terça-feira, 9 de abril de 2013

Hipótese prática 1

Hipótese prática 1

Factos relevantes:
1 – Afonso, cidadãos, militante do PPD-PSD, apresenta um pedido de construção de um colégio à Câmara Municipal (CM) de Cascais (município com mais de 10 mil eleitores) que é indeferido

2 – Um ano depois, Afonso volta a fazer o mesmo pedido

3 – CM Cascais não aprecia o pedido por tê-lo feito há um ano

4 – CM acaba por apreciá-lo por força do filho de Afonso que é vereador da Câmara

5 – O pedido é novamente indeferido (6 membros presentes decidem por unanimidade)

6 – Afonso recorre dessa decisão para Presidente da Câmara (PC)

Questões:
1 – Solicitação de Afonso à CM para que esta lhe conceda a licença de construção
  • É a CM um órgão administrativo? Sim, art. 13º + art.º nº2 CPA.
  • Tem a CM competência para apreciar este pedido? Tem, art. 64º nº5, alínea a) da Lei das Autarquias Locais (LAL).
  • Pode a CM apreciar novamente um pedido de licença, tendo já apreciado esse mesmo pedido um ano antes? Não encontrei resposta.
  • Ao apreciar o novo pedido o quórum está cumprido? Como Cascais é um município com mais de 10 mil eleitores, a CM tem que ser composta por 10 vereadores e o PC (art. 22º nº1 CPA e art. 57º nº2 alínea c) LAL); o quórum é 6 (art. 89º nº1 LAL) portanto está cumprido.
  • Sendo o filho de António vereador, pode a Câmara apreciar o pedido? Pode, desde que o filho de António não intervenha no procedimento (art. 44 nº1 alínea b) CPA).

2 – Fundamentação do indeferimento do pedido
  • É necessário que haja fundamentação para que a decisão seja legal e válida (art. 14º nº1 CPA e 268º nº3 CRP); o dever de fundamentação existe neste caso porque o indeferimento consiste numa restrição ao direito de propriedade de António, o qual não o pode usar para construir o colégio como era sua vontade; o dever de fundamentação é um limite ao poder discricionário da administração e é uma importante garantia dos particulares, na medida em que possibilita um melhor controlo da legalidade dos actos da administração; requisitos da fundamentação estão dispostos no art. 15º CPA.
  • Quanto à alínea a) não encontrei forma de a analisar.
  • Quanto às alíneas b) e d), temos que pensar que a administração pública existe para prosseguir os interesses públicos. Mas esta sua função acarreta duas questões susceptíveis de análise: é no caso concreto, através do procedimento administrativo que se define o interesse público; a definição desse interesse passa pela ponderação de diferentes interesses públicos e de interesses privados.
                  Na prossecução do interesse público, a administração rege-se pelos   princípios da    igualdade, imparcialidade, boa fé, justiça, responsabilidade,   proporcionalidade e     legalidade. Uns são princípios constitucionais e outros     constam do CPA.
                  Se pensarmos na ponderação dos diferentes interesses públicos, neste caso    temos   que contrapor a necessidade que o município tem de mais colégios para     fomento da educação, a necessidade de respeito pelo ambiente (questão das duas           chaminés) e a necessidade de não construir de maneira a contrariar a estética da       população. Cabe à administração coordenar os diversos interesses, decidindo quais   serão os prevalecentes. A isto chama-se poder discricionário, que decorre da livre          margem de decisão conferida à administração na sua actuação.
                  No exercício do poder discricionário, é necessário que a administração tenha também em conta os interesses privados (art. 266º nº1 CRP), nomeadamente de           António, mas não excluindo os e terceiros. Ao ponderar estes interesses, a           administração é limitada pelos princípios anteriormente referidos.
                  Este modo de agir da administração é uma garantia para os particulares,         sendo essa uma das razões que levou ao desenvolvimento do procedimento    administrativo como base da acção administrativa.
  • Quanto às alíneas c) e e), não tenho dados na hipótese que me permitam concluir pela procedência ou improcedência dos argumentos da administração. Mas este tipo de dados objectivos é facilmente verificável numa situação real. Faz parte da função da administração garantir que se cumpram as regras de ordenamento público.

3 – Recurso hierárquico para o PC
  • António não pode recorrer para o PC porque este não é um superior hierárquico da CM (art. 158 CPA).
  • Quanto muito, pode interpor recurso tutelar para o governo porque este exerce uma tutela de legalidade sobre as autarquias locais (art. 242º nº1 CRP)
  • António tem ainda legitimidade para impugnar o acto administrativo da CM Cascais (art. 55º CPTA), sendo esta decisão um acto impugnável (art. 51º nº1 CPTA)

4 – Fundamentação do recurso
  • Se António recorrer para o governo, o fundamento do recurso tem que ser ilegalidade ou inconveniência.
  • Se António impugnar o acto junto de um Tribunal Administrativo, a justificação tem que ser o desrespeito por um direito subjectivo ou de um interesse legalmente protegido; uma das fundamentações possíveis seria a que António faz na alínea b): desrespeito pelo seu direito fundamental de liberdade de expressão e direito à igualdade.
  • Quanto à legalidade do acto da CM, relativamente ao que António invoca na alínea a), não consegui encontrar uma base legal que me permitisse resolver a questão; relativamente à alínea c), a administração é obrigada a respeitar o princípio da igualdade portanto não pode decidir contrariamente à prática habitual (art. 124º nº1 alínea d) CPA); relativamente à alínea d), António foi informado do sentido provável da decisão, como é permitido pelo art. 100º nº1 CPA, e agiu conforme a essa informação de que dispunha, o que pode relevar em termos de responsabilização da administração, na medida em que esta lhe provocou danos.

Conclusão:
Decida António recorrer ou impugnar o acto, caberá ao governo ou a um tribunal administrativo averiguar qual a fundamentação que deve proceder e decidir-se, no caso do governo, pela modificação ou revogação do acto (se tal for permitido por lei) ou não, e no acto do tribunal administrativo pela validade ou invalidade da decisão da CM.

Sem comentários:

Enviar um comentário