínimas e
máximas previstas no regime geral das edificações e no Código Civil,
nomeadamente no artigo 1360º que prevê certas restrições. As restrições
previstas tratam de melhorar a adaptação das várias edificações e
principalmente de respeitar os direitos dos outros cidadãos quando efectuamos
alguma obra de construção – mais uma vez, trata-se do interesse público.
Surgem duas últimas questões: uma primeira relativa a Afonso
ter iniciado as obras por lhe ter sido garantido que o pedido seria deferido;
uma segunda relativa ao recurso feito por Afonso para o Presidente da Câmara.
Face à primeira somos confrontados com o artigo 61º/1 do CPA
que remete ao direito dos particulares interessados, neste caso, de Afonso, se
ser informado sobre o andamento dos procedimentos em que seja directamente
interessado. Pelo artigo 100º/1 do mesmo Código, os interessados têm o direito
de ser ouvidos e, mais que isso, ser informados sobre o sentido provável da
decisão, o que ocorreu neste caso. Deste modo, se Afonso agiu de boa-fé e se
foi, de facto, informado da forma referida, considera-se que criou confiança na
decisão da Administração e teve prejuízos por isso. Deve ser considerada,
portanto, boa-fé receber uma indemnização pelos danos causados ao seu
património ao iniciar as obras uma vez que é parte no CPA a alínea a) do número
2 do artigo 6º-A que refere como situação considerada relevante face à boa-fé
este caso de ter sido suscitada na contraparte confiança na actuação em causa
da Administração.
Para responder à segunda questão, e concluindo a resolução
do caso prático, devendo o requerimento inicial ter sido entregue ao Presidente
da Câmara e a decisão tomada pela Câmara Municipal como um todo, não poderá ser
entregue mais tarde ao Presidente como recurso hierárquico uma vez que o
presidente é-o apenas do órgão colegial. Dentro de um órgão colegial não existe
hierarquia de forma que não se poderá recorrer ao presidente como superior
hierárquico do órgão colegial porque não o é, é apenas um membro deste que tem
várias funções destacadas. Se, por outro lado, a Câmara Municipal enquanto órgão
colegial tivesse delegado no presidente a competência de conceder esta licença,
como está previsto no artigo 65º/1 da Lei 169/99 de 18 de Setembro, poderia
Afonso, pelo número 6 do mesmo artigo, recorrer ao plenário da Câmara Municipal
de Cascais para nova apreciação do seu requerimento.
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