quinta-feira, 4 de abril de 2013

Princípio da Imparcialidade: a ausência de um juiz em causa própria?


Analisando, etimologicamente, imparcial é precisamente o oposto de parcial, assim, e como guião desta explicação, é fundamental reter a ideia chave de que a Imparcialidade sustenta a não formação de partido/posição, salvaguarda uma abstracção fora e acima das partes (super partes).
Em tempos passados, o princípio da imparcialidade era visto como uma imposição de tratamento isento da Administração Pública face aos particulares e seus naturais interesses (não podia favorecer/desfavorecer por razões meramente relacionadas com os titulares dos órgãos ou os agentes da Administração, que estavam na posição de decidir ou actuar, que não visassem o interesse público).
Actualmente, a percepção deste princípio é substancialmente mais ampla, na medida em que há no comando de decisão uma consideração e ponderação, por parte da célebre Administração, não só dos  interesses públicos, como privados, relevando minuciosamente caso a caso (não confundir parcialidade da Administração, fruto da prossecução exclusiva da conveniência pública, com esta ponderação imparcial).
O problema reside no facto de não existir uma poção mágica que determine, logo à partida e sem mais, a ponderação acertada destes ditos interesses públicos e privados (decorrem sim de normas, notoriamente influenciados pelo Princípio da Proporcionalidade).
Desde logo, o CPA, no seu artigo 6º, estipula que a Administração deve tomar decisões determinadas exclusivamente com base em critérios objectivos de interesse público, consequentemente, não é válida qualquer influência de proveito alheio ao mesmo.
página 153 do FA. Prova viva disso na nossa Jurisprudência é o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29/5/2007 ...
Há uma dupla vertente crucial, apontada pela Doutrina, que concretiza o Princípio: dimensão negativa e dimensão positiva.

Dimensão Negativa

Proíbe a Administração de, no caso concreto, tomar em consideração e ponderar interesses públicos ou privados que, tendo em conta o fim legal a atingir, sejam irrelevantes para a decisão (exemplo: determinar o valor pecuniário de contra-ordenação tendo por base a necessidade de arrecadar receitas).
Por outras palavras, os titulares de órgãos ou agentes da Administração Pública estão impedidos de intervir em procedimentos, actos ou contratos que estejam entrosados  com questões do seu interesse pessoal e familiar ou com quem tenham relações económicas de especial proximidade.
Concretizada e aprofundada pelos artigos 44º-51º do CPA, esta vertente canaliza esforços para que não hajam suspeitas ao nível da isenção e rectidão da acção conduzida diariamente pela Administração. Há, tal como o Professor Marcelo Rebelo de Sousa defende, a formação de garantias preventivas de violação (há uma enorme dificuldade de prova de violação deste princípio nesta dimensão, pois há uma variação casuística, logo, para combater esta mancha cinzenta, estabelecem-se mecanismos preventivos).
Na senda deste regime, é perceptível a existência de dois graus distintos, para dadas situações, com regimes obviamente diferenciados- impedimento e sujeição.
As divergências são variadas, desde logo o impedimento refere-se a situações mais gravosas, sendo obrigatória por lei a substituição do órgão ou agente, tomando outro a decisão. As situações de impedimento, previstas no artigo 44/1 do CPA, são vastas:
  • titular do órgão ou agente tem interesse pessoal no caso;
  • titular do órgão ou agente está posicionado numa situação relacionada com o interesse pessoal do cônjuge, parente ou afim em linha recta, parente ou afim em 2º grau de linha colateral ou pessoa em economia comum (exemplo: união de facto);
  • se houver por resolver, simultaneamente, um caso semelhante em que o o titular do órgão ou agente ou os anteriormente referenciados sejam interessados;
  • no mesmo procedimento em que, outrora o o titular do órgão ou agente não se encontrava nessa posição, tenha intervindo (seja na condição de perito, mandatário ou juiz, emitindo um parecer);
  • titular do órgão ou agente não pode intervir contra quem esteja intentada uma acção judicial proposta por quem tenha interesse no caso.

O processo propriamente dito do impedimento também tem as suas etapas. Primeiramente, o titular do órgão ou agente tem o dever jurídico de se comunicar impedido nos termos previstos na lei. Deve, por isso, comunicá-lo de imediato ao superior hierárquico ou órgão colegial q quem pertença ou dependa. Posto isto, os órgãos decidem, atendendo às atinências do caso, se haverá impedimento ou não. Finalmente, o 45º do CPA clarifica dois cenários: 1) Se não há impedimento o problema é solúvel, pelo que não há violação da Imparcialidade, tendo o o titular do órgão ou agente legitimidade para decidir ou prosseguir a acção; 2) Se há impedimento, é desde logo substituído, havendo troca por aquele que a lei designar (excepto se, como norma o 47 do CPA, o superior hierárquico resolva avocar a decisão da questão). Na eventualidade de estar em causa um órgão colegial, o órgão actuará sem o membro impedido. 

Quanto às situações de suspeição (ou impedimento relativo), prevista no artigo 48 do CPA, a substituição não é obrigatória. É possível, se requerida pelo titular do órgão ou agente, pedindo a escusa de participar naquele procedimento ou pelo particular que opõe uma suspeição àquele titular do órgão ou agente, pedindo a substituição por outro. Os acontecimentos em que tal suspeição pode imperar são menos elencados, a saber:
  • titular do órgão ou agente tem uma relação familiar afastada com a outra parte envolvida na actuação (3º grau de linha colateral);
  • titular do órgão ou agente possui um vínculo obrigacional de crédito ou débito, face à outra face da relação Administração-particular;
  • titular do órgão ou agente tem inimizade com o particular;
  • Mais amplamente, qualquer circunstância pela qual possa razoavelmente suspeitar-se da insenção ou rectidão da conduta do titular do órgão ou agente da Administração (o Professor Marcelo defende que existe aqui uma clásula geral, não valendo os casos acima referidos taxativamente).

Embora o Professor Freitas do Amaral defenda que só se devem considerar proibidas as intervenções que se traduzam em decisão, ou em acto que influencie significativamente a decisão em certo sentido, a Jurisprudência tem adoptado a letra da lei em sentido rigoroso, isto é, “não podem intervir no procedimento de qualquer forma ou em qualquer momento”. 
Já o procedimento da suspeição capitula-se pelas seguintes jornadas: em fase inicial o titular do órgão ou agente tem o direito de pedir escusa na intervenção, e a lei também concede aos particulares, interessados no procedimento, o direito de oporem a suspeição ao órgão geralmente competente, requerendo a sua substituição. 
Tanto no impedimento, quanto na suspeição, há o risco clamoroso dos mecanismos de prevenção serem sobejamente desrespeitados. A ordem jurídica estabelece sanções para esses casos. 
Em primeiro plano, tais actos são, nos termos do 51/1 do CPA, anuláveis. Ao serem actos ilegais, feridos de um vícios congénito, são anuláveis, permitindo levá-los a tribunal e obter a sua respectiva declaração de anulabilidade. Ainda dentro deste espectro, se não for comunicada a possibilidade de violação do Princípio da Imparcialidade a quem de direito, o titular do órgão ou agente comete uma falta disciplinar grave (51/2).
Outra sanção mais concreta está indiciada no artigo 8’, nº2, da Lei 27/96 de 1 de Agosto, ao prever a perda de mandato a todos os membros autárquicos que violem as garantias de imparcialidade previstas na lei (exemplo actual: caso da perda de mandato do ex-presidente da Câmara Municipal de Faro, José Macário Custódio Correia). Tal acção é levada a caba pelo Ministério Público. Este caso particularíssimo de sanção, leva-nos a concordar com o Professor Freitas do Amaral, já que este estranha o facto de não serem concretizadas quaisquer tipo de sanções para os restantes agentes da Administração Pública, onde se incluem membros do Governo e altos dirigentes de institutos públicos, curiosamente os mesmos que assumem o papel de legislador, acabam por criar um subtil entrave no combate à promiscuidade e corrupção no Estado (esta protecção e oportunidade do legislador desresponsabilizar uma camada significativa da esfera da Administração não será atentadora da imparcialidade? Não estará este mesmo a ser juiz em causa própria, copulando uma franja poderosa, ao sancionar somente os responsáveis autárquicos e imiscuindo tal encargo?).


Dimensão Positiva

Antes de decidir no caso concreto, é necessário que a  Administração tome em consideração e ponderação todos os interesses públicos e privados que, à luz do fim legal a prossegui, sejam relevantes para a decisão. Assim, a Administração no exercício da sua margem de livre decisão (a receita ordena que corte presunto aos cubos, mas não enuncia qual a origem do presunto, nem tanto o volume do sólido quadrangular, cabe ao cozinheiro optar) tem que tomar em consideração todos os interesses públicos e privados que balançam significativamente e se revestem de elevada importância para a decisão. 
Ou seja, cabe-lhe ter em conta todos os interesses públicos secundários e privados legítimos, equacionáveis para o efeito de certa decisão, antes da sua adopção. Fruto disto, deduzimos que são parciais todos os actos que não resultem de uma exaustiva ponderação de interesses juridicamente protegido. Se a ponderação não é sustentada numa reflexão assertiva, ou nem se quer há ponderação, a decisão é violadora deste princípio magnânimo da Administração .

Em jeito de conclusão, o Princípio da Imparcialidade visa primar pela protecção da confiança dos cidadãos na seriedade e honestidade da Administração Pública e não tanto na justiça. Prova disso é que ma situação pode não ser justa, ao leme deste princípio, pois o que é central é a creditação plena da competência e isenção da Administração.
A base para a plenitude da Imparcialidade está dado, ainda assim, cremos que novos passos possam ser dados em frente, na busca de uma responsabilização de certos agentes, nomeadamente por via da concretização de sanções para os mesmos, aquando de óbvias violações dos mecanismos de prevenção compreendidos na dimensão negativa deste princípio.

Bibliografia
-SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de - Direito Administrativo Geral, tomo I - Introdução e Princípios Fundamentais, D. Quixote, 2010 (3ª edição reimpressão);
-AMARAL, Diogo Freitas do - «Curso de Direito Administrativo», volume II, 2ª edição, Almedina, 2011

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